Ziegfeld – O Criador de Estrelas (1936) é um filme grandioso. Vencedor do Oscar de Melhor Filme, Melhor Atriz (para Luise Rainer, um prêmio definitivamente não merecido e que deveria ter ido para Carole Lombard, por Irene, a Teimosa) e Melhor Direção de Dança, para a estonteante — embora burocrática — sequência de A Pretty Girl Is Like a Melody, o longa de 3 horas de duração é a semi-biografia do famoso empresário da Broadway, Florenz Ziegfeld Jr.
A trama começa na Feira Mundial de Chicago, em 1893, onde conhecemos o protagonista, seu dispendioso modo de vida e a ânsia que tinha para se tornar um importante empresário no ramo do entretenimento. E o que ele tinha, naquele momento, era a atração “O Homem Mais Forte do Mundo“. Este homem era Sandow, que no filme é retratado como um bobão musculoso, mas que na vida real era um hábil homem de negócios, considerado o “pai do fisiculturismo moderno”, além de ser amigo de personalidades como o rei George V, Thomas Edison e Sir Arthur Conan Doyle. O roteiro faz de Sandow um pequeno idiota de bom coração para criar o caminho emotivo “correto” para Ziegfeld se destacar em cena, o que, em partes, funciona bem.
O tom do filme é grandioso do começo ao fim. O espectador se impressiona com o número de figurantes e os grandes cenários. À medida que Ziegfeld avança ou recua em sua jornada para obter sucesso como showman, percebemos que a história não tem pressa, algo que não incomoda no início, mas quando os números musicais começam a aparecer, é inevitável a sensação de que muitas cenas anteriores deveriam ser cortadas, o caminho dramático poderia muito bem ser mais dinâmico e os tais números poderiam ligar-se de maneira mais orgânica à história. Mesmo que o gênero aqui compreenda interrupções para danças e canções, o modo como isso acontece precisa estar em par com o andamento da história, o que não e uma realidade neste filme.
Em partes, entendemos muito bem o por quê isso aconteceu e admitimos que a culpa não é toda do diretor Robert Z. Leonard. Ela decai mais sobre o roteirista William Anthony McGuire e sobre o produtor Hunt Stromberg, que, cada um em sua área, pecaram pelo exagero. A MGM tinha a intenção de apresentar um grandioso espetáculo, quase como um desafio à Universal, que comprara da viúva Ziegfeld, em 1933, os direitos para a cinebiografia do empresário, mas interrompeu a produção e vendeu esses direitos à MGM. Para fazer jus à vida artística do protagonista, o estúdio não poupou esforços para a produção (embora o orçamento não tenha sido tão grande, especialmente diante da enorme bilheteria que o longa obteve), o que talvez tenha empurrado a trama para direção que é soterrada por clímax, algo que efetivamente cansa o espectador.
A essa mania de grandeza da produção soma-se a novela de McGuire, que nos parece ter escrito o roteiro como números isolados das Ziegfeld Follies e sem harmonia entre as partes. São tantos contrastes na concepção geral da obra que, quando o THE END aparece na tela, fica aquela dúvida se gostamos ou não do filme, algo que não é fácil julgar, acreditem. Mesmo que os números sejam longos demais e a grandeza sem um propósito dramático maior, não dá para ignorar, por exemplo, a já citada sequência do “bolo de casamento” chamada A Pretty Girl Is Like a Melody. No início da crítica chamei-a de burocrática, porque a câmera adota um ângulo básico, alterando sensivelmente os planos à medida que o “bolo” se revela, mas é só isso. Faltou inventividade da direção. Mas mesmo assim é uma sequência admirável, tanto na música quanto na encenação e direção de arte, e por isso mesmo perdoamos o diretor por filmá-la de maneira tão insossa.
A profusão desses números musicais — a maioria divertidos, mas como já dissemos, longos e desarmonizados com o filme — não chega a ser insuportável, mas atrapalha bastante, um obstáculo que também pode ser visto no elenco, no papel da atriz Luise Rainer, que tenta emular a Greta Garbo de Grande Hotel e parece estar fazendo mímicas engraçadinhas da icônica atriz. São poucos os momentos em que ela não parece estar lamentando ou agindo como uma criança mimada, o que é um pecado em três dimensões: do roteiro que configurou a personagem desse jeito, da direção que não apresentou outros caminhos, e da atriz que levou isso a um nível sofrível. De todo o elenco principal, ela é a mais insatisfatória. E, pasme, recebeu um Oscar por isso. Já sua contraparte, William Powell, faz um excelente Ziegfeld até na forma patética de morrer. Ele não está engessado em um único tom cênico, consegue representar composições diferentes para cada idade do personagem e entrega uma performance cativante e extremamente simpática, como deveria ser.
A mistura de drama, cinebiografia (ou semi-biografia, nesse caso) e musical fizeram de Ziegfeld – O Criador de Estrelas um daqueles filmes que atira para todos os lados e acaba acertando uma porção de alvos, mas deixa escapar alguns essenciais. O final da fita traz a interferência histórica da Crise de 1929, dando um caminho mais realista ao desfecho. Mesmo não sendo obrigatório ou um musical inesquecível, o filme tem sequências marcantes e com certeza fará fazer valer a sessão, mesmo que em um momento ou outro irrite profundamente o pobre espectador.
Ziegfeld – O Criador de Estrelas (The Great Ziegfeld) — EUA, 1936
Direção: Robert Z. Leonard
Roteiro: William Anthony McGuire
Elenco: William Powell, Myrna Loy, Luise Rainer, Frank Morgan, Fanny Brice, Virginia Bruce, Reginald Owen, Ray Bolger, Ernest Cossart, Joseph Cawthorn, Nat Pendleton, Harriet Hoctor
Duração: 176 min.