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Entenda Melhor | Cinema Marginal Brasileiro

por Luiz Santiago
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Fruto da exposição cinematográfica da contracultura dos anos 1960, o Cinema Marginal veio como uma forma de pensamento debochada, despreocupada, dada a paródias de gêneros, pessoas e grupos sociais, além de abordar situações grotescas, sujas, pornográficas, imorais, burlescas/carnavalescas e violentas nas grandes telas. Ao contrário do que algumas análises apontam, o Cinema Marginal não foi propositalmente uma “resposta” ao Cinema Novo, mas o aproveitamento de uma ocasião e a defesa de uma ideia por cineastas que não pensavam através da “estética da fome” ou da “estética da violência“. Para os diretores do Cinema Marginal, a estética — em qualquer tipo de apuro — não era exatamente uma preocupação: os filmes de baixo orçamento (muitas vezes em 16mm e Super-8) e o tipo de abordagem “maldita e underground” formavam a base de condições que esses diretores tinham para trabalhar. Se os cinemanovistas tinham, pelo menos no início, pouco dinheiro para produzir seus filmes e sustentavam um pensamento “anti-industrialização do cinema”, esta era a realidade crua para os cineastas marginais.

Um dos expoentes mais conhecidos desse grupo de jovens diretores foi José Mojica Marins, cujo personagem Zé do Caixão se tornou icônico, especialmente no Estado de São Paulo. A base trash na estética desses filmes, sua aproximação com os Filmes B de Hollywood e o trabalho na Boca do Lixo (no bairro da Luz, em São Paulo) desafiava aquilo que era o grande terror do Cinema Novo: a “cópia” de Hollywood. Os udigrudis, no entanto, “copiavam” gêneros (especialmente o policial) corrompendo-os, tornando-os quase irreconhecíveis, elevando à máxima potência aquilo que foi um dos temas da 3ª Fase do Cinema Novo: a antropofagia ligada ao Tropicalismo.

plano critico as libertinas poster

O absurdo — e hilário — poster de As Libertinas.

Ao longo deste período houve também um marco muito importante, apesar de brevíssimo: o início e fim da Bel-Air Filmes, produtora de Júlio Bressane, Rogério Sganzerla e Helena Ignez. Durando de fevereiro a maio de 1970, a transgressora casa produziu sete filmes, todos dentro dos parâmetros do Cinema Marginal, em diferentes níveis de estranheza. Sobre a dissolução da empresa, Bressane comentou, numa entrevista de 2009:

Uma noite tava eu na sala de mixagem da Rua México, chegou lá meu pai e me disse que havia uma denúncia muito grave contra mim e contra o Rogério também. Desses filmes que nós estávamos fazendo. E que eu devia ir com ele na casa de um general, que era o general Sílvio Frota, comandante do primeiro exército naquele momento, que ele queria falar. Eu fui lá – foi de noite, eu lembro, era em frente ao Maracanã, uma casa que tinha ali, cor-de-rosa, do exército – ele me recebeu, e me disse que havia um relatório contra mim – apontou o relatório, eu não vi, mas me mostrou assim com a mão – e que ligava esses filmes da Bel-Air, ou pelo menos esses filmes que estavam interditados lá, inclusive Matou a Família e Foi ao Cinema, sobretudo, a um plano de subversão nacional. Disse que esses filmes eram com o dinheiro do terrorismo, Marighella, uma coisa sem fundamento nenhum. Era um cinema simpático a isso, sem dúvida. Mas ele não determinou cortes na Família do Barulho, ele interditou A Família do Barulho. (…) Aí o Severiano chegou pra mim e falou ‘olha, tá difícil, estamos em outro momento, não sei porque, questões de política…’. Foi aí que quebrou o negócio. Com isso, em uma semana nós saímos do Brasil. Eu levei com o Rogério o Cuidado Madame e o Sem Essa, Aranha pra Paris, revelei, montamos, e tiramos cópia dos dois filmes na França. Terminamos os filmes e foi de fato o fim da Bel-Air.

Júlio Bressane em Belair (2009).

O Bandido da Luz Vermelha.

Como aconteceu com as Chanchadas e com o Cinema Novo, o Cinema Marginal teve o seu pico de produção e ideias e pouco a pouco o número de filmes foi diminuindo, embora obras com o mesmo caráter contracultural, nesse caso, seguiram até o final dos anos 1980, com o Brasil já em outro patamar político, social e econômico, portanto, recebendo outras abordagens por parte dos diretores. A queda da ditadura em 1985 foi um ponto definitivo para o enfraquecimento dessa toada narrativa e estética, uma vez que a ideia de afrontar o regime já não existia mais. Considerando abordagens mais expansivas, algumas classificações estendem exemplares do Cinema Marginal até 1989..

Filmografia
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Trailer do documentário Belair (Bruno Safadi e Noa Bressane, 2009).

Aqui podemos dizer que o longa À Meia-Noite Levarei Sua Alma (1964) e os curta-metragens Documentário (1966) e Olho por Olho (1966) são a antessala do Cinema Marginal, cujo verdadeiro início é aceito por muita gente como sendo o longa A Margem (1967), de Ozualdo Candeias. O fim, do movimento, para algumas pessoas, se dá em 1972, mas visões mais amplas sobre o tom e evolução ou mesmo degradação dessa temática estende historicamente o Cinema Marginal até o encerramento da década de 1980.


Primeira Fase: 1964 — 1969
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Cara a Cara (1967), As Libertinas (1968), Desesperato (1968), Doce Amargo (1968), Esta Rua Tão Augusta (1968), Hitler IIIº Mundo (1968), Lavra Dor (1968), Por Exemplo Butantã (1968), Jardim de Guerra (1968), Viagem ao Fim do Mundo (1968), América do Sexo (1969), A Mulher de Todos (1969), Contestação (1969), Cu da Mãe (1969), Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), Meteorango Kid:: O Herói Intergalático (1969), O Homem e Sua Jaula (1969), Venha Doce Morte (1969), O Despertar da Besta (Ritual dos Sádicos) e O Anjo Nasceu (1969).


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