Nesta edição comemorativa de Zagor, vemos o Espírito da Machadinha e seu fiel companheiro Chico reencontrar Guitar Jim, o jovem imprevisível recém-libertado da prisão do Forte Glory. Juntos, eles integram uma expedição liderada por Julio Ordonez, que parte rumo ao isolado Solitude Ranch para encontrar um suposto velho conhecido. A travessia é perigosa, pois a região está dominada pelos apaches, e Ordonez esconde suas verdadeiras intenções ao visitar esse misterioso indivíduo de um humilde rancho perdido.
A narrativa adota o tom de “feliz coincidência” sem comprometer a inteligência do leitor. Guitar Jim está apenas de passagem pela cidade, assim como Zagor e Chico, que há semanas tentam retornar à floresta de Darkwood. Esse reencontro é marcado por diálogos carregados de desconfiança, seguidos de momentos de confraternização e, surpreendentemente, um novo “ato de traição” do músico. A traição deixa Zagor enfurecido, embora sua reação ao descobrir que Guitar Jim o golpeou pelas costas pareça desproporcional e abrupta.
Embora a fúria de Zagor seja compreensível diante da traição de um amigo, sua mudança repentina de comportamento soa inconsistente. Por instantes, remete ao temperamento impulsivo visto em A Origem de Zagor, mas, agora, mais experiente, sua explosão parece não medir bem a gravidade do ocorrido, o que talvez nos mostre um lado diferente do personagem nessa fase da série (ou apenas nesta aventura), embora não me pareça uma escolha rigorosamente pensada pelo roteiro. Tal guinada na personalidade de Zagor é tão marcante que, por alguns quadros, o roteiro sugere, sem confirmar, algo como doping ou manipulação mental para justificar seu descontrole emocional.
Entendo a intenção de Guido Nolitta ao inserir Zagor e Chico na caravana de Ordonez sem que a iniciativa partisse dos protagonistas. Isso fica evidente quando Zagor encontra o grupo atravessando o território apache, em meio a uma feroz batalha contra os nativos. Surpreendentemente, é Chico quem traz a voz da razão, propondo um dilema sociopolítico ao Espírito da Machadinha: defender os nativos, que protegem seu território, ou os brancos, que atravessam a região com arrogância bélica, matando os donos originais da terra sem justificativa plausível.
Esse momento da história gerou tensão, confesso. Após a explosiva e estranha reação de Zagor anteriormente, sua decisão diante do dilema era incerta. Fiquei satisfeito com a escolha do personagem, que optou por uma postura moralmente coerente, embora as consequências não tenham sido favoráveis ao chefe indígena sequestrado. A culpa do assassinato, no entanto, não recaiu sobre o herói, preservando sua integridade narrativa.
O desfecho de Guitar Jim marca uma redenção moral para o músico amigo de Zagor e para o dono do rancho, cenário da batalha final. O velho assaltante decide ir a Oklahoma denunciar o governador eleito, revelado como assassino sanguinário. Apesar de arriscar anos de prisão por antigos assaltos a bancos, ele escolhe o caminho da justiça, pagando por seus crimes. A história simboliza uma “correção de caminhos” para todos, tanto moral quanto geograficamente.
Zagor #100: Guitar Jim (Il Mio Amico Guitar Jim) — Itália, 1973
No Brasil: Zagor n° 2 (Vecchi, 1978)
Roteiro: Guido Nolitta
Arte: Gallieno Ferri
Capa: Gallieno Ferri
130 páginas