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Crítico | Negócio é Negócio

Verhoeven antes de ser Verhoeven.

por Ritter Fan
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Apesar de a estreia de Paul Verhoeven na direção de longas metragens tenha sido com um documentário feito para a TV sobre Anton Adriaan Mussert, político fascista que ajudou a fundar o Movimento Nacional Socialista Holandês, algo muito mais reconhecível como parte de sua filmografia, seu primeiro trabalho cinematográfico foi mesmo Negócio é Negócio, uma comédia de costumes leve sobre duas prostitutas no famoso Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã. Apesar de arranhar temas relevantes, sua abordagem é simplista, quase de conto de fadas, sem nem de longe chegar ao humor ácido e à sátira ferina que caracterizaria suas obras futuras.

Mas Wat Zien Ik, título original que, em tradução direta, significa “o que eu vejo?” ou “o que é isso?”, não é de forma alguma um début decepcionante, mesmo que o Paul Verhoeven que vemos aqui não pareça o que ele viria a se tornar não muito tempo depois, com seu filme seguinte, Louca Paixão e, especialmente, claro, Conquista Sangrenta, o longa que pavimentou a ponte para sua curta, mas célebre carreira hollywoodiana. A força de Negócio é Negócio vem principalmente de dois elementos, as atuações de Ronnie Bierman e Sylvia de Leur como, respectivamente, Blonde Greet e Neeltje “Nel” Muller, duas prostituas amigas que moram e trabalham no mesmo prédio no referido distrito “pecaminoso” e a forma natural, honesta, ainda que talvez levemente caricata, como Verhoeven aborda a profissão de prostituta como um todo.

Em grande parte, o longa é uma sucessão de esquetes cômicas e também não tão cômicas assim sobre as vidas de Greet e de Nel, a primeira focada em clientes que gostam de “jogos sexuais de faz de conta” e, a segunda, na relação com seu namorado aproveitador, abusivo e violento Sjaak (Jules Hamel). O humor vem das bizarrices que os clientes de Greet pedem a ela, seja fingir de morta, usar penas de galinha e cacarejar de acordo, fingir-se de cirurgiã, ou variações do tema sadomasoquista, com Nel por vezes ajudando na “brincadeira”. Esses quadros, que funcionam para ilustrar o cotidiano das duas, são intercalados com momentos mais sérios que lidam com Sjaak em um crescendo de violência, mas que Verhoeven enfrenta com uma linguagem condescendente, ainda que não sem consequências (leves demais, certamente) para o abusador. Novamente, é uma forma de lidar com o dia-a-dia dessas mulheres que não parecem ter saída fácil dessa vida, mesmo que queiram.

E é justamente a perspectiva de mudança que funciona como cola narrativa, como o fiapo de história que justifica o uso das esquetes que, de certa forma, emprestam ao longa uma sensação episódica. Primeiro é Greet que encontra um cliente que quer mais dela do que apenas uma relação envolvendo dinheiro, com o único “inconveniente” sendo o fato de ele ser casado. Depois, é a vez de Nel de encontrar alguém que lhe dá perspectivas fora do mundo que conhece. Como as duas reagem a essas possibilidades de mudança é que acaba sendo a real história e, mesmo que por vezes Verhoeven empreste um ar de conto-de-fadas realista (ou seja, é um Uma Linda Mulher desglamourizado e com os pés no chão), ele não perde de vista o encurralamento dessas duas vidas que estuda e, portanto, a dificuldade que é – pelas mais variadas razões – efetivamente deixá-las para trás.

Lógico que Ronnie Bierman e Sylvia de Leur são os grandes destaques, com Bierman criando uma personagem experiente que sabe jogar o jogo com maestria e De Leur construindo sua Nel com pitadas de inocência e de falta de autoconfiança e autoestima que cria um contraste forte com a madura Greet. Juntas, elas forma uma ótima dupla cômica que não desaponta por um segundo sequer e que tiram de letra desde momentos mais sóbrios, normalmente envolvendo os abusos sofridos por Nel, até os mais rasgadamente cômicos, como as duas e mais um cliente basicamente recriando um galinheiro no apartamento de Greet.

Negócio é Negócio não é um filme característico de Paul Verhoeven, seja pela temática, seja pela abordagem que ele dá a ela, mas o longa funciona tanto para nos brindar com a atuação da dupla principal, como para entregar uma visão sem firulas – mas ainda de certa forma idealizada – da vida de prostitutas e, claro, como a entrada de cabeça do cineasta em seu ofício depois de conseguir sucesso em suas empreitadas televisivas. E, claro, desde esse primeiro longa cinematográfico, percebe-se muito claramente que Verhoeven começou autoral e manteve-se fiel a essa característica, mesmo tendo tido a oportunidade de caminhar na sempre tentadora fronteira dos blockbusters de muito espetáculo, mas pouca substância, algo que ele até hoje se recusa a fazer.

Negócio é Negócio (Wat Zien Ik – Holanda, 1971)
Direção: Paul Verhoeven
Roteiro: Gerard Soeteman (baseado em romances de Albert Mol)
Elenco: Ronnie Bierman, Sylvia de Leur, Piet Römer, Jules Hamel, Bernhard Droog, Albert Mol
Duração: 90 min.

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