16 Anos de Bryan Singer
Na direção, temos o retorno do eloquente Bryan Singer que prova, mais uma vez, como tem tesão em dirigir os filmes do grupo superpoderoso. Já é clara a pegada distinta dos filmes MCU logo nos primeiros minutos de projeção. É impossível não vibrar com a cena inicial que apresenta Apocalipse no Egito antigo se preparando para um ritual de transferência de consciência para um mutante que tem habilidades regenerativas conferindo a imortalidade desejada pelo vilão.
A ação é visceral, o golpe que logo seria apresentado é enquadrado por planos sutis dentro da montagem orgânica. E, enfim, vemos violência gráfica intensa. São soldados e mutantes prensados por rochas gigantescas, sendo derretidos, desintegrados, incinerados e até mesmo quebrados inteiramente até virarem uma bola de carne e ossos. Confesso que o choque inicial foi tão intenso quanto a morte dos heróis para os Sentinelas em DOFP. Então, logo após essa sequência intensa, somos presenteados com a melhor vinheta animada que apresenta o nome do longa.
Singer traz um panorama da História da humanidade desde o Egito antigo para traduzir o tempo que Apocalipse fica adormecido. Passamos pelo império Romano, a Paixão de Cristo, o Renascimento, a invenção da economia moderna, o republicanismo, a exploração das ferrovias, as Guerras Mundiais e o aprimoramento da aviação, a ascensão e queda do Nazismo e a permanência do Comunismo para enfim chegar na Paz Atômica. Tudo isso acompanhado do tema clássico e viciante que foi apresentado em X2 como tema musical do grupo mutante. É uma das marcas autorais de Bryan Singer para a franquia. Inegável dizer que não funciona.
No geral, Singer continua tratando a forma cinematográfica com afinco artístico notável. Peço perdão aos fãs do MCU, mas Singer leva o visual de seu filme muito a sério – algo mantido de Dias de um Futuro Esquecido com o retorno do diretor de fotografia Newton Thomas Sigel. Esqueça a concepção artística chapada e estéril que conferimos em Deadpool ou Guerra Civil e até mesmo os tons dessaturados e monocromáticos de BvS. O que impera em Apocalipse é a cor saturada, as altas luzes e a personalidade fotográfica algo que glorifico de pé, pois tendo estudado o campo da cinematografia com afinco, é muito decepcionante ver tantos filmes do gênero tratando esse setor da arte cinematográfica de modo nada inspirado.
Logo, de longe, temos um dos filmes de heróis mais carregados de simbologias vindas pelas cores neste ano. Os momentos não são seletos, mas me limitarei a três. O primeiro deles se dá durante o sonho premonitório de Jean que é relacionado com o despertar de Apocalipse. Tanto Jean quanto Xavier são iluminados por uma forte luz azul, indicando já que o vilão teria ampla dominação dentre os mutantes, incluindo em sua própria casa. Algo que se prova acertado já que a Mansão X é destruída em decorrência da invasão da trupe maléfica no Cerebro.
Depois, quando Magneto pretende fugir da Polônia com sua mulher e Nina, sua filha, temos novamente o uso inteligente do contraste amarelo com o azul – o fotógrafo aposta muito nesses tons já muito consagrados para tornar as metáforas visuais eficientes. O quarto onde Erik junta as coisas na mala recebe luz amarelada indicando um falso sentimento de segurança enquanto Fassbender leva uma suntuosa luz principal azulada com sombras muito bem modeladas. Aqui, já indica os rumos sombrios que atingirão o personagem em poucos momentos quando o policial mata sua família – pontos pela condução sensacional de Bryan Singer na decupagem dessa cena, colocando com sutileza através de um slow motion para denotar o descuido e distração do homem que dispara a flecha. A mesma luz azul que permeia o rosto de Fassbender também é compartilhada no quarto deserto de Nina. Na floresta, os tons coloridos morrem para darem lugar ao cinza granulado opaco.
Por fim e, talvez, o mais significativo se dê com o primeiro contato de Xavier com Magneto através do Cerebro. Novamente o núcleo antagonista está no mesmo armazém de Arcanjo. O fotografo, brilhantemente, usa exatamente a mesma configuração do jogo de luz. Diversos pontos azulados azimutais que preenchem o espaço inteiro, menos em um ponto, usando a contraluz bem forte, amarelada de um Fresnel praticamente colocado no chão. Quando Xavier chama Magneto, ele vira para a luz amarelada que ilumina seu rosto indicando a fagulha de esperança que o professor representa, tentando salvar seu amigo da escuridão azulada que preenche Apocalipse e seus cavaleiros. Ao fim da dialogo, Magneto dá as costas para a luz amarela, Xavier, e passa a receber a luz azul lúgubre como key light. Ali, toda a esperança de persuadir o velho amigo a mudar de lado morre com a escolha pessimista de Magneto.
Como havia dito, não é somente através do contraste amarelo-azul que o Singer e o cinematografista conseguem elaborar fortíssimas metáforas visuais. O uso demarcado da contraluz “divina” é presente em diversas cenas com Apocalipse entre outros tantos recursos.
Já sobre decupagem geral, não há o que reclamar. Singer movimenta a câmera com elegância, cheios de enquadramentos sempre bem compostos elaborando até mesmo alguns planos holandeses que funcionam perfeitamente para apresentar Jean Grey no clímax psicológico entre Xavier e Apocalipse. O eixo da câmera se estabiliza assim que a telepata entra em cena, já indicando os maus lençóis que o vilão estaria em poucos instantes. Aliás esse clímax que se passa na Mansão X imaginária é uma das poucas ideias verdadeiramente originais neste Apocalipse. Um confronto emblemático que se explica por si só. Ai de quem for procurar briga na escola de Professor Xavier. Dito e feito.
Aliás, é isso que separa Singer dos pequenos para os grandes diretores audiovisuais. Sabendo da megalomania que seu filme traz intrinsicamente, ele sabe criar momentos verdadeiramente épicos. A já comentada introdução e vinheta são colheres de chá perto do que ele faz novamente com Mercúrio em uma cena típica do “maior e melhor”. A sequência do sequestro de Xavier que culmina na explosão da escola é interrompida no melhor timing possível para vermos outra vez o velocista fazer graças e salvar o dia com sua supervelocidade. Singer explora mais situações cômicas, movimentos de câmera mais interessantes, elabora planos-sequência complexos, além de escolher outra canção que encaixa como uma luva para colorir a ação: a clássica oitentista do Eurythmics, Sweet Dreams.
A sequência é tão fantástica que certamente te deixará num êxtase que dificilmente ocorre com frequência no cinema. Mesmo sendo uma repetição de algo que já havia nos deixado boquiabertos em Dias de um Futuro Esquecido com a junção tão perfeita de técnicas cinematográficas e efeitos práticos e digitais, é impossível permanecer indiferente. Só de comentar aqui já me deixa com vontade conferir novamente o trabalho realizado com maestria. Não só a coreografia é animal, mas também por ser muito divertida. De longe, está na minha rigorosa seleção de melhores cenas do ano.