Home Colunas Entenda Melhor | Fantasmas, Assassinos e Monstros: O Horror Cibernético No Cinema

Entenda Melhor | Fantasmas, Assassinos e Monstros: O Horror Cibernético No Cinema

Um panorama dos filmes de terror situados na esfera virtual.

por Leonardo Campos
320 views

O surgimento da internet em nossas vidas abriu um amplo feixe de possibilidades comunicacionais e dinamismo nas relações econômicas e educacionais. Hoje podemos falar com qualquer amigo, familiar ou par amoroso que mora muito distante, sem gastar uma fortuna. Quem se lembra das ligações entre estados ou países? Era tão custoso que dificilmente as pessoas se ligavam, apenas em situações mais emergenciais ou quando se tinha programado para saber que a fatura da conta telefônica viria mais alta no mês seguinte. Filas enormes em bancos, atualmente, podem ser resolvidas apenas com o download de um aplicativo. Correr risco para levar um valor para pagar uma encomenda? Não é necessário, temos o PIX, o DOC e o TED. Um livro muito raro ou um artigo científico, antes lido apenas numa biblioteca com bom acervo agora podem ser encontrados em suas versões digitais na internet. É um universo de vantagens que todos nós já conhecemos, mas que considerei válido ressaltar aqui, afinal, tal como sabemos quando o tópico temático é a internet e seus desdobramentos, as desvantagens também são assustadoramente numerosas. E a ficção, sabiamente, soube retratar este lado da questão.

Então, caro leitor, é sobre isso e, ao menos nos filmes, nem sempre termina tudo bem. Ao passo que o ciberespaço, o que inclui a internet, os smartphones e seus aplicativos e redes sociais, em linhas gerais, tudo que está ligado ao processo de conexão, também permite a articulação de organizações criminosas, anônimos em suas extorsões sexuais, dentre outros. É um lugar que cinematograficamente permite um mundo de confusões nas comédias românticas, com identidades trocadas, emancipação de indivíduos tímidos, mas também é o ambiente onde habitam monstros reais e fantasmagóricos, onde exorcismos podem ser transmitidos e ao se tornarem virais, amaldiçoar um número maior de pessoas, um espaço potencialmente ideal para vídeos malditos do passado, em VHS, ganharem maior projeção quando convertidos para a cultura digital. É lá onde estão os nossos dados, informações valiosas quem podem definir os nossos destinos, como acontece com a personagem de Sandra Bullock em A Rede.

De cidadã circunspecta a criminosa procurada pelo FBI, o suspense nos apresenta uma figura ficcional perseguida e culpada por coisas que sequer cometeu. Tudo isso, por causa de uma invasão em seu computador, num filme lançado em 1995, uma época onde ainda não sabíamos exatamente os rumos da internet como temos noção hoje, isto é, um recurso integrante do nosso tecido social, indissociável das dinâmicas interpessoais contemporâneas, tão importante e facilitadora quanto perigosa e letal, ao menos para aqueles que não sabem se defender adequadamente neste espaço ou caiu numa terrível armadilha, mesmo com todos os cuidados. Ainda neste preâmbulo sobre cibercultura observado pelo viés do horror, não podemos deixar de mencionar a Deep Web, a parte debaixo da ponta do iceberg que é as zonas por onde navegamos enquanto estamos conectados, um lugar de rastreamento complexo, responsável por potencializar os nossos medos e gerar as famosas lendas urbanas sobre o território que na realidade, esconde pedófilos na ativa, estupradores, disseminadores de ideias racistas, invasores de sites, dentre outros perigosos criminosos.

Diante do exposto, caro leitor, chegou o momento de nosso texto onde faremos um passeio panorâmico por narrativas ficcionais que contempla o ciberespaço pela perspectiva do que é sombrio, nebuloso, sádico, em linhas gerais, apavorante. São produções que refletem, por meio de suas estruturas dramáticas e efeitos visuais e sonoros, os nossos maiores medos diante das incertezas que habitam a virtualidade. É um terreno complexo, onde encontrar o monstro e enfrenta-lo, diferentemente da relação entre antagonista e final girl de um slasher, por exemplo, pode não ser capaz de acontecer, haja vista a sua condição pantanosa e impalpável, com caminhos bem mais estreitos que os bosques por onde as vítimas em filmes de terror correm apavoradas em busca da salvação diante de uma ameaça. Nalgumas histórias, basta destruir a máquina, tal como faríamos com um amuleto ou talismã. Mas, nem sempre é fácil assim. Vejamos o caso de Samara Morgan, inicialmente num VHS, depois viral na internet.

Quando Gore Verbinski assinou a direção da refilmagem de O Chamado, em 2002, a menina do poço era uma ameaça apenas para aqueles que assistiam ao seu conteúdo em VHS. Ainda nem havia uma menção ao DVD, um mercado que se expandiu tão rápido quanto declinou. O indivíduo assistia, tinha sete dias para reverter a maldição, caso não fosse possível, morria ao encontrar o ser fantasmagórico, relido da cultura oriental para os novos formatos estadunidenses. Na continuação burocrática, o círculo ainda não tinha se fechado, mas os debates sobre transmissão do conteúdo da fita não eram mais centrais, numa trama focada na continuidade dos males de Samara Morgan na vida dos protagonistas. Mais de uma década depois, resolveram resgatar a maldição, agora na era da virtualidade e da digitalização de vídeos. Já em seu começo, a personagem traz o caos para os passageiros de um avião, exibido em todos os monitores possíveis. O resgate da antagonista para a nova era não funcionou, mas permitiu uma discussão mínima sobre os impactos da digitalização de conteúdos, antes visto em outros suportes.

Mas não é só de vídeos virais que o horror cibernético se estabelece no cinema. Em Cry Wolf: O Jogo da Mentira, os estudantes de uma universidade resolvem criar um perfil para um assassino em série que supostamente teria aniquilado várias vidas ao redor do país. Esta saída do marasmo, para funcionar, precisa ganhar o maior número de pessoas, por isso, os jovens espalham o boato por e-mail, antecipação da desinformação que hoje, toma as nossas vidas em aplicativos como WhatsApp e nas redes sociais, algo tão horripilante quanto a ficção. O problema é que o tal assassino ganha vida e como num slasher, um a um, os personagens começam a morrer. Lançado em 2005, o filme veio depois de Medo Ponto Com Br, um dos herdeiros da tradição de horror estabelecida com O Chamado. Na trama situada no epicentro nova-iorquino, uma dupla de detetives busca compreender a morte de quatro pessoas, encontradas em estado cadavérico na zona industrial da cidade. Nos primeiros passos da investigação, eles descobrem que todos os envolvidos tinham acessado o site “feardot.com”, um portal com visual que instiga a curiosidade, haja vista os chamados de voz feminina sedutora e o seu design bizarro.

Apesar de sua proposta instigante, não é um terror bem conduzido. Há a construção de uma atmosfera que flerta com o fantasmagórico e fantástico, com direito ao espírito de uma criança a perambular pela narrativa, além da presença de um sádico assassino em série, conhecido pela alcunha de “o Doutor”, homem sádico que escapou da polícia e retornou pelo ciberespaço para a perpetuação de seu legado de sangue, com transmissão de cenas que nos remetem aos snuff movies, mas desta vez, através do ciberespaço. Na mesma década, tivemos Uma Chamada Perdida, outro derivado de O Chamado, trama que não é propriamente sobre ciberespaço, mas que flerta com o nosso consumo e dependência de tecnologia no cotidiano. Aqui, um grupo de pessoas recebe uma mensagem de voz que define o dia e a hora em que vão morrer. O recado sobrenatural chega pelo celular e é a própria voz da vítima que transmite a informação. Para tentar salvar a sua vida e compreender o fenômeno, a protagonista segue os caminhos de uma maldição cibercultural macabra que ainda envolve a lista de pessoas na agenda do usuário ameaçado, num ceifador virtual de vidas que não brinca em serviço quando o assunto é matar.

Em nossa atual era da conexão, aplicativos prometem uma série de vantagens aos curiosos que resolvem acessá-lo. Você pode fazer o teste para saber como seria se fosse uma mulher, visualizar como possivelmente se tornará quando idoso, comparar com qual celebridade o seu perfil se assemelha, assim como prever o dia e a hora de sua morte. Ao menos, no caso deste último tópico, ainda não contemplei proposta além do previsto no cinema, com o terror A Hora da Sua Morte, lançado em 2019. Para saber quando serão levados pela morte, os personagens do filme precisam instalar o aplicativo Countdown. O que acontece depois é óbvio. Ao descobrirem a data limite na existência terrena, os curiosos precisam enfrentar uma batalha contra a entidade que resolve carrega-los para o além.  A protagonista é uma destas figuras arquetípicas que não acreditam em nada sobre o assunto, mas que ao realizar o download, se coloca em perigo, precisando lutar em prol de sua vida. A proposta, bastante interessante, consegue esteticamente se desenvolver com primor, mas perde o fôlego dramático ao passo que as coisas se desdobram e os realizadores demonstram incapacidade de segurar as pontas e não deixar brechas.

Em linhas gerais, um filme sobre a falta de cautela dos usuários diante das promessas maravilhosas da vida conectada, tópico temático desenvolvido com potencial assustador em alguns bons episódios do fenômeno televisivo Black Mirror. Um filme que consegue dialogar bem com a temática é o inquietante Buscando…. Na trama, acompanhamos a saga de um pai desesperado em torno do sumiço de sua filha, misteriosamente desaparecida. A narrativa tem como proposta narrativa, utilizar as mesmas estratégias de Amizade Desfeita, isto é, permite ao público adentrar na história e se sentir parte do processo investigativo desta jornada contada, inicialmente, por meio de uma tela que segue as evoluções tecnológicas no campo da informática, indo do Windows ao MacBook. No geral, neste terreno de bons e maus usuários, a narrativa reflete a falta de privacidade, os impactos da tecnologia nos relacionamentos e outras celeumas da relação entre cibercultura e sociedade, em suma, um terreno pantanoso repleto de armadilhas. Nesta terra de ninguém que é a internet, não sabemos lidar completamente com tudo aquilo que nós mesmos inventamos.

Por questões editoriais, este artigo panorâmico é apenas uma provocação diante do assunto extenso. Amizade Desfeita, Aplicativo do Mal, Pense Antes de Clicar, Host, Cam, Pedido de Amizade, Às Vezes Ela Volta e Eu Compartilho, Eu Gosto, Eu Sigo são alguns dos numerosos filmes contemplados enquanto me dedicava ao processo analítico destas histórias que utilizam a internet como ambiente para profusão dos nossos maiores medos. Não são as únicas, tampouco as melhores opções sobre o assunto, apenas um mapeamento para o leitor interessado neste tipo de proposta narrativa envolvendo personagens que são usuários incautos de tecnologias, perigosamente mergulhados numa redoma de horror virtual que pode definir para sempre os rumos de suas vidas.  Em seus smartphones ou computadores, estas pessoas podem encontrar monstros de carne e osso, isto é, pedófilos ameaçadores interessados em seus filhos, vizinhos voyeurs que ameaçam a sua integridade, como também podem ter que lidar com fantasmagóricas figuras de maldições antigas ou criaturas oriundas de mitologias da atualidade, prontas para arrastá-los para as profundezas da virtualidade.

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais