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Entenda Melhor | Literatura e Pintura: Moby Dick, Pollock e o Expressionismo Abstrato

O romance de Herman Melville traduzido para o Expressionismo Abstrato de Jason Pollock.

por Leonardo Campos
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As pinturas estão por todos os lados, mesmo em nossa atual era das telas tecnológicas. Muito além das molduras em museus, encontramos esta modalidade da arte em livros, topos de reportagens e críticas de cinema, postagens nas redes sociais, exames do vestibular ou de concursos, nas peças publicitárias, bem como em camisetas, dentre tantos suportes. Diante deste panorama de expressões visuais, precisamos compreender se existe alguma chave de interpretação para estas imagens. Aqui, caro leitor, ofereço um caminho de análise, sem querer estabelecer estratégias estanques, mas mecanismos para que possamos observá-las e, dentro dos engendramentos cognitivos de cada um, permitir que possamos nos tornar pessoas que conseguem observar o que nos é exposto com criticidade, característica fundamental para o pleno exercício da cidadania, perpassando pelos códigos espalhados em nossa sociedade, entendendo melhor tudo aquilo que gravita ao nosso redor. Num mundo de múltiplos elementos simbólicos a estampar os nossos caminhos, ler e refletir é um instrumento de prestígio. Vamos nessa?
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Mas, Afinal, Como Ler e Interpretar Uma Pintura?

No livro O Canto das Sereias no Cinema e na Literatura, publicação de minha autoria pela Vedas Edições, em 2022, apontei que as pinturas não são parte exclusiva dos museus ou livros de História e Literatura. Como mencionado na abertura desta reflexão, há releituras no campo da Publicidade e da Propaganda, bem como do Jornalismo, do Cinema e de outras áreas midiáticas da sociedade, algo que permite um intenso fluxo de circulação destas obras, peças que se encontravam com acesso exclusivo para as elites econômicas, geralmente produzidas por meio de encomendas. Diante das intensas transformações sociais, noutra época, as pinturas foram impactadas pelas revoluções tecnológicas e, na vertiginosa dinâmica da era industrial, as obras de arte adentraram na era da reprodutibilidade técnica, termo cunhado pelo filósofo alemão Walter Benjamin. Antes de continuarmos, pare e reflita: caso eu esteja diante de uma pintura, quais pontos será preciso observar? Do que trata a obra em questão? É um recorte de um momento específico da história? É a representação de um nobre ou de um rito religioso? Uma passagem literária? Em meio aos questionamentos, você avançara em sua interpretação.

Para melhor pavimentar a nossa caminhada, observe este infográfico. Voltamos mais adiante:

Literatura e Pintura: Jason Pollock e Sua Tradução de Moby Dick

Das traduções intersemióticas de Moby Dick, romance de Herman Melville, para o campo da pintura, selecionei Blue, de 1943, criação de Jason Pollock, um dos grandes nomes da história da arte moderna, artista que travou uma batalha ferrenha contra o alcoolismo e, infelizmente, morreu após um acidente de carro, aos 44 anos. Conhecido por uma técnica chamada dripping (gotejamento). Em 1936, Pollock observou esta técnica com um artista mexicano, se tornando um ponto importante da pintura de ação. Ele era uma figura que subvertia a ideia do pintor contemplativo, aquele que utiliza o cavalete e fica diante do quadro a pintar romanticamente sua tela. Gotejada ou atirada na superfície a ser transformada em arte, a tinta ganhou outros contornos deste homem que impunha em sua composição, gestos espontâneos, liberdade de improvisação, em linhas gerais, um trabalho corporal intenso. Segundo os historiadores da arte, Pollock é um nome que representa traços do expressionismo abstrato. 

A intuição e o inconsciente estiveram atrelados no modo de operação de Jason Pollock, um representante da criação artística por meio da forte presença do corpo, da espontaneidade e do gesto explosivo. Os seus signos prologam o seu status interior, com obras que geralmente não são planas, conhecidas pela criação de uma superfície entre a tela e a pintura gotejada. É a arte sendo criada antes mesmo do limite a ser representado ter passado por alguma definição. Marco de uma nova expressividade da espacialidade na pintura, Jason Pollock passou por processos terapêuticos e teve conexões com a psicanálise de Carl Jung, trazendo alguns conceitos deste campo para a sua produção artística. No geral, os pingos que respingavam na tela escorriam e formavam traços que se entrelaçavam na superfície a ser pintada e, deste momento em diante, a elaboração se estabelecia. Em suma, um artista peculiar, tal como a sua criação de 1943, Blue, não só inspirada, mas também intitulada como Moby Dick, referência ao romance de Melville.

Não se sabe ao certo de Jason Pollock leu o livro, já que de acordo com os seus biógrafos, o artista não era um leito exímio. Há, no entanto, a presença do pintor em círculos sociais integrados por muitas pessoas que debatiam Moby Dick. Publicado em 1851, o romance de Melville não gozou dos privilégios de ser uma obra devidamente compreendida, pois a crítica e os leitores ansiavam por mais uma aventura marinha, sem as complexidades apresentadas pela trajetória de Ismael, Capitão Ahab e a caça ao cetáceo que nomeia o livro. Retomada no século seguinte e lida em associação com o existencialismo de Sartre, dentre outras correntes da época, o romance ganhou visibilidade e até hoje é tema para debates, reinterpretações e traduções para outros suportes semióticos. O que podemos inferir é o seguinte: Pollock e Melville compartilharam questões existenciais agudas. Ambos retrataram, em suas composições, paranoias, violência, melancolia e situações trágicas, mergulhados nas profundezas ocultas de seus inconscientes.

Tanto em Moby Dick livro quanto em sua tradução para pintura, nos encontramos diante do caudaloso ritmo das profundezas oceânicas, turbulenta, misteriosa e repleta de desafios. No caso da tela, há peixes, mas nenhuma baleia óbvia, o que torna a composição artística ainda mais audaciosa. A baleia cachalote branca e furiosa, provavelmente, está ali, mergulhada e latente, pronta para submergir. Blue é uma pintura sem ponto focal idealizado na obviedade. O azul é a cor predominante, tendo ainda inserção de preto, amarelo, laranja e branco. Os símbolos e formas espalhados pelo espaço da tela parecem organizados estrategicamente, numa produção que nos dá impressão de estarmos no mar, haja vista a movimentação dos mencionados elementos simbólicos. Diante das múltiplas possibilidades interpretativas, a reflexão se encerra por aqui e deixa um questionamento: você, caro leitor, consegue ampliar os seus horizontes interpretativos e ofertar outros olhares não contemplados por aqui?

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