- Há spoilers.
Chega a ser irônico que os X-Men tenham sido criados tendo em mente a forte crítica contra a segregação racial, mas sempre serem tratados pela Marvel Comics de maneira substancialmente segregada, com eventos e sagas próprios que pouco se misturam com os heróis não-mutantes da editora. Claro que há exceções como a saga Vingadores vs X-Men e a participação de determinados mutantes dentro de sagas fora do seio específico dos portadores do gene X, mas o núcleo mutante da Marvel sempre foi abordado separadamente, o que não é necessariamente uma crítica, apenas uma constatação.
Em 2012, como parte da reformulação dos títulos da editora, Brian Michael Bendis teve a excelente ideia de fazer o Fera, basicamente para dar uma lição de moral no Ciclope e demais colegas nervosinhos, voltar ao passado e trazer de lá os cinco X-Men originais, em começo de carreira. Com isso, as versões adolescentes do próprio Fera (antes de ganhar pele e pelos azuis), além de Ciclope, Garota Marvel, Homem de Gelo e Anjo, este ainda com asas de pena, foram arrancados de sua linha temporal e usados como a demonstração viva dos ideais puros de Charles Xavier. Mas o que era para ser transitório tornou-se permanente e os cinco se recusaram a voltar quando conheceram suas contrapartidas extremamente modificadas do futuro deles, nosso presente, pois queriam saber mais para justamente poderem evitar esse futuro/presente.
Nesse meio tempo, o Bobby Drake adolescente “saiu do armário”, Anjo ganhou “asas cósmicas” (acho que ninguém na editoria da Marvel acha viável um herói que é substancialmente um passarinho…) e o time se dividiu e juntou de acordo com as fases da Lua. Se a mixórdia temporal com os X-Men “velhos” já era insolúvel, a adição de suas versões com espinhas na cara só veio adicionar ao problema, mas de uma forma que, no agregado, diria que foi positiva. Corta para 2018 e temos um evento simultâneo a Guerras Infinitas (exclusivo dos heróis não-mutantes) focado nos cinco heróis mutantes deslocados no tempo. A ideia, segundo o anunciado, seria reverter esse quadro e mandá-los de volta à sua era, algo que, obviamente, não será tão simples assim.
A primeira edição do evento chega a ser um pouco frustrante para quem, como eu, acabou de ler as edições iniciais de Guerras Infinitas, pois, estruturalmente, as histórias começam praticamente iguais. Há mortes “chocantes” e um personagem encapuzado misterioso, só para começo de conversa. Além disso, a previsão apocalíptica do “fim do infinito”, que aparece em Guerras Infinitas, é refletida, em Extermínio, em mais um futuro distópico em que todos os mutantes foram mortos (sim, podem rolar os olhos…). A criatura encapuzada, então, tem como objetivo impedir esse futuro e, para isso, de alguma maneira os cinco mutantes adolescentes têm que estar envolvidos.
Nesse meio tempo, outra ameaça aparece que pode ou não estar ligada com esse futuro: Ahab. É ele o responsável pela primeira morte da revista, a de Tormenta (Bloodstorm), versão vampira de Tempestade vinda de outra realidade. Sua presença no começo da história é tão gritantemente deslocada que a estaca que atravessa seu peito é telegrafada desde o primeiro quadro em que ela aparece.
O roteiro de Ed Brisson usa a técnica de guerra do “shock and awe” e marreta evento bombástico atrás de evento bombástico e esquece de contar uma história que vá além de um colcha de retalhos que parece de longe ter alguma estrutura. Afinal, não demora e Cable é introduzido na equação e, surpresa, surpresa, ele também é morto — e da maneira menos inspirada possível, chegando até a ser desrespeitosa com o personagem –, mas desta feita não por Ahab. O assassino é o tal personagem encapuzado que, na última página é revelado como o próprio Cable, só que mais novo, mais magro e aparentemente sem o vírus cibernético (ou tecno-orgânico, para quem leva esses detalhes a sério).
A reviravolta final não deixa de ser interessante e decididamente é capaz de levantar a sobrancelha de curiosidade. É, diria, uma bela isca que Brisson joga ali em seu texto bem lugar-comum que força o leitor a voltar para a próxima edição, mesmo que seja para se frustrar (mas torço que não!) e para ver mortos sendo revividos antes que sequer seus corpos esfriem (não no caso de Tormenta, mas vocês entenderam, não é?).
A arte de Pepe Larraz quase que consegue driblar completamente as armadilhas que a sofreguidão de Brisson cria, com uma enorme profusão de personagens e histórias que apenas tangenciam. Digo quase, pois, apesar de ele ter bom comando da progressão dos quadros e páginas, volta e meia ele torna a ação complicada de entender. Mas seus traços são fortes e bonitos, com belas definições de rostos e corpos, além de splash pages bem colocadas.
Extermínio tem um começo pouco inspirado que quer chocar mais do que contar uma história. Mas a fórmula de viagem no tempo + futuro apocalíptico + adolescentes perdidos costuma casar muito bem com os X-Men e é possível entrever potencial entre uma pseudo-surpresa e outra. Só o tempo dirá se Brisson quer mais do que fazer um evento meramente passável.
Extermination #1 (EUA, 15 de agosto de 2018)
Roteiro: Ed Brisson
Arte: Pepe Larraz
Cores: Marte Gracia
Letras: Joe Sabino
Editoria: Darren Shan, Jordan D. White
Editora: Marvel Comics
Páginas: 34