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Entenda Melhor | A 1ª Era Davies: Vilões e Políticos Traumatizados

Um olhar para os antagonistas no revival da série.

por Rafael Lima
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Ainda que Russell T. Davies, em sua primeira passagem por Doctor Who, tenha lutado para não se tornar dependente do passado da série, ele nunca rejeitou este passado, com os Daleks, Cybermen, Mestre (John Simm) e Davros (Julian Bleach), os 4 grandes vilões da Série Clássica, tendo enorme destaque no revival. A Nova Série também não se limitou apenas ao quarteto de ouro de vilões clássicos, entregando novas abordagens para monstros tradicionais como os Sontarans e os Autons, além de  naturalmente dar as suas próprias contribuições para a galeria de vilões do Doutor. 

Muitos dos antagonistas criados para esta Era da Série possuem uma veia satírica muito forte que se comunica diretamente com temas políticos. Os Slitheen, uma família de criminosos intergalácticos que satirizam quase de forma escatológica as figuras políticas, são um ótimo exemplo. Assim como os Judoon, uma milícia de rinocerontes humanoides que representam o autoritarismo policial. Curiosamente, os vilões mais icônicos surgidos na 1ª Era Davies, os Weeping Angels não carregariam as suas marcas. É importante lembrar que Os Anjos são uma criação de Steven Moffat, roteirista cujos episódios que escreveu foram destaque neste período não só pela qualidade, mas por serem um contraponto à visão geral da Era Davies, algo com certeza aprovado pelo Showrunner. Mas justamente por fornecerem tal contraponto é que os episódios de Moffat nem sempre são os melhores episódios para se analisar a Era Davies, apesar de sua popularidade — o que, neste caso, inclui os Weeping Angels.

Mas é no trato dos Vilões Clássicos que vemos como a visão de Russell T. Davies para a série evoluiu ao longo do tempo. Quando reintroduz os Autons em Rose, o show demonstra querer dar motivações mais enraizadas para esses monstros, com eles não são sendo mais meros conquistadores intergalácticos, mas sim refugiados da Guerra do Tempo, que tiveram o seu mundo destruído na luta entre os Daleks e os Time Lords. Essa nova abordagem dos alienígenas de plástico, cujas motivações são construídas pelo trauma de guerra, daria o tom de boa parte dos principais  vilões da 1ª Era Davies. 

Essa abordagem também se faz presente nos Daleks, os arqui-inimigos do Doutor. Davies reimagina os Guerreiros de Skaro, dando-lhes motivações que vão além do fascismo eugênico presente em suas aparições na Série Clássica. Os Daleks nesta era são uma espécie em extinção tão traumatizada pela guerra quanto o próprio Doutor, e que estão lutando contra a própria extinção. Mas o interessante é que episódios como Dalek ou Evolution of The Daleks coloca essa luta contra a extinção em constante conflito com a resistência que esses seres têm de abraçar o novo e o diferente devido a sua destrutiva cultura de pureza racial. Ainda que tal abordagem dos vilões acabou se tornando repetitiva nos primeiros cinco anos de Davies a frente do show, tal conflito deu aos guerreiros de Skaro uma profundidade que eles não tinham na Série Clássica, ampliando os aspectos políticos que sempre os cercaram ao trazer o trauma para a equação. Para tornar esse senso de drama ainda mais presente, a série fez um longo trabalho para tornar os Daleks figuras realmente assustadoras, desconstruindo muito dos elementos ridículos em torno deles para torná-los mais sérios enraizados.

Quanto aos Cybermen, Davies optou por não lidar com o confuso background dos personagens, reintroduzindo-os como humanos de um mundo paralelo, portanto, não os mesmos Cyberman da Série Clássica. O produtor descarta a metáfora anticomunista da origem clássica, para esta espécie, e torna-os vítimas da dependência tecnológica em um plano de dominação armado por um magnata industrial. É curioso que essa origem dos Cyberman pareça mais atual agora do que em 2006, quando o arco The Rise of The Cybermen/The Age Of Steel, que reintroduziu os monstros, os reapresentou ao mundo, já que nossa dependência tecnológica é muito maior. Nesse contexto, a Era Davies se esforçou para tornar os androides mais assustadores, e ao mesmo tempo mais simpáticos, pois eles não eram mais o outro estrangeiro como na Série Clássica, mas nós mesmos, já que qualquer um poderia ser Cyber convertido, um conceito que já existia, mas aqui está presente desde a primeira aparição desses monstros.

E então temos o Mestre. Quando reintroduziram o Mestre, Davies e o ator John Simm (que assumiu o papel de Derek Jacobi após uma curta aparição) deram ao vilão uma persona sádica baseada no humor sombrio que se tornou referência nos retratos seguintes do personagem. Usando o conceito narrativo do espelho sombrio que originou o Mestre na Série Clássica, Davies traria o vilão valendo-se de versões corrompidas dos ethos do Doutor, desde uma versão mortal da Chave de Fenda Sônica (a Chave de Fenda Laser), até uma relação abusiva com uma mulher que funciona como um reflexo distorcido da relação do Doutor com suas Companions. Assim, se o trauma constrói o Doutor de Davies, é natural que o trauma construa o Mestre também. Tal como o Doutor, O Mestre é um veterano de guerra traumatizado, mas o que marca a leitura de Davies sobre o vilão é dar como origem para a sua loucura um trauma gerado por um abusivo ritual realizado pelos Time Lords quando ele era criança. Apesar de sua crueldade, o Mestre de Davies é um homem mentalmente doente, o que se reflete na postura empática do 10º Doutor em relação ao vilão, não só por ambos serem os últimos de sua espécie, mas por dividirem traumas.

Curiosamente, na 4ª Temporada, Davies têm um diálogo mais aberto com a Série Clássica, estando disposto a reconhecer os elementos ridículos de alguns desses vilões clássicos e se divertir com isso. Os Sontarans, por exemplo, passaram por um processo inverso ao dos Daleks, com o show reconhecendo elementos risíveis dos monstros que eram ignorados antes, dando-lhes uma aura cômica que se tornaria a identidade da espécie na Nova Série. Essa simplicidade nostálgica também se faria presente na reintrodução de Davros, onde Davies abraça o legado do vilão construído na Série Clássica, (mesmo referenciando o arco Genesis of The Daleks com o reencontro do maníaco com Sarah Jane) além de abandonar a construção das motivações mais enraizadas feita com vilões como os Daleks e o Mestre para apresentar um cientista louco que quer destruir o universo por que sim. Vemos nos trabalhos finais com vilões clássicos que Davies realizou ao fim de seu mandato, um produtor disposto a abraçar os aspectos farsescos desses personagens, depois de provar nos anos anteriores que poderia dar a eles uma abordagem mais séria e fundamentada, se assim o desejasse.

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