James Cameron é o mais velho de cinco irmãos de uma família canadense que pulou de escola em escola entre Canadá e Estados Unidos, depois matriculando-se em uma escola técnica para estudar física, trocando em seguida para Inglês e, em 1974, largando tudo para trabalhar nos mais variados empregos, incluindo caminhoneiro, enquanto rascunhava roteiros e estudava Cinema por contra própria com livros obtidos em bibliotecas públicas. Sua decisão firme em tentar carreira no audiovisual veio com o lançamento de Guerra nas Estrelas, em 1977, o que o levou a usar um mecanismo fiscal para convencer um consórcio de dentistas a emprestar-lhe 20 mil dólares para uma produção cinematográfica.
Nascia, então, o curta Xenogenesis, de apenas 12 minutos, filmado com seu amigo Randall Frakes quase que integralmente na sala de seu apartamento com conhecimento de redação de roteiro, direção, efeitos especiais e tudo mais que fosse necessário para materializar sua ideia a partir do que ele conseguira aprender sozinho, na base do conhecimento adquirido enquanto se faz aquilo que se quer conhecer. Para esticar ao máximo o parco orçamento, o curta-metragem usa imagens estáticas para estabelecer seus protagonistas, Raj (William Wisher Jr.), uma espécie de ciborgue fabricado para evitar o apocalipse, e Laurie (Margaret Umbel), uma mulher criada por uma máquina e a única a conhecer o poder do amor (seja lá o que isso signifique). A dupla encontra uma nave ancestral à deriva e são atacados por um robô que usa esteiras para se locomover e que logo arremessa Raj na beira de um precipício onde ele fica o restante da minutagem, cabendo à Laurie lidar com a ameaça.
Olhando em retrospecto, é possível perceber, sem nenhum esforço, apenas com a sinopse, que Xenogenesis é mesmo a gênese do James Cameron que conhecemos, já que todas as suas marcas estão presentes no curta. Temos, de início, sua predileção por heroínas, com Laurie sendo a predecessora tanto da versão Rambo (cujo segundo filme foi, temos que lembrar, co-roteirizado por ele) de Ellen Ripley, em Aliens, O Resgate quanto de Sarah Connor em O Exterminador do Futuro e O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final. Raj, claro, é a semente do próprio ciborgue enviado do futuro que ele, depois, sonharia na forma mais próxima da final durante sua viagem para a Itália para promover Piranhas 2: Assassinas Voadoras. O robô que ataca a dupla é, visualmente, o mesmo tipo de máquina do futuro usada pela Skynet para terminar de exterminar a humanidade, com sua animação em stop-motion sendo exatamente do mesmo estilo usada no primeiro longa da franquia estrelada por Arnold Schwarzenegger.
E vou além. A estrutura de ação de Xenogenesis é uma versão ultra-econômica e, portanto, muito rápida, do que Cameron viria a desenvolver não muitos anos depois, alcançando o ápice talvez agora, em 2022, com Avatar: O Caminho da Água. Também não seria exagero afirmar que os 12 minutos do curta tem efeitos práticos e óticos muito cuidadosos e chamativos para algo feito com praticamente dois clipes, uma goma de mascar e um barbante, já mostrando o tipo de engenhosidade visual que o cineasta viria a usar em Terminator, proporcionalmente também um longa de baixo orçamento que poderia muito bem ser considerado trash e fim de conversa.
Claro que o filmete é só isso mesmo, um esboço razoavelmente coeso (com boa vontade) de uma miríade de ideias de alguém que aprendeu seu ofício – ou, ao menos, os rudimentos dele – na marra, sem se beneficiar de dinheiro do pai ou de escolas de cinema, mostrando que talento e esforço precisam mesmo andar de mãos dadas na maioria das vezes. Falta ao roteiro, porém, um começo e um fim, com o que vemos mais parecendo o núcleo do que ele queria mostrar, ou seja, a luta entre Laurie e o robô malvado, ainda que o resultado final tenha servido a seu propósito duplo de ser uma escola prática e um cartão de visitas para James Cameron apresentar-se ao mundo cinematográfico, o que, como sabemos, deu muito certo, com ele sendo contratado como assistente de produção (mais conhecido como faz-tudo) em Rock ‘n’ Roll High School e, depois, chamando a atenção do grande descobridor de talentos Roger Corman, que o levaria a cair de paraquedas na direção do já citado Piranhas 2. E o resto, como se diz, é história.
Nem todo mundo consegue sucesso no competitivo e extremamente político mundo cinematográfico, especialmente o da variedade hollywoodiana, mas todo mundo tem seu começo e o de James Cameron teve meros 12 minutos que moldaram sua ideias e, mais do que isso, pavimentaram seu brilhante e bilionário caminho por monstros alienígenas, máquinas assassinas, a superfície e o fundo do mar e, claro, Pandora. Nada mal para um caminhoneiro canadense autodidata que convenceu dentistas a investirem nele, não é mesmo?
Xenogenesis (Idem, EUA – 1978)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron
Elenco: William Wisher Jr., Margaret Umbel
Duração: 12 min.