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Com a volta do diretor Kenji Misumi à direção de um filme de Zatoichi (lembrando que ele dirigiu o primeiro longa da série, em 1962), temos também a oportunidade de ver o enredo mais disfarçadamente sombrio da franquia até o momento. Lute Zatoichi, Lute é daquelas produções que sabem mascarar, ou integrar de modo bastante orgânico, os encadeamentos mais tristes e mais sombrios possíveis, fazendo com que o protagonista viva situações para além da tristeza e da violência que o cercam.
Misumi entende que já passamos do momento onde o espectador precisa de todos os detalhes possíveis para justificar a perseguição a este simpático samurai errante (aqui também chamado de yakuza, que para o período histórico em que o filme se passa, refere-se à prática de jogos de azar). O roteiro dá algumas dicas sobre quem é Zatoichi, fazendo com que seja distinguido como massagista pelas roupas que usa e que muitas pessoas já tenham ouvido falar de sua excelência com a espada; mas não detalha em nenhum momento o motivo pelo qual um grupo de samurais o está perseguindo. Já na sequência de abertura, com uma procissão de cegos, entramos numa situação cômica à la “Eu sou Spartacus“, que voltará outras vezes ao longo do filme, mas que não perdurará por muito tempo.
O que vemos nesta oitava produção da série é um Zatoichi atingido em cheio pelo sentimento paterno e de proteção de um inocente, infelizmente vindo de uma grande tragédia. A mãe do bebê pelo qual ele se responsabiliza é morta pelo grupo de samurais que o estavam caçando. Eles cortaram caminho, não viram a troca de passageiros e acharam que era Zatoichi quem estava sendo transportado na cesta de kago. É o momento do filme onde o personagem ata um laço com o bebê e a partir de então temos todo o enredo voltado para esse contraste belo e preocupante entre um homem cego e caçado por um grupo cada vez maior de assassinos e sua ligação com a criança que deve levar até a casa do pai.
A montagem é o primeiro setor técnico que se destaca, tornando bastante suave a passagem do tempo interno e visualmente belas as transições. Isso faz com que aproveitemos muito mais o desenvolvimento do laço entre Zatoichi e o bebê, dupla que mais adiante recebe Oko (Hizuru Takachiho) uma ladra que acaba virando babá e também entra nessa beleza ameaçadora de sentimentos e laços humanos a envolver Zatoichi. A contagem de corpos no decorrer da obra é alta e por muitas vezes as lutas são realizadas com o bebê mal sendo colocado fora de perigo, o que gera momentos de grande tensão para o espectador. E dessa vez temos poucos daqueles momentos ridículos onde os movimentos, a coreografia de luta e a forma como os inimigos do protagonista caem no chão são imensamente artificiais.
Uma das sequências memoráveis da película está em sua reta final, com Zatoichi lutando dentro de um círculo de fogo. Os enviados de seus perseguidores seguram tochas acesas em torno do samurai cego, querendo confundir-lhe a audição. Eu tenho quase certeza que Shintarô Katsu se queimou de verdade durante as gravações dessa cena, mas o resultado visual dela é realmente inesquecível, assim como as composições que o diretor fez das paisagens. Em Lute Zatoichi, Lute, o humor doce de caráter infantil (será que Kazuo Koike se inspirou nesse filme para criar a cena de Daigoro fazendo xixi na cabeça dos samurais, em O Caminho do Assassino?) e o desenvolvimento do sentimento amoroso de Zatoichi em relação a um bebê se juntam à já conhecida fuga constante do personagem. E como sempre, termina fazendo com que ele se despeça de sua possibilidade de paz e amor, seguindo o seu caminho… sozinho.
Lute Zatoichi, Lute / Zatoichi #8 (‘座頭市血笑旅’ / Zatôichi kesshô-tabi) — Japão, 1964
Direção: Kenji Misumi
Roteiro: Seiji Hoshikawa, Tetsurô Yoshida (baseada em histórias de Kan Shimozawa)
Elenco: Shintarô Katsu, Saburô Date, Kôji Fujiyama, Tatsuya Ishiguro, Nobuo Kaneko, Yoshi Katô, Nobu Kawaguchi, Gen Kimura, Ikuko Môri, Shôsaku Sugiyama, Hizuru Takachiho, Toranosuke Tennoji, Teruko Ômi
Duração: 87 min.