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Entenda Melhor | Impacto Cultural e Metacrítica de Sex and The City

O impacto cultural de Sex and The City no âmbito da crítica acadêmica.

por Leonardo Campos
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Dentre as tantas atribuições da crítica cultural, temos a sua missão de analisar, catalogar, comparar, hierarquizar, refletir, traçar dados cronológicos, etc. São muitas as possibilidades e não é recente a posição dos críticos no âmbito da metacrítica, isto é, a análise não apenas dos produtos culturais lançados na sociedade, mas também de suas críticas, num processo de alimentação e retroalimentação da intelectualidade que permite aos textos não apresentarem apenas os seus respectivos pontos de vista sobre algo, mas também serem rebatidos, repensados e colocados como tema para discussões de diversos tipos e em variados suportes. Sendo estas algumas das tarefas da crítica, proponho aqui uma investigação com interesse na metacrítica dos desdobramentos de Sex and The City especificamente no âmbito acadêmico. Dentre as principais palavras-chave, temos amor romântico, moda e consumo, pós-feminismo, cultura da mídia e identidade, dentre outras, tópicos que embasam estudos significativos sobre esta série iniciada em 1998, finalizada em 2004, transformada em dois filmes entre 2008 e 2010, além de inspirar outros programas, tais como Selva de Batom e o brasileiro Sexo e as Negas, além de ter ganhado o derivado Os Diários de Carrie, focado na juventude da protagonista, e o revival And Just Like That: Um Novo Capítulo de Sex and The City. Vamos nessa?

Em julho de 2007, o artigo Imaginário e Cotidiano Feminino em Sex and The City, da pesquisadora Márcia Rejane Messa foi lançado, uma reflexão sobre imaginário e cotidiano feminino, a partir da desconstrução de Miranda Hobbes, interpretada pela atriz Cynthia Nixon. Cínica e pessimista no âmbito dos relacionamentos, a advogada em questão é considerada a melhor personagem do seriado para se discutir tópicos temáticos sobre a mulher solteira, supostamente realista e bem-sucedida. A contrapartida da análise é o final de sua trajetória, na sexta temporada, “domesticada” pelo sistema tradicional, responsável por fazer a personagem perpetuar padrões que antes criticava. Como a maioria dos artigos sobre a série, a autora explora as definições básicas sobre o estilo sitcom, abreviatura da expressão situation comedy, algo que podemos traduzir por comédia de situação, um tipo de narrativa circular e dinâmica que explora estereótipos para estabelecer relações mais imediatas com os espectadores e desenvolver os seus conflitos. Em linhas gerais, Miranda Hobbes é apontada como a voz da razão em Sex and The City, realista, com bom-senso e sem utopias, alguém que pode ser um objeto de estudo embasado nos oito postulados do filósofo Gilles Deleuze em A Imagem do Pensamento.

No ano anterior, a mesma autora defendeu a sua tese As Mulheres Só Querem Ser Salvas: Sex and The City e o Pós-Feminismo no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Católica do Rio Grande do Sul, num texto bastante interessante, coeso e fluente, mas que traz algumas passagens de autoplágio com o artigo analisado no parágrafo anterior, trechos inteiros não reescritos, mas acoplados para assegurar uma publicação nova. Isso, no entanto, não depõe contra o seu investimento intelectual, pertinência temática e qualidade na escrita de sua tese que assume, logo no começo, o grau de envolvimento da pesquisadora com o seu objeto, algo que não a impediu, por sua vez, de se distanciar para analisar criticamente aquilo a que ela se propôs a fazer. Depois de pavimentar a teoria na caminhada textual, a autora expõe a sua análise de alguns dos episódios de Sex and The City e fala sobre recepção, comportamento, sexo, consumo, delineando seu lugar de fala, investigando os processos de identificação com um grupo de mulheres para compreender os elementos da produção que asseguravam este envolvimento com as espectadoras entrevistadas. No geral, um trabalho sobre como a série representou a mulher contemporânea em sua malha ficcional, tendo Douglas Kellner e Stuart Hall como dois importantes referenciais sobre Cultura da Mídia e Identidade, respectivamente, feixes teóricos importantes para pensar o universo de Sex and The City. Ademais, a tese utiliza a teoria de Richard Johnson sobre circuitos de produção, circulação e consumo de produtos culturais, autor que infelizmente não é citado nas referências.

O pesquisador Michel Euclides Bruschi reflete sobre o episódio piloto da série no artigo Os Mundos Possíveis do Amor em Sex and The City, a comentar logo no início sobre como a literatura se tornou um campo inesgotável de estudo para a Filosofia, Psicologia e Antropologia Sociológica. Por esta característica narrativa, outros produtos da mídia também compartilham desta possibilidade, como é o caso da estrutura episódica televisiva do programa, analisado no texto que traz Umberto Eco e o clássico Seis Passeios Pelos Bosques da Ficção. No geral, o artigo aponta que sabemos que a série traz as suas situações por meio de uma perspectiva ficcional, mas que nos impulsiona a pensar naquilo que consideramos real, assim, o universo de Sex and The City não termina com a história, mas se estende indefinidamente. Aqui, o principal conceito utilizado pelo autor é a Virada Narrativa, teoria que destaca o caráter sensível das narrativas como variável da realidade humana, conteúdo que nos permite compreender as transformações e reconstruções constantes da humanidade. Ademais, narrativas são modelos do mundo e servem, como neste caso, para estudar o tema central da série: o amor romântico.

Numa revista especializada em comunicação da USP, o pesquisador Roberto Ramos publicou, em 2010, o artigo Sex and The City: O Protagonismo Feminino na Pós-Modernidade, análise interessantíssima do primeiro filme deste universo, tendo Edgar Morin e Roland Barthes como pontos teóricos referenciais. Inicialmente, o autor estabelece informações básicas da produção, explicando para o leitor a origem da série, lançada em 1998, juntamente com algumas observações sobre as personagens e seus perfis físicos, sociais e psicológicos. Para Ramos, o quarteto é um conjunto de figuras ficcionais conceituais, pois simbolizam determinadas ideias e configuram conceitos sobre o que é a vida e o viver cotidiano. O amor e o consumo, segundo o seu ponto de vista, são lugares antagônicos na trama, dissociados, pois parece não haver possibilidade de ter os dois, mas apenas um ou outro, numa busca contínua por algo que “sempre falta”, delineada numa citação psicanalítica de Freud sobre o Desejo. Excludentes, o amor e o consumo convivem em desequilíbrio e, quando se encontram, se descolam. Ademais, num painel de reflexões mais interessantes que o filme em si, o autor observa o quão o casamento entre Carrie Bradshaw e Mr. Big naufraga ao deixar de ser um evento de prazer, convertendo-se num acontecimento bastante impessoal, integrando até mesmo uma capa da revista Vogue, passagem que reforça a superficialidade das relações num espetáculo cheio de desconhecidos. Assim, ganha valor de troca, rótulo, como um produto massificado cotado mercadologicamente.

Ainda em 2010, a pesquisadora Marieli Machado desenvolveu o trabalho de conclusão de curso intitulado Mulheres Sex and The City: Um Estudo Sobre a Relação Entre o Seriado, a Moda e a Mulher Contemporânea, produção intelectual para o curso de Publicidade e Propaganda da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ao longo do trabalho, contemplamos dados coletados por meio de entrevistas com mulheres brasileiras espectadoras de Sex and The City, pessoas entre 22 e 30 anos, a maioria solteira. No desenvolvimento, há uma abordagem sobre como o programa é relevante para processos de identificação envolvendo a mulher contemporânea, em especial, no quesito moda. A proposta do trabalho era observar como o seriado não apenas trazia relações com estas espectadoras, mas também demonstrar a maneira com que essas pessoas implantavam a ficção em seus respectivos cotidianos. A busca por entender como o público interage com as mensagens provenientes de produtos midiáticos é o ponto nevrálgico desta produção que ainda passeia pela maneira como a Publicidade e Propaganda instiga marcas, além de analisar o Estado da Arte de Sex and The City, o papel importante de Nova Iorque como cidade temática da série, os figurinos utilizados pelas personagens em consonância com suas necessidades dramáticas e perfis, tendo Stuart Hall e Gilles Lipovetsky como dois teóricos pontuais para a fundamentação da pesquisa.

Neste mesmo ano, no Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, realizado em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, os pesquisadores Camilla Valle e Rafael José apresentaram o artigo Malboro and The City: A Influência da Marca Malboro na Narrativa do Seriado Sex and The City. A pesquisa exploratória e a qualitativa foram os direcionamentos metodológicos da análise empreendida pela dupla que focou numa observação do merchandising eletrônico (ou tie-in), recurso do terreno da Publicidade e Propaganda que insere marcas e produtos em filmes, séries e novelas. Neste caso, temos a famosa marca de cigarros estadunidenses, um produto que enfrentou as proibições de seus anúncios nas mídias tradicionais depois que os cigarros deixaram de ser exclusivamente “elegante”, de “glamour”, algo comum no cinema clássico hollywoodiano, para ser um material declaradamente nocivo, informação divulgada não apenas em periódicos, mas em seus próprios maços. Objetivo e dinâmico, o texto destaca o uso simples do produto ou o estímulo visual em situações conflituosas de alguns episódios, ou então, as menções à marca, realizadas por anúncios em cenários por onde os personagens passavam ou nas colocações da protagonista fumante sobre os cigarros que consumia cotidianamente.

Publicado em 2011, o artigo A Imagem Feminina em Sex and The City: Uma Análise de Transitividade da Narração, assinado pelo pesquisador Fábio Alexandre Silva Bezerra, analisa a série e detalhes do protagonismo de Carrie Bradshaw, numa observação de escolhas lexicogramaticais que revelam questões sobre identidades de gênero nos diálogos de episódios específicos do programa. Primeiramente, o autor passeia por questões sobre o conceito de gênero e seus desdobramentos teóricos, adentrando depois na questão da linguagem, numa avaliação das escolhas realizadas no uso de determinadas palavras, abordadas em contextos pontuais, tendo em vista compreender os sentidos destes conteúdos no estabelecimento dos temas expostos nas conversações entre os personagens. Este é um dos textos de maior complexidade no bojo da metacrítica de estudos acadêmicos realizados sobre Sex and The City, pois pede ao leitor o conhecimento sobre o terreno teórico em questão para melhor entender os direcionamentos do autor. Em linhas gerais, é um artigo sobre entendermos o caráter dinâmico da linguagem em seus momentos e lugares diferentes. Interessante, no entanto, muito cifrado.

Em 2013, Camila Rossi desenvolveu a dissertação de mestrado Moda e Elite em Sex and The City: Uma Semiótica da Distinção, situada na Universidade Católica de São Paulo. Em linhas gerais, o trabalho analisa os figurinos da série e aponta como é ilusória a ideia de inclusão de representações das mulheres sendo que não rompimento das barreiras de classe no bojo da moda, pois a sensação de pertencimento das roupas e acessórios dialoga com a Sociologia da Distinção, um conceito teórico que demonstra, em associação com o objeto da pesquisadora, o quão Sex and The City é elitista neste sentido. Tendo Gilles Lipovetsky como embasamento filosófico, a autora delineia as considerações deste teórico sobre a moda ser parte do império do efêmero, uma prática dos prazeres. Prazer de agradar, de surpreender, de ofuscar. Num breve, mas elucidativo panorama histórico sobre a história da moda e do consumo, a pesquisadora conta como as primeiras vitrines de Paris do final do século XVII estimularam as pessoas no que tange aos hábitos de sair para fazer compras, transformando assim a prática do consumo em algo prazeroso. Nesta dinâmica, gostos foram regulados, a ideia de exclusividade e refinamento foi estabelecida e o culto à individualidade e originalidade ganhou espaço no cotidiano, algo que podemos ver refletido nas personagens de Sex and The City, em especial, na protagonista Carrie Bradshaw, tanto na série quanto nos filmes derivados deste universo.

Um estudo mais recente pode ser contemplado em Sex and The City na Cultura LGBTQIA+: Representatividade e Identificação da Comunidade Com a Série e Suas Protagonistas, desenvolvido por quatro estudantes de Publicidade e Propaganda da Universidade Positivo: Igor Buzinari, Isabela Ivanoski, Ítalo Teixeira e Tallytta Moraes. Conteúdo publicado em 2021, este Trabalho de Conclusão de Curso traz uma abordagem interessante da série, geralmente analisada pelo viés do amor, consumo, moda, etc. Na análise, o quarteto observa como uma produção com protagonistas heterossexuais se envolviam em situações com pessoas integrantes da sigla em questão, geralmente representadas por meio de estereótipos hoje inconcebíveis, repensados ao passo que as nossas discussões cotidianas nas diversas mídias evoluíram. Depois de apresentar panoramicamente o conteúdo da série e as teorias sobre Movimento Feminista e Queer, os autores traçam um caminho que explicam a relação das pessoas LGBTQIA+ com a série: primeiro, a questão da solidão, depois, a associação com as amigas como novas formas de família, não necessariamente conectadas com o parentesco, algo muito comum na vida de homossexuais alijados de seus núcleos por preconceitos e afins. Além disso, Sex and The City tem o que os pesquisadores chamam de queer coding, isto é, o ato de inserção em diversas artes, de maneira sutil, sinais e referências ao universo LGBTQIA+, sem explicitar tais menções. Ademais, Darren Star e Michael Patrick King, dois nomes fundamentais neste mundo de personagens, são homossexuais assumidos publicamente.

Do mesmo ano, temos o trabalho de conclusão de curso A Mulher Moldada: Sex and The City e a construção de Estereótipos Femininos no Século XXI, de Juliana Truffi Barci, defendido no curso de Design de Moda, na Universidade do Sul de Santa Catarina. Na composição de sua pesquisa, a autora analisa a moda e o ato de se vestir como configurações da linguagem, utilitárias para o que mencionamos anteriormente em outra produção intelectual sobre a distinção social, expressividade da individualidade humana. A moda, neste processo, se tornou então um meio de comunicação de massa, parte integrante das mudanças estabelecidas pela massificação da sociedade. Ao transmitir as características das quatro personagens da série, os figurinos representam as suas particularidades, hábitos de consumo, classes sociais e outros elementos importantes para pensarmos a maneira na qual a indústria cultural caracteriza o cenário artístico na sociedade capitalista industrial e fornece subsídios para construção de identificações por parte dos espectadores, contribuindo também para a perpetuação de estereótipos de feminilidade no século XXI, refletindo os visuais vibrantes de Samantha Jones, a mescla de tons de Charlotte York, personagem que vai do clássico ao romântico, a forte preocupação de Carrie Bradshaw com a moda e a atualização e as apostas andrógenas e conservadoras de Miranda Hobbes, uma fidedigna representante do estereótipo de mulher trabalhadora e masculinizada.

Aqui, caro leitor, chegamos ao desfecho de nosso processo metacrítico. Você, por acaso, conhece algum outro trabalho relevante para nos indicar?

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