Antes de começar o nosso mergulho pelo universo dos efeitos especiais e visuais no cinema, vamos fazer um teste rápido? Observe:
Um dos membros da equipe bombeia a água de um tanque com um pesado barril de plástico, tendo em vista produzir ondas para a gravação de uma cena num set de filmagens. Escolha a alternativa correta.
a) o membro da equipe manipula os efeitos visuais da produção.
b) o membro da equipe manipula os efeitos especiais da produção.
Agora, a nossa segunda questão.
Um cineasta de uma produção que resgata, de maneira hollywoodiana, a mitológica Guerra de Troia, tendo como inspiração, os poemas homéricos Ilíada e Odisseia, acabou de sentar com um dos supervisores de efeitos no laboratório de produção. Eles, juntamente com os demais membros da equipe, estudam como as embarcações da frota que segue para Troia numa determinada cena, será inclusa no plano geral de um trecho do Mar Egeu.
Com base em seus conhecimentos, escolha a alternativa correta:
a) o cineasta e a equipe estudam a manipulação as imagens do filme por meio do uso dos efeitos visuais da produção.
b) o cineasta e a equipe estudam a manipulação as imagens do filme por meio do uso dos efeitos especiais da produção.
O que você respondeu? Se no “gabarito”, as respostas que constam são B e A, os seus conhecimentos acerca dos efeitos especiais e visuais no cinema estão bem atualizados. As descrições acima foram extraídas dos featurettes de Além da Vida, de Clint Eastwood, drama que traz uma eficiente cena com a reprodução do tsunami de 2004, e de Troia, polêmica versão Wolfgang Petersen para os confrontos entre gregos e troianos, descritos na poesia homérica. Tratados por muitos críticos e cinéfilos como elementos de excesso no cinema contemporâneo, os efeitos visuais e especiais são alvos constantes de críticas que refletem a necessidade de um cinema mais denso no tratamento da história e dos personagens.
Os animatrônicos de Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros (e o Spinossauro, do terceiro filme, embaixo, no centro): revolução na seara dos efeitos especiais e visuais do cinema moderno.
De fato, as críticas são coerentes. Se observarmos, por exemplo, algumas releituras de filmes asiáticos pelos hollywoodianos, percebemos que muitas versões focam nos efeitos visuais em prol de sustos e promoção de cenas impactantes para driblar a falta de qualidade do roteiro. Mas há casos, no entanto, que não podem fazer parte dessa mistura. Isso seria categórico demais. Séries como Game of Thrones, em especial, a sua primeira metade, utilizaram os efeitos para possibilitar que muitos elementos visuais fantasiosos ganhassem vida diante da tela, alegorias para reflexões importantes no campo da política, sociologia, produção cultural, etc. As séries médicas também funcionam como outra ilustração relevante, pois com o avanço da tecnologia, as representações de processos cirúrgicos ganharam a cena com maior “realismo”.
Questões Conceituais Sobre Efeitos Especiais e Efeitos Visuais
Observados dentro do campo de produção audiovisual, os efeitos especiais e visuais são conceituados da seguinte maneira. Especiais são as manipulações realizadas durante o processo produtivo. A água bombeada para a movimentação e produção de ondas; os objetos jogados no para-brisa de um carro durante uma tempestade, enquanto a equipe registra as imagens; a construção de um javali para que durante a gravação, um personagem em combate com o animal possa ter mais ou menos a dimensão da versão que será inclusa digitalmente, para que os seus movimentos em cena sejam mais próximos possíveis e exclua a necessidade de refilmagens no período de pós-produção, algo que mexe com questões orçamentárias, problemáticas para a condução do desenvolvimento e do lançamento de um filme.
Telas em verde e azul: os bastidores dos efeitos visuais de Superman – o Retorno, Matrix e Aquaman.
Os exemplos expostos acima são oriundos dos filmes Além da Vida, Twister e Hércules. No primeiro caso, enquanto o membro da equipe bombeia a água, a câmera capta o desempenho dramático dos atores no tanque em estúdio, envolto em chroma-key, a famosa tela verde para possibilitar a manipulação digital das imagens na edição. Assim, temos a junção dos efeitos especiais e visuais em cena, pois os sons, imagens de fundo e outros recursos serão inclusos posteriormente. Em Twister, segundo caso analisado, temos famoso filme de aventura sobre tornados, os efeitos visuais também foram inclusos na pós-produção, tais como a questionável imagem da vaca sobrevoando na estrada, além de outras ações devastadoras da fúria da natureza. São elementos sobrepostos (efeitos visuais) às imagens oriundas do processo de gravação, que incluiu um caminhão à frente da caminhonete dos protagonistas, a jogar objetos para reforçar os obstáculos durante a travessia numa estrada (efeitos especiais), tendo como companhia os perigosos e indesejáveis tornados.
No caso de Hércules, Dwayne Johnson interpreta o mitológico personagem que precisa enfrentar os 12 Trabalhos, alegoria que utilizamos atualmente para refletir sobre os nossos desafios diários para a sobrevivência em sociedade. John Bruno, Supervisor de Efeitos Visuais, expôs nos featurettes do filme que não acredita na qualidade artística de produções que investem exclusivamente em efeitos visuais para o seu desenvolvimento. O profissional comenta que é preciso unir as possibilidades do CGI, importantes para a realização de determinados trechos, tais como a destruição do Templo de Hera, nos momentos finais da produção, mas também trabalhar com o elenco, os dublês, as miniaturas e animatrônicos para permitir mais “humanidade” para a produção. Durante a produção da famosa cena com o Leão de Nemeia, o ator contracenou com uma versão da criatura, transformada em animação na pós-produção, num processo que unificou as duas opções, mesmo que o CGI seja protagonista do processo.
Os efeitos visuais e especiais de Twister e Homem-Aranha 2.
Na seara dos efeitos visuais, no cinema moderno, há quem utilize mais, outros menos. Alguns são exagerados, outros preferem o uso comedido. Entre Steven Spielberg e Clint Eastwood, por exemplo, há uma larga extensão de diferenças na utilização destes mecanismos para a concepção de suas respectivas narrativas. Independente das predileções, no sistema de produção industrial não há mais volta. Com os avanços tecnológicos no campo da informática, algumas cenas que no passado eram impossíveis de ganhar vida em tela agora são concebidas com menor dificuldade, mesmo que haja os altos custos para a produção. Antes deste processo de manipulação da imagem por computadores, como explanado, os estúdios e outros realizadores mais independentes adaptavam as suas necessidades para truques que hoje chamamos de efeitos especiais.
Atualmente, ambos coexistem no processo produtivo. Homem-Aranha 2, dirigido por Sam Raimi, mesclou miniaturas e maquetes com a computação gráfica supervisionada por John Dykstra, num filme que aparentemente é um manancial de efeitos puramente visuais. Para vislumbrar o que foi exposto nos elucidativos tópicos anteriores, mergulhei no processo de produção e pós-produção dos filmes Hércules, de Brett Ratner; Alien Vs. Predador, de Paul W. S. Anderson; Além da Vida, de Clint Eastwood; e Twister, de Jan de Bont, recorte necessário por conta das dimensões máximas do texto em questão, maior se fosse abordar outras tantas produções merecedoras de análise. Adianto que não são filmes grandiosos em termos dramáticos, mas que na seara dos efeitos especiais e visuais, devem ser pensados como grandes referências de estudo.
Visão Panorâmica: os Efeitos Especiais e os Efeitos Visuais Aplicados
Há 400 anos, Hércules sofre por conta da morte de toda a sua família. Parte integrante de categoria dos semideuses, ele é filho de Zeus, mas nem por isso deixa de exercer os seus famosos doze trabalhos, dentre eles, enfrentar o Leão de Nemeia, a Hidra de Lerna, o Javali de Erimanto, o Touro de Creta, dentre outros desafios, transformados nesta adaptação escrita por Ryan J. Condal, inspirado na HQ Hércules: As Guerras Trácias. Sob a direção do experiente Brett Ratner, a aventura teve John Bruno como Supervisor de Efeitos Visuais, profissional que deixou claro o seu interesse na mescla entre efeitos visuais e especiais, sem carregar o filme de CGI puro, algo que para Bruno, é o caminho para a perda de identidade de uma narrativa cinematográfica.
CGI em simbiose com os efeitos especiais em Hércules.
Em Hércules, os envolvidos utilizaram animais digitalizados, mas para melhor relação entre os efeitos e o elenco, colocaram versões aproximadamente da mesma proporção do que seria estabelecido em tela, tendo em vista permitir aos atores uma performance mais perto o possível do que seria ajustado na finalização. A cena com a Hidra de Lerna foi realizada em um tanque com 18×12 metros, cheio de água e plantas; o embate com o javali teve uma arvore construída pela direção de arte; os centauros passaram por correções digitais, mas em sua base, homens estavam sentados próximos ao pescoço dos cavalos, com inserção de contraluz pela direção de fotografia, o que ajudou na criação dos seres mitológicos com menor carga de CGI possível. Por medida de segurança, as armas das cenas de luta, em especial, as flechas dos arcos, foram todas trabalhadas no modelo digital, para evitar acidentes. Hércules é um filme em potencial para se discutir a não subserviência dos realizadores em relação aos efeitos visuais, numa narrativa com incongruências dramáticas, mas ainda preocupada com os seus processos criativos.
John Bruno também assumiu os efeitos visuais de Alien Vs. Predador, dirigido por Paul W. S. Anderson, cineasta guiado pelo roteiro que ele mesmo assinou, juntamente com Dan O’Bannon e Ronald Shusset. Na trama, um grupo de pesquisadores vai ficar diante do furioso encontro de dois monstros do cinema moderno, ambos destruidores não apenas em busca da vitória, mas também interessados em dizimar qualquer presença humana que esteja próxima. Em depoimentos, o cineasta alegou que John Bruno pediu que o filme fosse 90% real e 10% computador, o que coaduna com as suas observações no processo de realização de Hércules. O computador, leia-se, neste caso, os efeitos visuais, com foco no uso de CGI, deve ser priorizado apenas nos momentos em que não há como viabilizar a realização de uma cena, tal como a luta entre os Aliens e Predadores, dinâmica e violenta demais até mesmo para os dublês. Até mesmo numa determinada cena da chegada de um helicóptero numa base instalado num navio, os realizadores investiram em miniaturas, associadas aos efeitos visuais, tendo em vista atender aos anseios do supervisor do setor, interessado na mesclagem dos processos.
O supervisor John Bruno entre os efeitos visuais de Alien Vs. Predador e as maquetes e efeitos especiais em Titanic, dirigido por James Cameron.
Twister, dirigido por Jan de Bont, guiado pelo roteiro de Anne-Marie Martin e Michael Crichton, apresenta para o público um grupo de pesquisadores envolvidos no estudo de tornados. O envolvimento é tão grande que eles não ficam exitosos em chegar próximo destas furiosas manifestações da natureza, com ventos de até 400 km por hora. Lançado em 1995 e cheio dos exageros comuns aos filmes do cineasta, vide o equívoco de Velocidade Máxima 2, também repleto de efeitos para reforçar o tom catastrófico da trama, o filme de tornados teve os seus efeitos visuais e especiais supervisionados pela equipe de Stefen Fangmeier, numa era prévia aos avanços tecnológicos que surpreenderiam a indústria com o estabelecimento das novas roupagens de filmes de super-heróis e ação, na década seguinte. Surpreendente em sua época, Twister é uma das apostas na seara dos efeitos visuais e especiais após a revolução de Steve Spielberg em Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, ao meu ver, um dos melhores resultados na manipulação das imagens no bojo do sistema industrial de produção da década de 1990.
Para finalizar o trajeto, temos Além da Vida, de Clint Eastwood, responsável por transformar o roteiro de Peter Morgan em filme. Como sabemos, Eastwood é um cineasta não adepto ao uso de tanta tecnologia em suas produções, mais voltadas para o viés dramático, em consonância com a música peculiar e a direção de fotografia cuidadosa. Na trama em questão, acompanhamos um grupo de personagens vitimados pelo desastre, bem como os desdobramentos posteriores ao acontecimento. Para os impactos desejados, o cineasta rendeu-se aos efeitos visuais, juntamente com os efeitos especiais, pois as sequências que envolviam a devastação causada pelo tsunami não eram possíveis apenas com truques comuns e estratégias fotográficas.
Clint Eastwood e os efeitos visuais de Além da Vida.
Era preciso aderir ao CGI, mas com parcimônia, como expõe o Supervisor de Efeitos Visuais do Filme, Joe Farrell, responsável pela criação dos trechos que mesclaram gravações numa praia do Havaí, em paralelo ao conjunto de imagens realizadas num tanque construído no Cinewood Studios, associados aos efeitos da pós-produção. Este é o filme que traz o exemplo da abertura sobre um dos membros bombeando a água com um barril, movimento que transforma a dinâmica das imagens inspiradas nos registros de câmeras portáteis, produzidos por pessoas que foram testemunhas oculares do trágico evento de 2004. Ademais, esta reflexão é pode ser complementada por dois textos que publicamos anteriormente, isto é, os Efeitos Visuais em Filmes de Tubarões e os Efeitos em Game of Thrones. Boa leitura!