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Crítica | YãmĩYhex: As Mulheres-Espírito

por Michel Gutwilen
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A presença indígena no Cinema Brasileiro não é uma novidade. No longínquo ano de 1916, quando a sétima arte ainda se estabelecia no mundo, o militar brasileiro Luiz Thomas Reis filmou Rituais e Festas Bororo, durante a missão de Cândido Rondon. Ou seja, nos primórdios cinematográficos, a captura dos indígenas se deu sob os olhos do Outro, de maneira um tanto afastada (muitos planos fixos e gerais), mas também curiosa (o interesse em captar as atividades costumeiras e rituais da tribo). Passaram-se 104 anos e o cenário mudou. Há de se falar agora em um Cinema Índigena, propriamente, no qual os seus pares captam-se a si mesmo na película. Portanto, as intenções também mudaram. Não mais é uma filmagem cujos fins residem em uma captura movida pelo desejo em registrar o desconhecido-exótico e depois exibi-lo na cidade grande, mas uma gravação que, desde o momento de sua realização, já carrega uma resistência inerente a ela. Quando o ato de filmar é também uma preservação cultural, uma manutenção consciente das tradições de um próprio povo. Neste contexto, surgem Sueli Maxakali e Isael Maxakali com o filme YãmĩYhex: As Mulheres-Espírito.

A bem da verdade, independente de ser filmado por um estrangeiro ou um nativo, a presença dos rituais nativos é uma constância em obras que envolvem indígenas. Existe uma corporalidade dentro dessas performances que são muito propícias a serem capturadas por uma câmera, pois simples gestos ganham um simbolismo muito forte. A diferença, porém, é o modo como este tipo de acontecimento é filmado. Neste sentido, afastando-se de uma imobilidade do estrangeiro, é possível sentir uma leveza na câmera, uma liberdade no filmar que quer integrar aquela brincadeira, como na cena do “pega-pega”. Portanto, não é um registro, mas uma vivência do próprio ritual. Contudo, isto não quer dizer que exista uma primitividade ou falta de compromisso com a mise-en-scène. É impossível dizer que Sueli e Isael não possuem uma sensibilidade artística quando, durante uma parte do ritual na qual as pessoas pulam abraçadas, decupam a cena com planos-detalhes nos pés, que se mexem em sincronia enquanto a montagem está no ritmo da própria música diegética. Além disso, há uma alternância entre realidade e encenação (a cena inicial, por exemplo) que demonstram toda uma sofisiticação narrativa por parte das diretoras.

Uma vez que estamos falando de um Cinema Indígena, feito por eles, não são concedidas todas as explicações para os rituais que estão acontecendo. Em um determinado momento de cantoria, o filme, que é todo falado em língua nativa e legendado, não cede a tradução. A explicação? “Não ensinem este canto para os brancos”, diz o pajé.  E não há egoísmo nisso, afinal, que obrigações estas pessoas possuem com a gente? Sob um outro ponto de vista, esta falsa omissão se transmuta em um convite. Mais do que informações mastigadas por uma fala didática, somos convidados a enxergar este povo, a procurar significações nas imagens e nos simples gestos que vão se desenrolando. Ou, não dar significado nenhum, apenas sentir. Até por isso, a liberdade da câmera e a proximidade dos corpos possui papel crucial neste tipo de empatia gerada através da imagens. Pois, se a palavra falada nunca é suficiente para traduzir gestos e significados regionais ou locais, a Imagem é universal — uma corrente que está presente desde os primórdios do cinema, como postulado por John Grierson. 

YãmĩYhex: As Mulheres-Espírito — Brasil, 2020
Direção: Sueli Maxakali e Isael Maxakali
Duração: 76 mins.

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