Home Colunas Entenda Melhor | Moby Dick e o Álbum de Figurinhas Como Objeto de Culto

Entenda Melhor | Moby Dick e o Álbum de Figurinhas Como Objeto de Culto

O lado pedagógico e cultural do álbum de figurinhas.

por Leonardo Campos
415 views

Os álbuns de figurinhas contribuem para socialização e sensação de pertencimento, pois encontramos pessoas com objetivos similares aos que são colecionadores. Acionam mecanismos que engendram a memória, registrando elementos da cultura e fazem história. É a possibilidade de encontrar pessoas com o mesmo objetivo, um incentivador para a leitura, sendo uma prática que atravessa gerações com temas variados, tais como futebol, ícones da cultura pop, dentre outros, sendo a literatura o foco da análise em questão. Este suporte desenvolve nossas habilidades sociais de negociação, troca, doação, ensina às crianças, por exemplo, a não ficar com algo que não vai usar. Favorece a visão para coisas estáticas. O preenchimento manual, por exemplo, pode contribuir a coordenação motora fina dos “pequenos”, além de ensinar a lidar com algo muito corriqueiro em nossas vidas: a frustração, além da necessidade de ter paciência.

Lidar com álbuns de figurinhas aprimora os conhecimentos matemáticos, em especial, as operações de adição e subtração, com experiências sociais articuladoras de estruturas psicológicas globais, isto é, cognitivas, afetivas e emocionais, fornecendo elementos para a organização, participação do assunto do momento, em linhas gerais, uma ferramenta lúdica. O tema mais corriqueiro no contemporâneo é o álbum de figurinhas de futebol, geralmente próximo da Copa do Mundo. Mas outros temas fizeram muita história aqui no Brasil. Quem vos escreve colecionou as figurinhas que vinham numa barra de chocolate da Nestlé, na ocasião de lançamento de Jurassic Park. Outro fenômeno também foi Terror em Dose Dupla, um álbum que trazia Freddy Krueger e Jason Vorhees, das franquias slasher A Hora do Pesadelo e Sexta-Feira 13, sucesso de público na época. As Viagens de Gulliver, A Ilha do Tesouro, Robinson Crusoé e Moby Dick, clássicos da literatura, foram escolhidos como publicações neste formato. O volumoso romance de Herman Melville, inspirado na tragédia do naufrágio do Essex, em 1821, é o foco desta breve, mas elucidativa análise sobre a importância dos álbuns de figurinhas.

Lançado aqui no Brasil pela EBAL, o material traz a adaptação de E. G. Sterne, com ilustrações de C. Andres, conteúdo traduzido por Naumin Aizen. No desenvolvimento, textos em parágrafos de tamanho fixo, estruturados para resumir as principais passagens do livro, justapondo imagens que tomam a página toda, diagramação associada com as figurinhas que funcionam como os quadrinhos da narrativa. A leitura flui tranquilamente, com leveza e dinamismo, proposta criativa que contempla algumas das principais passagens do romance de Herman Melville. Diverte, ensina e permite a mescla equilibrada de entretenimento e aprendizado. Vai além da perspectiva pedagógica e envolve os leitores, pela sua simplicidade, sem ser vazio ou superficial. Como exposto anteriormente, serve como distração, material recreativo, educativo, relaxamento, além de permitir experiências sociais para os seus usuários, dando também a possibilidade do estabelecimento de vínculos e laços afetivos. Trocar e ter figurinhas raras, caro leitor, é uma jornada demasiadamente divertida, pois como dito, amplia nossas habilidades de negociação.

Neste álbum, podemos observar passagens que refletem a dinâmica de Moby Dick, um romance cheio de peculiaridades, de riqueza interpretativa e muita simbologia. Uma das reflexões é a presença do transcendentalismo na obra, algo constante no romantismo literário estadunidense do século XIX. O Capitão Ahab é, neste processo de interpretação, representante do self, isto é, o ser humano que precisa ter confiança e ser egocêntrico, indivíduo perseguidor do autoconhecimento, pois nesta caminhada de conhecer a si próprio, é capaz de compreender melhor o universo. Nesta corrente, o self é a “essência de cada pessoa”, algo que leva os personagens a transcender entrando em contato com a natureza. O mar e a baleia, representações deste espaço, contrastam com a vida social da época, delineada com brilhantismo nas malhas textuais do romance. Moby Dick é uma obra metafísica, pois busca refletir a essência das coisas e, em sua contemplação sobre a vida e a condição humana, vai além de uma caça meramente física, tendo no objetivo do capitão vingar-se de algo que trouxe desdobramentos significativos para a sua existência.

Nesta jornada de complexidades, o romance ganhou leituras diversificadas, sendo este álbum de figurinhas, por exemplo, uma interessante tradução intersemiótica.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais