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Crítica | ZDM (DMZ) – Vol. 1: Terra de Ninguém

Observando a inexistência em meio a uma guerra.

por Ritter Fan
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DMZ, que foi publicada originalmente por aqui com a sigla de “zona desmilitarizada” em inglês mesmo, mas que, depois, ganhou republicação como ZDM, é uma HQ de Brian Wood em que o autor, claramente como uma crítica direta à Guerra do Iraque, que eclodia três anos antes, traz a história de uma população esquecida em meio ao fogo cruzado para o seio dos próprios Estados Unidos, transformando a ilha de Manhattan na referida zona que separa os EUA dos Estados Livres, em uma Segunda Guerra Civil Americana que, quando a história começa, já dura por cinco anos. O genial da ideia de Wood é trabalhar sua narrativa de maneira semelhante ao que Brian K. Vaughan fez em Y: O Último Homem, ou seja, transformando seu protagonista em, essencialmente, um observador, o que permite que o leitor muito rapidamente se sinta investido na narrativa.

Esse observador é Matthew “Matty” Roth, um estagiário de jornalismo que, graças às suas conexões, consegue um trabalho dos sonhos que ele mesmo não esperava: fazer parte da equipe de um renomado jornalista que fará a cobertura da zona desmilitarizada pela primeira vez para uma televisão dos EUA. Claro que a missão dá imediatamente errado e, com todos mortos ao seu redor, Matty precisa se virar sozinho em uma Manhattan em escombros, algo que ele inicialmente consegue graças à ajuda de Zee Hernandez, uma habitante local que ajuda seus pares com seus conhecimentos de medicina. De longe, a estrutura da história lembra um pouco Fuga de Nova York, com uma ilha cercada, perigosa, repleta de tribos, mas Matty não é nem de longe um herói de ação como Snake Plissken, mas sim alguém que decide permanecer por ali ao notar que tudo o que sabia sobre o local estava errado, passando a usar sua jaqueta improvisada e credencial de imprensa para tentar contar a verdade do que vê.

No primeiro arco, Terra de Ninguém, Wood usa o desnorteamento de seu protagonista para montar as peças e a geografia do universo que cria, com cada uma das cinco edições que o compõem mantendo Matty em constante movimento, cobrindo diversas situações diferentes que acabam funcionando como uma visão geral desse status quo hipotético. É, para todos os efeitos, uma “história de origem”, mas não uma preocupada em contar como o conflito começou ou quem Matty era antes de o vermos na primeira página já entrando no helicóptero que o leva para a ilha. A origem que menciono aqui é a da premissa da história, já que o que Wood faz é entregar ao leitor peças suficientes para que seja possível remontar mentalmente essa nova Manhattan, algo que também beneficia seu protagonista ao longo das várias semanas que passa por lá que transcorrem na forma de elipses claramente marcadas por talvez um pouco de didatismo demais.

Entre bombardeios impiedosos, histórias de amor à distância, horrores em hospitais de campanha e a redescoberta do Central Park, há de tudo um pouco aqui, sem um norte muito fixo a não ser o de criar o tal panorama geral que mencionei, missão que Wood cumpre com louvor. A arte, trabalho conjunto do próprio Wood com Riccardo Burchielli, é instrumento crucial para a narrativa funcionar. Com traços sujos, com aparência de inacabados, feições nos rostos dos personagens com poucos detalhes e visões gerais assustadoras da tão famosa cidade, os desenhos conseguem nos fazer imergir pelo que muito facilmente poderia seria a Síria nos dias modernos: destruição total e absoluta, mas que ainda abriga a vida humana que, no sofrimento, consegue se adaptar. E isso é muito importante, pois ZDM é tanto uma condenação veemente de guerras em geral e daquelas patrocinadas pelos EUA em particular, como também uma salva de palmas para a resiliência da humanidade que, contra todas as probabilidades, não se dá por abatida e cria vida onde só há morte.

Talvez por ser ainda o primeiro arco e talvez por sua natureza observacional, ZDM, em Terra de Ninguém, não nos apresenta a muitos personagens e os que são apresentados parecem mais alegorias ou estereótipos que representam determinados comportamentos e têm função clara dentro de cada pequeno arco. Até mesmo Matty deixa de ganhar desenvolvimento para além de sua determinação de permanecer ali para escrever e filmar o que vê, sem que sequer vejamos o fruto de seu trabalho. O arco todo, por assim, dizer, mesmo poderoso em diversos momentos, parece um tira-gosto do que está por vir que funciona em atiçar a curiosidade e o apetite por mais, mas falha como arco tradicional fechado em si mesmo ou até na apresentação da história macro para além da situação geral apresentada, seja a guerra no macro, sejam os esforços de Matty no micro.

Mas Terra de Ninguém, sem dúvida alguma, mostra grande potencial e consegue prender o leitor do início ao fim, seja pela curiosidade em ver mais dessa Manhattan em escombros, seja pela vontade de saber o que exatamente Matty pretende fazer com o que aprende em seu novo lar. E, é claro, fica a contemplação que Brian Wood deseja nos levar sobre as pessoas – inocentes ou não – que vivem quase que uma inexistência em meio a dois lados de um conflito que não lhes interessa e que eles não causaram. São os esquecidos sendo lembrados nem que seja um pouquinho.

ZDM – Vol. 1: Terra de Ninguém (DMZ – Vol. 1: On the Ground – EUA, 2006)
Contendo: DMZ #1 a 5
Roteiro: Brian Wood
Arte: Riccardo Burchielli, Brian Wood
Cores: Jeromy Cox
Letras: Jared K. Fletcher
Capas: Brian Wood
Editora original: Vertigo Comics
Data original de publicação: janeiro a maio de 2006
Editoras no Brasil: Pixel Media (como DMZ), Panini Comics (como ZDM)
Data de publicação no Brasil: setembro de 2009
Páginas: 132

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