Marisa de Azevedo Monte nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1º de julho de 1967. Na infância e adolescência estudou canto (lírico, a partir dos 14 anos), piano e bateria. Ainda aluna do Colégio Andrews, no Rio, participou de uma montagem do musical The Rocky Horror Show, dirigida por Miguel Falabella, em 1982. Três anos depois fez a sua estreia no cenário musical, ao gravar Sábado à Noite, de Sérgio Sá, para o filme Tropclip, de Luiz Fernando Goulart. Em 1986 Marisa foi para a Itália completar seus estudos de canto, onde também trabalhou um pouco com música, em Roma. Ao voltar para o Brasil, seu contato com o produtor Nelson Motta virou parte do caminho que a colocaria nos holofotes, em 1987. Em pouco tempo, viria o convite da TV Manchete para a gravação de um Especial Musical que daria origem ao primeiro álbum da cantora, MM, lançado em 1989.
Neste compilado de breves comentários sobre a discografia dessa incrível cantora, o foco é apenas em álbuns de estúdio e/ou majoritariamente de inéditas com gravação ao vivo. Assim, ficou de fora Verdade, Uma Ilusão Tour 2012/2013 (2014), a coletânea lançada em 2016 e, por motivos que imagino que sejam claros, o projeto paralelo de Marisa Monte com Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown: os Tribalistas (a esse trio, chamarei de Trib, ao longo do texto abaixo).
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1. MM (1989)
Meu parceiro Karam comentou sobre esse disco em sua lista de Grandes Discos da MPB. Reproduzo os comentários dele aqui e acrescento os meus, com a devida marcação mais abaixo. Disse o Karam: “Impressionante a versatilidade da cantora, então estreante. Pela primeira vez na história, uma cantora brasileira nova lançava seu primeiro disco em formato de registro ao vivo. Um repertório arrebatador, de uma época em que Marisa Monte incorporava várias divas em uma só e se entregava de maneira descomunal às canções que traçavam seu caminho. Uma época em que ela era apenas intérprete, ainda não compunha. Difícil encontrar um destaque em meio a tanta coisa diferente e boa. Comida, dos Titãs é, por si só, uma obra-prima. O arranjo meio jazzy abre espaço para que Marisa coloque sua voz num crescendo que se mostra perfeito para a abertura de um disco ao vivo. A balada romântica Bem Que Se Quis é seguida de Chocolate, de Tim Maia, depois Ando Meio Desligado, dos Mutantes, depois Preciso Me Encontrar, do Candeia, e por aí vai — repertório ultra versátil e de muito bom gosto, como podem aferir.
Mas talvez a interpretação mais impressionante, justamente pela maneira feroz e imprevisível com que Marisa chega ao microfone, seja Negro Gato. Miando, grunhindo, gritando e cantando como se estivesse sob a regência de alguma entidade, aqui ela atinge o sublime”. A partir daqui adiciono os meus comentários para este MM: a produção de Nelson Motta aqui acerta em tudo e deixa claro a confiança que ele tinha na artista, dada a liberdade para os arranjos e essa variedade toda de ritmos, indo de raízes como O Xote das Meninas (Zé Dantas e Luiz Gonzaga) e Lenda das Sereias, Rainha do Mar (Dinoel, Vicente Mattos, Arlindo Velloso) até o quarteto de canções em inglês que finalizam o disco, da qual a minha favorita é I Heard It Through The Grapevine (Barrett Strong, Norman Whitfield). As outras três são South American Way (onde Marisa brinca deliciosamente com o jeito de Carmen Miranda cantar), Bess, You Is My Woman Now e a única faixa gravada em estúdio aqui, Speak Low.
Sobre sua história com Marisa, Nelson Motta comentou, em entrevista: “Conheci a Marisa Monte com 18 anos, no final de 1985, no Rio de Janeiro. Recebi-a, atendendo um pedido de minha irmã, amiga da mãe de Marisa, que queria uma orientação sobre professores e escolas de canto de Roma, onde eu estava morando, e para onde Marisa estava indo estudar. A garota estudava desde os 14 anos e queria ser cantora de ópera, mas gostava e tinha boa cultura de jazz e música brasileira. Dei-lhe alguns nomes e endereços, voltei para Itália e não a vi mais. Um dia em Roma, meses depois, fiquei sabendo dela através da jornalista Monica Falcone. Marisa estava indo estudar em Veneza, passando uns tempos em casa de amigos e me contou que aqueles poucos meses em Roma tinham sido suficientes para ela entender que não seria feliz vivendo fora do Brasil, que para fazer carreira no mundo lírico tinha que viver no exterior, que tinha achado uma chatice acadêmica a sua breve passagem por academias e professores italianos. Ia voltar para o Brasil. Mas no dia seguinte faria uma apresentação, um showzinho meio improvisado, num bar veneziano, acompanhada somente pelo violão do amigo Roberto Bortolucci, simpático dublê de músicos e cameriere, casado com uma Rosa brasileira, apaixonado pela MPB e sabedor de ritmos e harmonias das principais canções de Chico, Caetano, Milton, Gil, etc.“.
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2. Mais (1991)
Produção de Arto Lindsay, Mais mostra tudo o que Marisa Monte poderia fazer em estúdio, tendo ela já provado o quão grande poderia ser em lugares mais difíceis: os palcos. Das 12 faixas do álbum, uma é um arranjo da cantora para Borboleta, do folclore nordestino, e outras três são versões da cantora para De Noite na Cama (Caetano Veloso), Rosa (Pixinguinha e Otávio de Souza) e Ensaboa (Cartola e Monsueto), esta, trazendo variações de outras canções em sua constituição, a saber, Marinheiro Só, Lamento da Lavadeira, A Felicidade e Colonial Mentality. Com o sucesso do primeiro disco, não demorou para Mais ganhar destaque e colocar Marisa Monte na lista de grandes vozes conhecidas do país, isso sem contar o sucesso de crítica que seu segundo trabalho angariou.
Na abertura temos Beija Eu (Marisa, Arnaldo Antunes e Arto Lindsay), uma das faixas mais conhecidas de seu repertório, que dá lugar a outra faixa de Antunes, Volte Para o Seu Lar. Na terceira faixa, Ainda Lembro (Marisa e Nando Reis), um dos singles do projeto, onde temos a participação de Ed Motta e mais uma demonstração de como a voz de Marisa poderia se adequar aos mais diversos parceiros e ainda soar orgânica e suave. Aqui, a mistura de faixas mais pop com outras mais fora do circuito comercial dá a cara variada do projeto e mantém a fama de pluralidade que a cantora já tinha ganhado antes mesmo de entrar no estúdio, dadas as suas amplas escolhas nas apresentações ao vivo.
A terna e curtinha Eu Não Sou da Sua Rua (Branco Mello, Arnaldo Antunes) marca a linha dos covers na segunda parte do disco, que retorna às inéditas com composições de Marisa e Nando. A inteligente e nada comum Diariamente (Nando Reis) ganhou um destaque inesperado até para a cantora. Eu Sei (Na Mira) é a única composição solo de Marisa aqui e alinha o desabafo de seu eu-lírico na letra com um arranjo musical que permite uma venda fácil da canção; não é à toa que entrou para a trilha sonora da novela O Dono do Mundo e esteve também entre os singles do disco. Tudo Pela Metade e Mustaphá, ambas de Marisa e Nando, encerram esse segundo disco com tons e mensagens bem diferentes, alcançando distintos gostos na despedida.
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3. Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão (1994)
Lançado em 1º de agosto de 1994, com produção de Arto Lindsay da própria Marisa Monte, Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão é considerado como o firmamento da maturidade da cantora. Muita influência musical — pelos encontros que tinha naquele momento, em shows e em participações de álbuns de outros artistas — e novas parcerias que marcariam fortemente sua carreira daqui para frente se estruturam nesse disco, que é aberto com uma música de Carlinhos Brown, Maria de Verdade, representando todas as mulheres do Brasil. Ele volta em co-autoria na faixa seguinte, Na Estrada, ao lado de Marisa e Nando Reis (entrando para a trilha da novela Vira Lata). Nando também assina a simpática Ao Meu Redor. O tema nordestino volta à voz da cantora em letra, percussão e vocais com a ótima e experimental Segue o Seco, também de Carlinhos Brown (percussionista na faixa), que pediu a Marisa que gravasse essa canção de tema muito importante, algo que precisava ser cantado por alguém que já tivesse peso no mercado e pudesse espalhar a forte mensagem que trazia. O clipe da faixa foi um sucesso na MTV, ganhando diversos prêmios.
Como o título do disco sugere, existe aqui uma junção de diversas riquezas naturais do Brasil, fechando com o “rosa e carvão” que simbolizam as pessoas. Nesse âmbito, algumas faixas mais pessoais foram escolhidas a dedo para falarem com os indivíduos, mesmo que de forma mais comercial, como é o caso da versão de Marisa para Pale Blue Eyes, de Lou Reed e a fantástica Dança da Solidão, de Paulinho da Viola, que conta com a participação de Gilberto Gil ao violão. O excelente samba meio seresta de Arnaldo Antunes, intitulado De Mais Ninguém, também aparece com participação especial no disco, do conjunto Época de Ouro. Na sequência, uma revisão de Marisa para uma faixa de Arnaldo que ela já tinha gravado no álbum de estreia do amigo, Nome, de 1993.
Na reta final temos O Céu (Marisa e Nando) e Bem Leve (Marisa e Arnaldo), duas parcerias muito diferentes, mas que confirmam o tom de variação do disco, seguidas de Balança Pema, de Jorge Ben, gravada originalmente no álbum Samba Esquema Novo (1963), a estreia do cantor. Encerrando o projeto, temos Enquanto Isso, uma “brincadeira de fusos-horários” composta por Marisa e Nando (que conta com participação de Laurie Anderson) e Esta Melodia, de Bubu da Portela e Jamelão, com participação da Velha Guarda da Portela, encerrando Verde, Anil, Amarelo, Cor-de-Rosa e Carvão com chave de ouro.
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4. Barulhinho Bom – Uma Viagem Musical (1996)
Produzido por Carlinhos Brown, Arto Lindsay e Marisa Monte, Barulhinho Bom foi lançado como um disco duplo, sendo o primeiro inteiramente ao vivo (com 10 faixas gravadas em shows no Recife e no Rio de Janeiro) e o segundo, com sete canções inteiramente em estúdio — é sobre essa parte da obra que comento e avalio aqui. Sobre esse momento de gravação e as surpresas que ele trouxe, Marisa comentou: “Eu pensava gravar três ou quatros músicas, mas adoro estúdio e acabamos fazendo estas sete. Carlinhos Brown, de quem eu pretendia gravar ‘Magamalabares’, chegou em Nova York com as outras duas músicas, ‘Maraçá’ e ‘Arrepio’. Ele não tinha levado instrumento algum além do violão, e fez as bases rítmicas com objetos que encontrou no estúdio, como caixas de papelão, de madeira e o próprio corpo.“.
Mais uma vez, a parceria com Carlinhos Brown se destaca no álbum, com três inéditas dele gravadas nesse projeto, a primeira do álbum, Arrepio — faixa com nuances experimentais — e as disparadamente melhores faixas do tal barulhinho, Magamalabares e Maraçá. Aqui, ainda contamos com a musicalização de um trecho do poema Blanco, do mexicano Octavio Paz, traduzido por Haroldo de Campos e versões para composições de Moraes Moreira (Chuva no Brejo), Gilberto Gil (Cérebro Eletrônico) e Lulu Santos (Tempos Modernos). A parte em estúdio de Barulhinho Bom é curta, com 18 minutos de duração, mas constitui um bom trabalho de Marisa Monte, que mesmo não sendo impecável, pela abertura e finalização soltas em relação ao todo (que também sofre de uma certa falta de unidade na escolha e ligação entre as canções) garante uma ótima audição, como sempre, em se tratando dessa artista.
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5. Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000)
Produzido por Arto Lindsay e Marisa Monte e gravado nas cidades de Salvador, Rio de Janeiro e Nova York, Memórias, Crônicas e Declarações de Amor se tornou um marco para a carreira de Marisa, ganhando o status de disco mais vendido de sua carreira, com duas indicações ao Grammy Latino (edição de 2001), tendo vencido na categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo Brasileiro, na qual concorria com Zeca Baleiro (Líricas), Pedro Mariano (Voz no Ouvido), Ivete Sangalo (Beat Beleza) e Herbert Vianna (O Som do Sim). Das 13 faixas do disco, 5 são revisões da cantora para canções de outros artistas, todas com arranjos que cabem bem à proposta dos muitos tipos de amor e sentimentos apaixonados que o álbum propõe musicalizar. As não inéditas são O Que Me Importa, de José de Ribamar Cury Heluy, gravada pela cantora Adriana, em 1972; a excelente e minha favorita do disco, Para Ver As Meninas de Paulinho da Viola; Cinco Minutos, de Jorge Ben; Gotas de Luar, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito; e Sou Seu Sabiá, de Caetano Veloso.
A produção de Memórias se parece, em exigências musicais e instrumentais, com a de Verde Anil, mas com uma presença maior de cações pop. Para alguns ouvintes e críticos isso de certa forma “minimiza” o álbum, mas basta ouvir o que foi entregue aqui para notar que sua versão de canções pop ou variedade de gêneros musicais são de alta qualidade, não sinônimos de “preguiça” ou “música rasa”. Na abertura, temos Amor I Love You, de Marisa e Carlinhos Brown, com Arnaldo Antunes lendo um trecho do livro O Primo Basílio, de Eça de Queirós. Não vá Embora, de Marisa e Arnaldo e Não é Fácil, de Trib, que formam uma dobradinha mais animada (dentro do possível, já que a melancolia é um dos elementos que perpassam todas as faixas aqui e, para ser sincero, a maior parte da discografia de Marisa Monte) para dar espaço à tocante Perdão Você (Carlinhos e Alain Tavares), Tema de Amor (Marisa e Carlinhos) e a curiosa Abololô (Marisa e Lucas Santtana).
Gentileza, de Marisa, é uma homenagem ao Profeta Gentileza, sobre a qual a cantora comentou em entrevista: “Uma vez, estava passando pela área do Cais do Porto aqui no Rio com meu amigo Carlinhos Brown. Como ele não é do Rio, eu quis mostrar pra ele algo especial da minha cidade que eu sabia que ele ia gostar. Foi quando eu procurei nos pilares do Viaduto do Caju, os escritos do Gentileza, figura que me fascinava e que eu conhecia desde a infância. Qual não foi minha decepção quando vi que eles haviam sido apagados pela Companhia de Limpeza Urbana do Rio. Fiquei desolada pensando nos inúmeros significados desse ato numa metrópole como o Rio. O legado do Profeta Gentileza havia desaparecido pra sempre. Na mesma noite, compus “Gentileza”. “Apagaram tudo, pintaram tudo de cinza…” Minha voz se uniu a muitas outras e, hoje, graças ao trabalho do Prof. Leonardo Gelman da ONG Rio Com Gentileza, a obra do Profeta está linda, restaurada e faz parte do inventário afetivo da cidade. Quem não for do Rio e vier visitar, não deixe de conhecer. Gentileza gera gentileza“. A última inédita do álbum é Água Também é Mar, um lindo chorinho marítimo de Trib, seguindo-se então as derradeiras faixas do projeto, as já citadas Gotas de Luar e Sou Seu Sabiá, que encerram o projeto com uma nota de carinho e aconchego imensas.
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6. Infinito Particular (2006)
Produzido por Alê Siqueira e Marisa Monte, Infinito Particular foi lançado no dia 10 de março de 2006, no mesmo dia que Universo ao Meu Redor, estreando em primeiro lugar na lista de discos mais vendidos do Brasil, uma marca que já não era uma novidade para a cantora. A novidade aqui foi um disco completo de inéditas e inteiramente composto pela cantora em parceria com antigos nomes de sua jornada musical + alguns novos. Neste disco, que o título já indica como uma jornada íntima, temos uma caminhada diferente da produção dos álbuns anteriores, sobre a qual a própria cantora escreveu a respeito: “Comecei nos palcos. Toda a minha trajetória se fez através do contato direto com o público, nas apresentações ao vivo. Em quinze anos de carreira gravei muito pouco, por causa das longas turnês que sempre acabavam gerando um espaço muito grande entre os discos. Cinco discos em quinze anos, sem contar os que produzi e o dos Tribalistas. Em 2001 terminei a turnê de Memórias Crônicas, depois de quase dois anos de estrada, decidida a ficar em casa por um tempo. Aproveitei para produzir o disco do Argemiro e logo a seguir mergulhei no projeto dos Tribalistas com Carlinhos e Arnaldo. Um projeto só de estúdio. Adoro e sempre adorei estúdio. Gravamos todo o disco no Rio, em treze dias. Uma música por dia. Engravidei durante as gravações. O disco saiu no mês do nascimento do meu primeiro filho. Durante os meses que se seguiram tive a chance de ficar mais tempo em casa. Aproveitei a oportunidade para fazer várias coisas que seriam impossíveis viajando e, sem saber, algumas delas acabaram se tornando o embrião desses discos de agora“.
Na aventura temos uma trinca excelente representada por Infinito Particular (Trib), a icônica Vilarejo (Trib e Pedro Baby) e Pra Ser Sincero (Carlinhos e Marisa). Uma guinada para algo de experiências diferentes acontece em Levante (Trib e Seu Jorge), que também guarda semelhanças de ideal musical — com toada que abraça mais a canção — com A Primeira Pedra (Trib) e se fecha com a realmente experimental Pernambucobucolismo (Monte e Rodrigo Campello). Nesse miolo, temos a deliciosa Aquela (Marisa e Leonardo Reis) a “canção de ninar” O Rio (Seu Jorge e Trib) e a curiosa Gerânio (Nando Reis, Marisa e Jennifer Gomes). A melancolia volta um pouco com Quem Foi (Marisa e Marcelo Yuka) e se coloca de maneiras diferentes na trinca que encerra o disco, a ótima Aconteceu (Arnaldo e Marisa), com Até Parece (Dadi e Trib) e a quase noturna — ou seria de quase raiar do dia? — Pelo Tempo que Durar, de Marisa com Adriana Calcanhotto. Como a própria cantora afirmou, essas faixas foram escolhidas dentre obras que ela tinha prontas — ou que estavam inacabadas — e que juntas causam um certo desiquilíbrio de ideia central para o disco entre a sua primeira e a sua segunda parte. São todas faixas muito boas, mas que não se unem de modo realmente orgânico, mesmo levando em conta que sejam “salas” do infinito particular da cantora.
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7. Universo ao Meu Redor (2006)
Lançado simultaneamente a Infinito Particular, em março de 2006, Universo ao Meu Redor teve Marisa Monte e Mario Caldato como produtores e se carateriza como “um disco de raízes, reencontros e retornos” e ganhou o Grammy Latino na categoria de Melhor Álbum de Samba, Melhor Cantora Samba e Melhor Cantora Voto Popular. Ao comentar a gênese do disco, Marisa explicou: “Eu sabia, através do meu contato com o samba carioca e, principalmente, pelo convívio com a Velha Guarda da Portela e pelo trabalho de pesquisa para o disco deles em 99, que havia um repertório incrível, presente apenas na tradição oral, que estava se perdendo pouco a pouco. A curiosidade me fez querer saber mais sobre isso, ampliando o conhecimento para além dos limites da Portela. Comecei a fazer uma série de encontros e entrevistas, orientada por conversas com Monarco, Paulinho da Viola, D. Yvonne Lara e meu pai, entre outros. Ouvi compositores, parentes e parceiros de sambistas antigos em busca não somente da obra deles, como também das referências criativas; da gênese do samba feito por eles. E os sambas de Jaime Silva, Argemiro, Dona Yvonne, Casemiro, Moraes e Galvão, alguns com mais de cinquenta anos, uniram-se à produção contemporânea da Adriana, do Paulinho, do Arnaldo, do Carlinhos e minha, no repertório de “O Universo ao Meu Redor”, esse meu disco focado mais do que no samba, eu diria, na atmosfera do samba, com seus assuntos mais freqüentes — o amor, a natureza, a própria música, a condição humana, o canto dos passarinhos, o quintal, o convívio através da arte…“
Das não inéditas aqui temos Meu Canário (Jayme Silva), Três Letrinhas (Luís Galvão, Moraes Moreira), Perdoa, Meu Amor (Casemiro Vieira), Lágrimas e Tormentos (Argemiro Patrocínio), Para Mais Ninguém (Paulinho da Viola), Vai Saber? (Adriana Calcanhotto — na verdade, na época em que Marisa gravou, era inédita, já que esta canção só iria ser gravada por Adriana em seu álbum O Micróbio do Samba, de 2011) e Pétalas Esquecidas (Teresa Batista, Dona Yvonne Lara). Mescladas às composições pessoais, essas faixas se enquadram bem na ideia geral de “um disco de samba e um pouco mais”, questão de visão musical sobre a qual a cantora também falou a respeito: “Para produzir comigo, convidei o Mario Caldato, com quem sempre tive vontade de trabalhar e que ficou responsável por pilotar a personalidade sonora do disco. Ao mesmo tempo em que eu mantinha a freqüência desses encontros em torno do samba, comecei a digitalizar todo o meu acervo de fitas cassete. O intuito do trabalho era salvar os registros do processo de composição. Quinze anos de músicas sendo feitas. Algumas terminadas, outras abandonadas. Várias dessas que todo mundo conhece, na nascente. Cadernos de rascunhos sonoros. Quase cem fitas, todas ouvidas, decupadas, mapeadas por mim“.
As composições mais antigas do disco (concebidas para outros projetos, mas não utilizadas) são de 2003, a saber, O Bonde do Dom e Satisfeito (Trib). Já as composições de 2004 são Quatro Paredes (Marisa, Arnaldo, Cézar Mendes), Cantinho Esquecido (Trib e Cézar Mendes) e as compostas diretamente para o projeto, Universo ao Meu Redor (faixa de abertura, de Trib), Statue of Liberty de Marisa, David Byrne e Fernandinho Beat Box (que faz uma participação especial na faixa) e A Alma e A Matéria, também de Trib. Universo ao Meu Redor é um disco que dividiu bastante as opiniões. Muito se falou mal de Marisa ter convidado os antigos parceiros Tribalistas para compor faixas (ou usar composições anteriores) e que o disco deveria ser um espelho da Velha Guarda da Portela. Bobagem. O álbum tem sim incongruências e momentos que não avançam muito, mas é um ótimo disco. Afinal de contas, um gênero musical não é um critério de exclusão, onde só um grupo de pessoas pode participar, ainda mais o samba…
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8. O Que Você Quer Saber de Verdade (2011)
Uma característica levemente observada na dobradinha Infinito Particular/Universo ao Meu Redor — que é o fato de uma parte do disco ser muito boa e a passagem das faixas dar lugar a composições pouco ou menos inspiradas — se mostra mais fortemente aqui em O Que Você Quer saber de Verdade, disco de 2011 produzido por Marisa Monte e Dadi. Aqui, das 14 faixas do álbum, temos 5 não inéditas, a saber O Que Você Saber de Verdade (de Trib, gravada por Arnaldo em seu disco Qualquer, de 2006), Ainda Bem (composição de Marisa e Arnaldo gravada pela cantora italiana Mina, em seu disco Piccolino, de 2011), Descalço no Parque (de Jorge Ben, gravada em seu disco Ben É Samba Bom, de 1964), Verdade, Uma Ilusão de (de Trib, gravada — em um arranjo muito mais legal — por Carlinhos Brown em seu álbum Diminuto, de 2010, com participação dos Paralamas) e uma versão em português do tango El Panuelito, que virou Lencinho Querido.
Sobre o disco, Marisa comentou, falando do fim da turnê de seu prévio lançamento duplo e o engajamento para realizar O Que Você Quer Saber de Verdade: “Quando terminou a turnê eu entrei num momento de silêncio, sabe? De esvaziamento mesmo. Eu já tinha algumas dessas músicas feitas, prontas ou começadas durante a turnê, mas eu precisava ficar um tempo em casa, precisava desse tempo de vida, normal, de cotidiano… Sem tanta interrupção, sem tanta descontinuidade, sem tanta adaptação a realidades diferentes… a cada dia um hotel, uma comida, um horário, um fuso, uma língua… Nesse momento, eu tive mais oportunidade de encontrar os parceiros, terminar as coisas já começadas, assistir aos shows dos outros e nutrir as relações que se transformaram nesse novo trabalho. Aí, eu fui fazendo as músicas. Na verdade, esse disco é uma seleção de algumas músicas que eu fiz nesses últimos três, quatros anos. Algumas até foram feitas durante o período de gravação do disco“.
Do grupo de inéditas, temos a triste — mas muitíssimo realista — Depois, seguida de Amar Alguém e da excelente O Que Se Quer, bela parceria de Marisa com Rodrigo Amarante. Nada Tudo, de André Carvalho, antecede a chateante Aquela Velha Canção (Carlinhos, Marisa), a pior faixa do disco, e é sucedida pela ótima Era Óbvio (Marisa e Arnaldo). Na tríade final do disco temos a engraçadinha mas completamente deslocada Hoje Eu Não Saio Não (Arnaldo, Marcelo Jeneci, Betão, Chico Salem); a de bom gingado, mas majoritariamente insossa Seja Feliz e a que termina o disco de maneira pacífica e nada marcante: Bem Aqui. Com uma primeira metade muito forte e uma segunda metade com poucos bons momentos, O Que Você Quer Saber de Verdade nos deixa esperando por mais ousadia e por uma concepção mais orgânica da mensagem do disco. É um bom projeto, mas infelizmente atrapalhado por algumas faixas.
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9. Portas (2021)
A crítica para este disco, o grande retorno de Marisa Monte após tantos anos sem lançar um disco solo, foi feita de forma separada pelo Kevin Rick, e pode ser lida na íntegra clicando aqui.
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NOTA: O disco Coleção (lançado em abril de 2016), é, como o próprio nome diz, uma coletânea musical de Marisa Monte gravada para diferentes outros projetos pessoais, em outros discos de amigos ou em eventos como o ITunes Live from São Paulo. Não é um projeto de estúdio, pensado como um álbum da forma como os oito acima foram, por isso ficou de fora da abordagem, mas vale aqui a nota a respeito dele porque é um projeto bastante interessante, com revisões, arranjos e parcerias que de fato chamam a nossa atenção. Não é uma coletânea comum.
RANKING + CANÇÕES FAVORITAS |
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Álbum |
Faixa Favorita |
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9º | O Que Você Quer Saber… | O Que se Quer |
8º | Infinito Particular | Vilarejo |
7º | Universo ao Meu Redor | O Bonde do Dom |
6º | Barulhinho Bom | Maraçá |
5º | Portas | A Língua dos Animais |
4º | MM | Bem Que Se Quis |
3º | Mais | Diariamente |
2º | Memórias, Crônicas e… | Para Ver as Meninas |
1º | Verde, Anil, Amarelo… | De Mais Ninguém |