Cosmopolitan: servido numa taça grande, geralmente de martíni, eis um drinque que nalguns casos, vem acompanhado de cascas de limão como item decorativo. Muito parecido com outras bebidas veiculadas desde o século XIX e a década de 1930, o drinque em questão surgiu diante da necessidade dos consumidores de ter, em suas taças, algo além do álcool, numa busca por glamour e sofisticação, sem o amargor do martíni. Erguido por uma arquitetura ousada e visualmente atraente, o cosmopolitan fez tanto sucesso que até ganhou uma colônia com o seu cheiro, produzida por uma linha de perfumes dos Estados Unidos. Bebida vermelha composta por vodca, triple sec, suco de oxicoco e suco de limão espremido ou adoçado, este drinque possui uma série de variações. Conforme depoimentos do barman Paul Harrington, a bebida foi criada independentemente por diversos especialistas em mixagem ao longo da década de 1970. O barman Neal Murray alega ter criado o drinque em 1975, numa churrascaria chamada Cork e Cleaver, em Minneapolis. John Caine, empresário e proprietário de vários bares em São Francisco, tornou-se o responsável por aumentar o seu consumo na costa oeste estadunidense, não tomando autoria para si, mas sendo um dos catalisadores de sua massificação.
Considerada um mito por muito tempo, Cheryl Cook, ao trabalhar num restaurante na Flórida, nos anos 1980, ficou reconhecida por muitos historiadores de drinques como a criadora oficial do cosmopolitan. Numa carta para o escritor Gary Regan, ela conta que percebeu muitas pessoas tomando martíni apenas por causa da taça, interessadas em socializar com a bebida sem necessariamente sentir prazer com o consumo. Assim, decidiu criar algo que todos pudessem provar, preconizando o aspecto deslumbrante do drinque em suas cores vibrantes e taça sofisticada. Assim, surgiu o cosmopolitan, bebida que pode até ser uma criação moderna, mas desde 1934, possui correlatos, ao menos se considerarmos uma receita peculiar publicada pelo Pioneers of Mixing at Elite Bars, neste mesmo ano. Em 1990, um novo capítulo se estabeleceu para o cosmopolitan: a sua popularização nas idas e vindas de Sex and The City.
Numa sociedade construída por símbolos ao longo da trajetória evolutiva da humanidade, o cosmopolitan, drinque de autoria bastante disputada, pode ser reconhecido como um marco da sofisticação cultural das noites badaladas não apenas dos estadunidenses, mas do mundo inteiro, globalizado e interconectado pelas tecnologias sempre em transformação. No caso de Sex and The City, um marco na cultura contemporânea, o drinque em questão é uma das representações mais significativas das seis temporadas de sua versão televisiva, protagonizada por Carrie Bradshaw, interpretada por Sarah Jessica Parker, uma produção de extenso legado e impacto cultural, tendo como ponto de partida o livro de crônicas de Candace Bushnell, também transformado em material para o cinema duas vezes, além do retorno para o formato televisivo em And Just Like That: Um Novo Capítulo de Sex and The City.
Na estrutura dramática deste marco televisivo da HBO, temos a narração de Carrie Bradshaw, personagem que guia as suas situações amorosas e profissionais, juntamente com as histórias de vida das amigas que forma o seu “quarteto fantástico”: Miranda Hobbes (Cynthia Nixon), uma advogada durona; Charlotte York (Kristin Davis), marchand idealista que vive o mito do amor romântico; e Samantha Jones (Kim Cattrall), uma relações públicas que acredita no sexo livre como meta de vida. Juntas, estas mulheres debatem temas gerais sobre relacionamentos numa sociedade machista e cruel com a presença do feminino cada vez mais abrangente nos espaços profissionais e de consumo. E, como acompanhamento destes momentos de descobertas e reflexões, o cosmopolitan foi uma bebida marco, potencializada pela série, tendo seu consumo potencializado ainda mais entre 1998 e 2004, tempo de exibição das seis temporadas.
Por sua arquitetura suntuosa, o cosmopolitan nunca foi, exclusivamente, uma bebida. Diferente de uma lata de cerveja, uísque ou vinho, o drinque em questão ganhou popularidade pela sua presença visual na posse dos usuários que munidos pela estilosa mixagem de produtos descritos mais adiante, afirmavam as suas identidades de consumo, poder e presença na cena das casas noturnas novaiorquinas e, logo depois, dos quatro cantos de nosso planeta globalizado. É o drinque da postagem para as redes sociais, é a bebida que a Madonna foi fotografada no Grammy de 1996, numa foto que circulou o mundo todo, em linhas gerais, sem o amargor do martíni, com os seus xaropes e sabor adocicado, o cosmopolitan é a bebida marco da mulher contemporânea, no auge de sua feminilidade. Ao menos foi assim que Sex and The City “vendeu” a ideia do drinque, um acompanhante das saídas do quarteto em suas aventuras casuais.
Todas as personagens do programa tomavam o cosmopolitan, mas a bebida marcou mesmo a trajetória da protagonista interpretada sempre com vigor por Sarah Jessica Parker. Intuitiva e criativa, ela é uma mulher absorvida em si mesma, constantemente questionadora dos seus próprios atos, analisados pelo prisma de suas reflexões diante do mundo. Ligada aos movimentos que gravitam em torno de sua existência, algo típico de uma cronista, Carrie Bradshaw é uma personagem sem estabilidade emocional, mas se mantém sempre confiante na possibilidade de viver um grande amor, arrebatador, seja com Mr. Big ou Aidan Shaw, dois grandes homens em sua trajetória, entrecortados por uma série de tentativas fracassadas de relacionamentos. Com gosto apurado para a moda, ela faz o estilo high-low: mescla peças caras de grifes renomadas com outras mais baratas, encontradas em brechós. Nesta mixagem semelhante ao cosmopolitan, ela une o tradicional com o moderno para alcançar resultados próprios.
Comparativamente falando, Carrie Bradshaw é para o tecido social nova-iorquino o que o cosmopolitan é para os bares sofisticados, repletos de drinques visualmente belos e saborosos: ela é a cronista do The New York Star, aquela que conhece algumas celebridades, frequenta festas VIPS, circula culturalmente em mostras, lançamentos de livros e filmes, mantendo-se relevante e com opinião respeitada pelos leitores de sua coluna semanal sobre o sexo na cidade. Curiosa, perspicaz e exímia observadora do comportamento humano, a protagonista está constantemente em busca de respostas para as suas numerosas perguntas, resolução de problemas encontrados com insights originais, conquistados graças aos roteiros cuidadosos desta série televisiva criada por Darren Star, em 1998, continuada depois pelo showrunner e diretor Michael Patrick King, responsável por assumir alguns episódios e os filmes derivados da produção.
Conhecida por equilibrar contracheques com valores baixos e seu gosto apurado por moda, em sua caminhada, Carrie Bradshaw também escreveu para a revista Vogue, além de assumir a coprodução de um podcast na retomada da série em 2021, formato mais conectado com a comunicação contemporânea. E, em muitos destes momentos, o drinque simbólico esteve presente como ancoradouro para as experiências de vida desta mulher rotineiramente em busca de aceitação, uma fumante intermitente, realista diante de suas dificuldades em se fincar num relacionamento sadio, munida de seu inseparável Malboro Lights. Presente nas capas das novas edições do livro de Candace Bushnell, nos boxes de DVDS da série ou em camisas, cartazes e demais produções originadas dos desdobramentos do legado e impacto cultural de Sex and The City, o cosmopolitan não é um drinque criado pela série, mas tal como os sapatos altos e demais ícones do programa, tornou-se um marco deste universo representativo para muitas pessoas, ressignificado na contemporaneidade, cheia de novas questões, mas ainda assim, muito relevante no tocante aos relacionamentos entre humanos em busca de respostas para os seus anseios nos âmbitos pessoais, sociais e profissionais.
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