Magneto e a Memória
Após tantas obras, é difícil criar algum ineditismo para o sofrido personagem, porém os roteiristas têm sucesso em Apocalipse. Apesar de ser um núcleo previsível, telegrafado, é interessante ver a nova identidade de Magneto convivendo em paz com sua família nas entranhas da Polônia levando o modo de vida menos destrutivo que Xavier pregava desde Primeira Classe. Obviamente, a família dele morre, acidentalmente, despertando o latente rancor e ódio que ele sente pelos homens. Ao questionar Deus sobre sua verdadeira natureza, eis que surge Apocalipse com a resposta. É um jogo tão bem feito quanto o da traição que a divindade sofre. Simples e bem pensado. Aliás, é ótimo notar que o vilão não ativa fisicamente o verdadeiro potencial de Magneto, mas apenas direciona sua concentração. Eis que temos a versão mais forte, perigosa e ameaçadora do mutante até agora.
Além disso a simbologia da destruição de Auschwitz é intensa. Ao destruir o maior memorial do sofrimento judeu na História, Magneto põe em prática a velha máxima de Edmund Burke: “o povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la”. Isso é a essência da concepção do personagem desde os quadrinhos que foi tão maravilhosamente adaptada e desenvolvida ao longo de seis filmes. Um rapaz que sofreu com os horrores da intolerância e genocídio para se transformar exatamente no que mais repudiava – apesar do vilão oscilar no seu nível de carnificina, o discurso permanece.
Nisso há a origem dos pontos positivos do roteiro. Essa nova trilogia que virá, pelo jeito, caminhará por rumos muito diferentes do que vimos na primeira. Tudo graças aos eventos de DOFP. Agora nessa realidade paralela, os mutantes não sofrem tanto com o preconceito, apesar de ainda existir, velado. Os vilões passam a trabalhar para o bem. E o drama trágico se esvai quase que completamente. Certamente é uma faca de dois gumes, pois direciona a franquia para terrenos amistosos e mais seguros.
Kinberg trabalha com menos personagens com a intenção desenvolvê-los de ponta a ponta com qualidade narrativa. Nisso temos: Mística, Xavier, Magneto, Jean Grey e Scott. Logo fica mais simples de analisar o texto. Personagens secundários são tratados como tais. Às vezes como conveniências de história com Moira McTaggert ou como instrumentos de soluções rápidas através de Noturno, Fera e Mercúrio – também alívios cômicos.
Para conseguir estabelecer isso com firmeza, o roteirista investe muito tempo de desenvolvimento até mais da metade do longa – a história somente acelera após a majestosa corrida de Mercúrio na Mansão X. Logo, as cenas de ação acabam seletas destinadas mais para a metade do segundo e terceiro atos. Por se tratar de um grupo multi protagonista, Kinberg consegue equilibrar bem o tempo de tela de cada um para criar suas interessantes histórias individuais.
Com Mística, vemos ela trabalhar para salvar mutantes que vivem em condições sub-humanas enquanto reluta em aceitar que tenha virado um símbolo de esperança e inspiração para seus semelhantes. Já que nunca matou Trask, é coerente que ela sofra a catarse final e finalmente abrace sua identidade benevolente, porém, também conseguindo mudar a opinião de Xavier a respeito da ressurreição do projeto X-Men. Realiza seu sonho de preparar mutantes para a luta com a aprovação do Professor X.
O de Xavier é relacionado diretamente com o de Magneto, pois se trata enfim da conclusão do desdobramento visto desde Primeira Classe. Amigos de ideologias distintas que voltam a se respeitar e conviver após a redenção catártica de Magneto que rende um momento que é brega e bonito ao mesmo tempo. Além disso, há alguma evolução no núcleo romântico com Moira, além de vermos seu grande companheirismo e compreensão com seus alunos.
A diferença central de Xavier de James McAvoy para o de Patrick Stewart se faz clara nesse filme, após ele entender a necessidade de preparar os mutantes para a luta, já que Apocalipse traz uma batalha onde pouquíssimos estão preparados para agir sob pressão, além de não saberem lidar com a responsabilidade vinda com seus poderes. Nisso, a catarse de Xavier se dá em compreender o discurso de Magneto replicado por Mística, de não controlar os poderes, de usá-los para o combate. Ao meio do filme, há até um espelhamento com Apocalipse no sentido dele procurar o melhor para os mutantes e em acreditar nos seus poderes.
A síntese disso tudo se dá em dois momentos. Pela primeira vez vemos um Professor X declamando em alto e bom som para Jean Grey liberar a plenitude de seu poder perigoso da Fênix. Antes disso, também ordena a destruição completa de Cerebro para Destrutor quando o aparelho fica comprometido por Apocalipse.
Por isso há esse misto de repetição no conflito de Jean por mais que sua conclusão seja diferente da vista em X2 e X3. Os pesadelos premonitórios, o medo crescente de seu poder sombrio incontrolável, os diálogos com Xavier estão presentes aqui mais uma vez. Porém ver a personagem ser tratada com preconceito pelos próprios colegas de escola, além de germinarem a amizade com Scott é algo deveras bem pensado. Ambos são unidos por não terem controle total de seus poderes. Também é através do núcleo jovem constituído por eles, Noturno e Jubileu – personagem alegórica, temos os momentos tão clássicos e descontraídos da franquia, além de explorarem o lado adolescente de cada um deles. Também com Jean, em um momento bem inserido na narrativa, há uma conexão bela com Wolverine.
Sophie Turner consegue criar facetas diferentes para sua Jean puxando, por vezes, algumas características de Sansa. A jovem Jean é cheia de inseguranças, guarda algumas mágoas e tem medo de ferir quem ama. Também enriquecendo o personagem, há a interpretação vigorosa de Tye Sheridan nos mostrando um Scott rebelde e impaciente. A transformação dele se dá por conta da morte de Destrutor, seu irmão, que também fortalece os laços de amizade com Jean em seu momento de luto. Há fagulhas do surgimento do espírito de liderança e alguma aversão à Wolverine.
Na conclusão, onde vemos Magneto usar seu poder finalmente para construir, há a repetição diálogo entre ele e Xavier que já foi apresentado ao final de X-Men de 2000. Entretanto, é legal notar no contraste entre as duas situações onde o diálogo é inserido. Aqui, não há prisões de plásticos, os dois não são rivais já na terceira idade, o ódio está adormecido. Ainda que contenha a mesma ideia, há de se levar em conta a situação totalmente oposta à apresenta no primeiro filme.
Todos as narrativas que permeiam estes personagens são boas o suficiente para não deixarem o filme arrastado já que despertam o interesse do espectador, aliviando a necessidade de muitas cenas de ação. Kinberg dosa bem o humor do filme nunca quebrando a tensão ou um momento dramático, porém abusa muito de diversos momentos de exposição desnecessários. Por exemplo, quando Magneto começa a destruir o planeta, um especialista do governo explica o que ocorre e diz que morrerão bilhões. Imediatamente aparece outro personagem que declama o óbvio: “Ele está falando do mundo inteiro! ”. Outras personagens que abusam da exposição são Jean e Moira. Também há o problema crônico do gênero em relação à previsibilidade. O filme não conta com reviravoltas surpreendentes, porém todas têm certa lógica.
Kinberg também ignora completamente a que fecha o filme anterior ao sugerir que o resgate de Wolverine foi feito por Mística disfarçada de Stryker, algo totalmente desnecessário. Então se alguém esperava uma resposta para isso, certamente ficou com as mãos abanando. Fora isso, o drama mal-acabado de Mercúrio é algo irritante, pois nota-se que isso foi arquitetado apenas para guardar uma revelação que amolecerá o coração de Magneto em algum próximo filme. Serve como motivação sim, mas de conclusão rasteira. Apesar disto, nota-se que há alguma coragem em limar alguns mutantes durante a aventura: Destrutor e Arcanjo. Mesmo sendo personagens descartáveis, os momentos são relevantes para surtirem reações e desenvolvimento de outros mutantes.