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Entenda Melhor | Ecos de Frankenstein em Clássicos Modernos Hollywodianos

Quais as conexões da obra-prima de Mary Shelley com narrativas icônicas do cinema hollywoodiano contemporâneo?

por Leonardo Campos
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Preâmbulo objetivo: o breve, mas creio que elucidativo artigo que vocês acompanharão, desenha três conexões entre clássicos modernos hollywoodianos com o romance Frankenstein, de Mary Shelley. Vamos nessa? Acompanhem o infográfico com as sinopses e algumas considerações sobre a proeminente indústria de Hollywoodiana e suas conexões com clássicos da literatura.

Primeiro, vamos começar com a relação entre Blade Runner: O Caçador de Androides, dirigido por Ridley Scott, em 1982. Mesmo que as narrativas sejam distintas em seus tempos e contextos, ambas exploram a tensão entre criador e criatura e levantam questões filosóficas sobre o que significa ser humano. Um dos pontos mais evidentes de conexão é a criação de seres artificiais. No romance de Shelley, Victor Frankenstein cria o monstro na ânsia de superar as limitações da vida e da morte. No entanto, essa criação desencadeia consequências trágicas, levando o criador a uma espiral de angústia e culpa. De maneira semelhante, o filme dirigido por Scott, com base no roteiro de Hampton Fancher e David Webb Peoples, dramaturgos inspirados no livro de Philip K. Dick, acompanhamos os replicantes, seres biológicos criados com inteligência artificial e habilidades superiores. A busca de seus criadores por imitar a vida humana resulta em um dilema moral ao questionar a validade e a moralidade da criação de replicantes. Assim, numa perspectiva comparada, as duas narrativas estabelecem reflexões sobre o preço da ambição científica. Victor Frankenstein, ao tentar jogar o papel de Deus, ignora as implicações éticas de suas ações. De forma equivalente, os criadores dos replicantes, financiados pela Tyrell Corporation, atuam movidos pela ganância, sem se preocupar com as consequências da produção em massa de seres peculiares que não têm os mesmos direitos que os humanos.

Ainda nessa linha de reflexão, outro ponto significativo de conexão é a busca por identidade e aceitação. O monstro de Frankenstein, que anseia por amor e compreensão, revela a essência do ser humano: o desejo de pertencimento e reconhecimento. Apesar de sua aparência grotesca, ele não é intrinsecamente maligno. Suas ações violentas são uma resposta ao desprezo e ao isolamento que enfrenta. Assim como ele, os replicantes em Blade Runner: O Caçador de Androides, aspiram a experiências humanas genuínas e uma vida que não seja apenas a de uma propriedade. Roy Batty, interpretado por Rutger Hauer, o replicante mais emblemático do filme, exemplifica essa busca. Sua luta por reconhecimento e significado culmina em um dilema existencial que ressoa com o monstro de Frankenstein. Ambos são tratados como “outros”, sendo objeto de repulsa e medo, apesar de possuírem capacidades emocionais profundamente humanas. Nessa perspectiva, tanto o monstro quanto os replicantes questionam os critérios que definem a humanidade em um mundo que, muitas vezes, os marginaliza. São duas narrativas que destacam a importância da empatia e da compaixão, comportamentos postados de forma abundante nas redes sociais hoje, mas parcamente aplicados em situações práticas.

Em Frankenstein, a falta de empatia de Victor em relação ao seu monstro resulta em destruição e sofrimento. Victor não assume a responsabilidade por sua criação, o que provoca um ciclo de vingança e tristeza. Por outro lado, Blade Runner: O Caçador de Androides, o texto dramático apresenta uma jornada oposta à medida que os replicantes, especialmente Roy Batty, se esforçam para encontrar sua própria humanidade e a do seu criador, ao confrontar Rick Deckard, o caçador de androides, um dos papeis mais emblemáticos de Harrison Ford. O filme nos desafia a reavaliar nossa própria capacidade de empatia, levando-nos a pensar sobre nosso papel em um mundo que constantemente realiza julgamentos sobre a vida e a morte.  E tem mais conexões: tanto o romance quanto o filme levantam questões éticas sobre o papel do criador e a moralidade de suas invenções. Em ambos os casos, o criador falha em reconhecer a autonomia de suas criações. Victor Frankenstein abandona seu monstro, contribuindo para a solidão e o desespero do ser criado. Da mesma forma, os criadores dos replicantes veem suas criações como meros produtos, ignorando suas emoções e aspirações.

A desconexão entre criador e criatura leva a uma série de dilemas morais que nos colocam em um ponto de reflexão sobre o que se espera de um criador em termos de responsabilidade e ética. Em Blade Runner: O Caçador de Androides, a moralidade é ainda mais complexa. Os replicantes, mesmo considerados “desumanizados”, mostram um espectro de emoções que desafia as percepções humanas tradicionais sobre vida e dignidade. A luta de Roy Batty ao longo do filme culmina em um ato de empatia que desafia as ideias convencionais sobre quem merece ser considerado humano. As interações entre replicantes e humanos revelam as falhas nas concepções de moralidade, levando o público a questionar o que realmente define a vida. E assim, questões sobre identidade, empatia e moralidade tornam-se cruciais para entendermos a condição humana em um mundo cada vez mais tecnológico e desumanizado. São reflexões que nos levam ao segundo filme dessa sequência de conexões entre o livro de Mary Shelley e as relações com as estruturas narrativas de determinados clássicos modernos hollywoodianos. Na produção a seguir, essa lógica mercadológica desumanizada também é estabelecida, delineando o processo complexo entre criadores e criaturas.

Outro clássico moderno que dialoga em ilações com o romance de Mary Shelley é Robocop: O Policial do Futuro, de 1987. Dirigido por Paul Verhoeven, o filme e o livro aqui mencionado são obras que, embora separadas por diferenças seculares, compartilham temas centrais sobre a natureza da criação, a ética da tecnologia e as consequências de dar vida a algo que é, em essência, artificial. Como já exposto nos demais textos por aqui, a relação entre Victor Frankenstein e sua criatura é um dos temas mais profundos e trágicos da obra de Shelley. Victor, obcecado pela ideia de criar vida a partir da morte, representa a busca pelo conhecimento que tem marcado a trajetória humana. Contudo, sua decisão de criar um ser, sem consideração pelas implicações éticas e emocionais, resulta em uma criatura que, ao invés de ser um prolongamento de sua própria essência, se torna um ser atormentado pela rejeição da sociedade. E, na perspectiva do roteiro de Edward Neumier e Michael Miner, o personagem principal de Robocop, o policial Alex Murphy, é transformado em um ciborgue por meio de uma intervenção tecnológica radical. A transformação é imposta a ele sem seu consentimento, refletindo uma falta de humanidade que ecoa a experiência da criatura de Frankenstein. A ironia é palpável: enquanto Victor busca jogar com as leis da natureza, os criadores de Robocop, representando interesses corporativos e estatais, agem dentro de um contexto onde o humano é secundarizado em prol de um ideal de eficiência e controle.

Assim, um dos aspectos mais perturbadores de ambas as narrativas é a profunda alienação vivida pelos protagonistas. A criatura de Frankenstein, após sua criação, não encontra um lugar no mundo. Ele se torna o Espectro do Mal, não por sua natureza, mas devido à maneira como é tratado pela sociedade. Sua busca por aceitação e compreensão culmina em desespero e vingança, questionando a moralidade de seu criador e a natureza da humanidade. Numa situação similar, o ciborgue interpretado por Peter Weller vive a alienação em um sentido ainda mais intenso. Embora tenha a forma de um humano, seus circuitos e programação o afastam da essência do que era antes de sua transformação. A luta por recuperar sua identidade perdida é um tema constante, refletindo a luta de qualquer ser humano que, ao passar por uma transformação drástica, se vê lutando contra a despersonalização. Em ambos os casos, a identidade fica em segundo plano diante das imposições sociais e da manipulação. E é nesse ponto que adentramos nos dilemas éticos cruciais que emergem das narrativas comparadas.

No romance, Victor Frankenstein falha em aceitar a responsabilidade por sua criatura, abandonando-a em sua hora de necessidade. Isso leva a um ciclo de violência e miséria que culmina em tragédias irreparáveis. Esta questão fundamental é uma crítica à irresponsabilidade no uso do conhecimento e da capacidade de criação, evocando reflexões sobre a ética científica. Em Robocop: O Policial do Futuro, os criadores de Alex Murphy não se deparam com sua responsabilidade de forma direta. Ao invés disso, a ética é manipulada pelas necessidades corporativas e pela busca por lucro. O que poderia ser uma forma de salvar uma vida e restaurar um ser humano se torna um produto a ser vendido e uma ferramenta de repressão. A falta de responsabilidade moral que permeia a organização OCP (Omni Consumer Products) representa um eco da irresponsabilidade de Victor, destacando como a ambição pode eclipsar a consideração pelo ser humano, numa demonstração cristalina de como a ambição, desde a primeira publicação de Frankenstein, em 1818, não mudou em nada, ao contrário, ganhou ainda mais potência com a evolução do capitalismo. Acompanhamos as suas jornadas em meio aos cenários corporativistas com peculiaridades futuristas, assinados pelo design de produção William Sandell, embalado pela condução musical de Basil Polidouris.

Importante refletir que os dois enredos expõem as falhas da sociedade em acolher o diferente. A criatura é constantemente vista através de uma lente de horror e repulsa, enquanto Robocop é tratado como uma ferramenta em vez de um indivíduo. Nesse jogo comparativo, ambos os contextos sociais podem ser pensados como os antagonistas das tramas. Essa crítica social fica evidente no comportamento das comunidades em ambos os contextos. A criatura é rejeitada em todos os aspectos, incitando sua agressividade; assim, as pessoas perdem a oportunidade de ver em sua essência um reflexo de suas próprias lutas interiores. A aceitação e a empatia poderiam ter mudado o destino da criatura de Frankenstein. Por outro lado, Robocop é visto como uma máquina de guerra, sua humanidade eclipsada por sua função militarizada. Aqui, Verhoeven critica a desumanização promovida pela sociedade consumista e pela militarização da força policial. Isso nos leva ao terceiro e último ponto de conexão por aqui, um ponto de convergência entre as obras: a questão do despertar da consciência.

A criatura de Frankenstein, ao longo de sua existência, busca entender seu papel no mundo, procurando um propósito que vai além do desprezo que recebe. Esta busca por significado reflete a luta de toda criação: a tentativa de encontrar um lugar e um sentido em um universo indiferente. Em Robocop: O Policial do Futuro, Alex Murphy, contemplado com imponência constante pela direção de fotografia de Jost Vacano, luta para recuperar sua memória e sua identidade, o que culmina em uma forma de “despertar” quando ele começa a se lembrar de sua vida anterior. Sua nova entidade, embora sintética, busca uma conexão com a humanidade que o moldou. Isso levanta questões sobre a natureza da consciência e a capacidade de um ser, mesmo feito de metal e circuitos, de se conectar com o que significa ser humano. Diante disso, nesse processo comparativo, podemos observar que a escrita de Mary Shelley, embora publicada no preâmbulo do século XIX, continua a ressoar através das narrativas contemporâneas hollywoodianas. Paul Verhoeven, conhecido por sua observação polêmica das coisas em todos os seus filmes, vai além dos debates sobre a criação corporativista e a luta pela aceitação, mas também nos apresenta reflexões críticas sobre a moralidade da criação, a ética da tecnologia e a condição humana em face da alienação. São debates que nos levam para os caminhos de outro clássico moderno, Edward: Mãos de Tesoura, dirigido por Tim Burton, realizador que teve como base, o roteiro escrito em parceria com a dramaturga Caroline Thompson.

Para começar, vamos de contexto: o livro, lançado em 1818, reflete as ansiedades da Revolução Industrial e os desdobramentos éticos da ciência, enquanto o segundo, de 1990, evoca uma estética gótica e uma narrativa pós-moderna. Contudo, as duas tramas revelam uma teia complexa que liga a criação, a identidade e a alienação. Retomando: um dos temas centrais em ambas as obras é a ideia da criação e o papel do criador. Em Frankenstein, Victor Frankenstein, em sua busca por transcendência e controle, cria um ser a partir de partes de cadáveres, resultando em um monstro que, apesar de ser dotado de sensações e consciência, é rejeitado pela sociedade. Isto reflete a ambição humana de desafiar os limites naturais, mas também a responsabilidade que vem com o ato de criar. A tragédia de Victor reside em sua incapacidade de aceitar a criatura que ele gerou. É algo que culmina num ciclo de dor e violência. Da mesma forma, em Edward Mãos de Tesoura, o personagem título é uma criação incompleta de um inventor, uma metáfora da alienação e da busca por aceitação. Assim como a criatura de Frankenstein, Edward é um ser sensível que deseja se integrar ao mundo, alguém que almeja o amor, mas ele está preso em sua aparência peculiar e em sua condição de “outro”. A falta de dedos humanos e a presença das tesouras em suas mãos simbolizam a incapacidade de Edward de participar plenamente da sociedade da maneira que o desejaria.

Isso nos leva a refletir sobre a natureza do que significa ser humano e a tentativa de aceitar ou rejeitar aqueles que são diferentes. Nesse caso, a questão da identidade é um tema proeminente nas duas narrativas. Ambas as figuras centrais, o monstro e Edward, são definidas em parte por como os outros os percebem e reagem a eles. O monstro de Frankenstein, apesar de sua inteligência e humanidade interior, é rotulado como uma aberração e, consequentemente, atua de maneira violenta em resposta à rejeição. Ele busca, desesperadamente, se conectar com Victor, mas termina por se afastar ainda mais devido à falta de aceitação. O mesmo ocorre com Edward, cuja singularidade é mal interpretada pela sociedade em que tenta se inserir. Sua incapacidade de se adaptar às normas sociais o transforma em um pária. A relação entre criador e criatura, no entanto, é uma questão mais ampla que permeia ambas as histórias. Victor Frankenstein, em sua busca por conhecimento e poder, cria um ser que culmina em sua própria destruição. Ele abandona sua criação, refletindo um ato de irresponsabilidade que leva a consequências devastadoras. No filme dirigido de forma melancólica por Tim Burton, o inventor, interpretado por Vincent Price, um dos medalhões do horror clássico, alguém que representa uma figura paterna, também falha ao não completar Edward e deixá-lo em um estado de incompletude.

Essa paternidade falha provoca uma crise existencial em Edward, levando-o a questionar seu lugar no mundo. Além disso, o monstro de Shelley e o “estranho” de Burton experimentam as angústias da alienação, uma consequência direta de suas respectivas existências. O monstro vive à margem, forçado a buscar refúgio nas sombras e nos recantos da sociedade, enquanto Edward é acolhido temporariamente por uma família suburbana, mas logo é rejeitado. A alienação em Frankenstein e Edward Mãos de Tesoura reflete a condição humana de busca por pertencimento e identidade em face da rejeição e incompreensão. A tragédia de Edward e do monstro é que, a despeito de suas vulnerabilidades e desejos genuínos de conexão, eles são sistematicamente rejeitados e mal interpretados. Ademais, a estética visual é outro elo que liga as duas obras. Mary Shelley apresenta um ambiente sombrio, onde a Revolução Industrial ativa uma sensação de horror e estranhamento ao que é natural. Ilustra a tensão entre o progresso científico e suas consequências éticas. Da mesma forma, a equipe de Tim Burton, em especial, Stefan Czapsky (direção de fotografia), Bo Welch (design de produção), Danny Elfman (trilha sonora), unificados, estabelecem em cena uma paleta de cores sombrias e um estilo visual peculiar para refletir a estranheza de Edward. A combinação de elementos góticos e humorísticos presente no filme complementa a angústia existencial do protagonista, criando uma atmosfera que questiona o que é considerado normal. É tudo, caro leitor, visualmente deslumbrante e envolvente.

Outro aspecto a ser considerado é a natureza do amor e do desejo. Tanto a criatura de Frankenstein, quanto o jovem Edward, estão diante da busca por amor e aceitação, aspectos ausentes em suas vidas. O amor que é oferecido a eles é geralmente superficial e condicionado à aparência. A conexão existente entre a figura feminina e esses personagens revela uma dimensão de vulnerabilidade, sendo a busca por amor um dos principais motores das ações de ambos. Ilustrando: a criação do monstro e seu pedido de uma companheira reflete tanto seu desejo por companhia quanto a traição de Victor ao não atender a esse pedido.  Em Edward Mãos de Tesoura, a relação de Edward com Kim, interpretada por Winona Ryder, uma representação de beleza e normalidade, é complexa e repleta de ambivalência. Ela é capaz de ver além das tesouras que substituem suas mãos e, por um breve momento, ele encontra um sentido de pertencimento e aceitação. No entanto, essa relação é rapidamente testada pela sociedade, que não pode aceitar algo que considera “anormal”. Essa forma de amor condicional é um reflexo da incapacidade da sociedade de abraçar a diversidade. Tudo trágico. E doloroso.

Por fim, tanto Frankenstein e Edward Mãos de Tesoura estabelecem reflexões sobre a condição humana e as consequências de nossas ações. São narrativas que nos forçam a confrontar o que significa ser um criador e a responsabilidade que acompanha essa função. As histórias questionam nossa disposição em aceitar o diferente, o estranho e o não convencional, propondo uma crítica à sociedade que frequentemente sequestra a individualidade em nome da conformidade. Os personagens, com suas respectivas tristezas e anseios, nos lembram da importância da empatia e da aceitação, ressaltando que a verdadeira monstruosidade reside muitas vezes nas atitudes da sociedade e não nas criaturas que ela mesma rejeita. Nesse sentido, tanto a literatura de Mary Shelley quanto o cinema de Tim Burton são fundamentais na exploração da complexidade da condição humana, instigando o público a questionar suas próprias percepções sobre o que é ser “normal” e o que significa amar. E esses, caro leitor, são apenas alguns dos diversos exemplos de narrativas mais atuais que dialogam com o enredo e os desdobramentos do romance Frankenstein. Você, com seu repertório de leitura, consegue se recordar de mais alguma outra perspectiva comparativa interessante?

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