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Crítica | Your Lie in April

Uma partitura com armadilha emocional.

por Davi Lima
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April

Os animes mais populares que chegaram ao Ocidente, principalmente antes do streaming Crunchyroll, sempre apresentavam mitologias, poderes e combates, a maioria shonen e dramas extensos, com fillers. O caso de Your Lie in April é bem diferente, sendo um drama adolescente, com personagens menores de 18 anos, que têm seus dramas pessoais como principal evento visual da animação, um apelo em comparação aos animes mais famosos no mundo ocidental – além da música clássica relevante para a trama. O diretor Kyōhei Ishiguro, que adaptou o mangá homônimo, desenvolve a obra de maneira didática e subdividida em arcos desproporcionais para acumulação emocional e ápices musicais. Em algum momento, isso soa contraditório com a mensagem geral do anime sobre o musicista para além da partitura, mesmo que ela seja a métrica para as apresentações musicais. April April April April April April April

O protagonista da história, Kosei Arima, é representado como herói do piano e célebre musicista, carregando um trauma em consequência desse sucesso. Mas esse é apenas o drama forte inicial, onde essa reação ‘heroica’ se subdivide em outro personagem que o idolatra como rival. A noção de célebre musicista volta a crescer em outros personagens, crianças que estão desenvolvendo a arte de tocar música clássica dentro do universo do anime. Esse exemplo é uma regra repetida a cada 4 episódios, com alguns esconderijos da direção para não facilitação esquemática do roteiro Takao Yoshioka. A sensação é que há recortes de uma música narrativa ao longo do anime, que insere novos personagens como se fossem faixas de uma edição de som.

Não há um progresso concreto e sim uma “formação de retrodição”, ou seja, a construção de um tempo histórico dentro da narrativa, estabelecendo uma espécie de profecia do passado, ou melhor, uma preparação constante para um futuro da saga. A profecia aqui é o final do anime, ajudando a formar algo mais emocional possível, não dando dicas que necessariamente isso vai acontecer. Claro, a iluminação da personagem Kaori – uma das personagens-chave, junto com o protagonista – se tornar mais fúnebre, o espírito livre de sua música não se importar com questões técnicas, e o anseio dela por conquistar um coração, especialmente de Kosei, trazem algo melancólico e muito doloroso para seja lá o que acontecesse na história. No entanto, esse lado mais harmônico do crescimento emocional e menos metódico se torna refém de uma fragmentação do enredo, quebrando a naturalidade da já explicada retrodição.

Organizando melhor a linha temporal, há pelo menos 3 conflitos que se colocam no ápice alegre e emocional. Vemos a personagem Tsubaki observando e descrevendo seu melhor amigo Kosei para pontuar um amor não exposto. Ao mesmo tempo, o amigo dos dois, chamado Watari, está namorando Kaori, fazendo os 4 personagens se relacionarem e criando dois triângulos amorosos, embora o bloco com Watari, Kosei e Kaori nunca se torne real, criando apenas o conflito de Kosei desanimado com a música e Kaori animando-o para um concerto. Puxando essa relação com a música, Kosei revela ao espectador constantemente o drama com a mãe, que forçava a tocar piano, e por isso, após a morte dela, não conseguia ouvir mais as notas musicais. Esse é o plano que instiga o espectador, tanto num realismo do drama quanto na contextualização musical.

A música clássica é um valor acrescentado à experiência de assistir ao anime, tanto pela maneira como é tratada, como por estar atrelada ao protagonista, criando uma identificação com as músicas de Bach e Beethoven. Verossimilhança é o que não falta. Até mesmo os amigos de escola e seus momentos com Kosei, Tsubaki, Watari, Kaori e Kashiwagi, levam o anime a subdividir ainda mais a narrativa após a apresentação de Kaori e Kosei. Existe a história de Tsubaki; dos pianistas concorrentes de Kosei desde a infância; de Nagi, irmã do Takeshi; de Hiroko, a amiga da mãe de Kosei que volta a ser mentora dele; e de Kaori – sem contar a criança violinista que aparece para falar mal de Kaori e ver as apresentações de Kosei.

Essa descrição parece muito boa quando se pensa no desenvolvimento de personagens. Entretanto, não há uma conjunção das subtramas, onde o anime se mostra assertivo por centralizar Kosei com cada drama dos personagens. Há um processo didático e constante da história que introduz os personagens demarcando os avanços no enredo, enquanto o primeiro ápice de Kosei, ao tocar com Kaori, termina o drama com a mãe com outro ápice, ajudado por Hiroko (quando ele toca piano sozinho numa apresentação de dupla). O segundo momento mais emotivo é quando a música Liebesleid (Love’s Sorrow) serve como desgarramento da imagem aterrorizante da mãe de Kosei. Ao mesmo tempo, Kaori não aparecer na apresentação é a retomada das memórias do trauma de Kosei, ao ver a amiga no hospital. Cria-se essas pausas muito enfáticas, tornando os ápices repetitivos, mesmo que o progresso do protagonista aconteça e seja dito por Hiroko que precisaria de uma nova catarse para crescer como pianista.

Nessas horas é que a dinâmica do roteiro dentro da animação dirigida por Kyōhei Ishiguro vai se mostrando mesquinha, pregando um flashfoward (indicação dos eventos futuros) verbal, mas preparando algum terreno para a retrodição. A reta final do anime, até o ápice da apresentação de Kosei com Nagi, se torna um emaranhado de retcons (mudanças de rumo narrativo e criando pontos de partida já engatilhados na história) em pouco espaço de tempo. Mais uma maneira de preparar a retrodição final que, com o tempo, vai se tornando um grande retcon.

O grande traço melancólico do anime é sobre a mãe de Kosei, mas isso é colocado nas mãos de Kaori. Ela tem uma trama macro em relação às micro tramas que se acumulam no último terço da narrativa, de forma que ela apareceu na vida de Kosei por ser namorada de Watari e amiga de Tsubaki, porém nunca se sabia como era a história de origem dela, apenas que era fã de Kosei e que os pais dela o idolatravam por isso. Parecia a contextualização dela, no entanto, as subtramas desproporcionais buscavam apontar para uma trama maior de Kaori igual para fazer o efeito de retrodição nos espectadores e em Kosei. O evento trágico é rápido, mas o momento doloroso de não se atentar a história de Kaori na vida de Kosei é que é o ápice final.

Your Lie in April acaba tornando seu lado emocional forte, no entanto, estranhamente como uma reforma punitiva em pessoas que assistem. O arrepio e o choro são reais, mas as artimanhas da elaboração audiovisual, especialmente pela didática da narrativa, provocam um senso dramático bem feito e pouco honesto. A provocação faz parte da imersão no modo de vida de Kosei, mas isso não esconde os métodos de partitura para fazer a música do anime, muito menos libertando emocionalmente do roteiro em constante retcon nos atos finais. Se por um lado há algo muito interessante em propor um padrão, algo semelhante à música clássica e estudo sobre música, os leitmotifs tornam o tema uma mentira bonita, não algo belo que se acrescenta o leitmotif para tornar memorável. 

O efeito do anime é inegável, mas o realismo e as associações com música são apenas dicas de uma linguagem narrativa preparando um quadro, uma figura na última imagem ilustrada por Kazuya Iwata para fazer o espectador sentir dor de uma mentira contada na primavera, torná-la bonita na ambiguidade de subestimar nossa inteligência. Uma obra boa, bem arranjada na partitura, formando uma armadilha emocional duvidosa, mesmo que funcional.

(Esse texto é uma leve homenagem ao meu melhor amigo e mais antigo Pedro Plutarcho, que me indicou o anime)

Your Lie in April (Shigatsu wa kimi no uso /四月は君の嘘/) – Japão, 2014-2015
Criador por: Naoshi Arakawa
Diretor: Kyōhei Ishiguro
Roteiro: Takao Yoshioka
Elenco: Natsuki Hanae, Risa Taneda, Ayane Sakura, Ryôta Ôsaka, Erika Harlacher, Amanda Céline Miller, Erik Scott Kimerer, Julie Ann Taylor
Duração: 510 min. (22 episódios)

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