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Crítica | Wolfwalkers

por Ritter Fan
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Chega a ser difícil encontrar palavras para elogiar Wolfwalkers sem parecer fanboy ensandecido por mais um magnífico trabalho de Tom Moore, responsável por Uma Viagem ao Mundo das Fábulas (juntamente com Nora Twomey) e A Canção do Oceano, ambos tendo concorrido ao Oscar de Melhor Animação em seus respectivos anos. Voltando à Irlanda mais uma vez e co-dirigindo o longa agora com Ross Stewart, que trabalhou na direção de arte dos outros dois filmes mencionados, Moore talvez tenha chegado a seu ápice aqui, com uma produção absolutamente invejável em termos técnicos que conta uma história original absolutamente cativante, com personagens memoráveis e que sabe lidar com assuntos contemporâneos em uma ambientação no século XVII, na então cidadezinha de Kilkenny.

O que imediatamente chama atenção no longa são seus visuais. Tudo é absolutamente hipnotizante. Do design das protagonistas, a jovem britânica aprendiz de caçadora Robyn Goodfellowe (Honor Kneafsey) e a menina feral que se transforma em lobo quando dorme, uma dos Wolfwalkers do títlulo, Mebh Óg MacTíre (Eva Whittaker), passando pela onírica, encantada e, na visão de muitos, ameaçadora floresta onde Mebh vive cercada por uma alcateia e chegando até a cidade fortificada que, quando vista à distância, é desenhada sem a criação de perspectiva ou profundidade, como se fosse um desenho “chapado” que ocupa todo o horizonte em uma escolha estética que exige costume, mas que é de tirar o fôlego, além de essa técnica ser repetida também quando vemos seu interior, ainda que de maneira menos radical.

Tudo na arte funciona magnificamente bem. A animação é dinâmica, expressiva, por vezes até impressionista, com cores explosivas, cuidado com as fisionomias e uma excelente representação dos sentidos lupinos quando Robyn passa a manifestar a mesma habilidade que Mebh, depois de encontrar com a garota na floresta. Os adultos principais, Bill Goodfellowe (Sean Bean), pai de Robyn, seguidor cego da Coroa Britânica e caçador veterano com a missão de exterminar os lobos da região e o vilanesco Lorde Protetor (Simon McBurney), na verdade o personagem histórico Oliver Cromwell, ainda que esse nome nunca seja dito, são materializados como verdadeiros gigantes de maneira a separar bem o mundo das crianças e dos adultos, resultando em um choque de gerações visualmente verificável.

Apesar de o encadeamento da história em si seguir um certo guia padrão de animações, não é aí que repousa a qualidade da obra. A relativa simplicidade da linha narrativa do roteiro escrito por Will Collins com consultoria de Jericca Cleland é palco para uma profusão de questões sócio-políticas relevantes que, diferente de muitas outras obras por aí, não são marretadas nos diálogos. A própria contextualização histórica que lida com a Irlanda colonizada pela Inglaterra é algo que fica para o espectador pinçar dos acontecimentos e dos conflitos gerados primeiro entre Robyn e Mebh e, depois, pelo Lorde Protetor e os Goodfellowes. Entre a clara abordagem de cunho ambiental, com a cidade avançando sobre a natureza e a forma como as protagonistas naturalmente tomam as rédeas da narrativa e são construídas como personagens complexas e fortes, lindamente empoderadas para usar o jargão “da moda”, a animação é uma amálgama cuidadosa de assuntos do cotidiano moderno revestidas de uma visão histórica surpreendentemente cuidadosa e acurada e tudo isso sem perder a mágica dessa fábula que Collins cria a partir de lendas irlandesas e do conhecido mito da licantropia que ganha refrescante vestimenta aqui.

Os trabalhos de voz de Honor Kneafsey, Eva Whittaker, Sean Bean e Simon McBurney são tão fenomenais que chega a ser um crime assistir ao longa em qualquer outra língua que não a original. Os sotaques britânico e irlandês são essenciais para a mágica da história, até porque eles são belamente colocados em oposição, representado verbalmente o conflito histórico, assim como as inflexões humanas que cada um dos quatro grandes personagens conseguem passar a cada momento em que estão em tela. Ainda que a característica voz de Bean seja reconhecível acima de seu personagem, seu trabalho submisso, medroso, mas amoroso ao extremo é de se tirar o chapéu, ainda que as jovens Kneafsey e Whittaker sejam de longe as pepitas vocais do longa, em performances imperdíveis.

Wolfwalkers é a nova obra-prima de Tomm Moore, desta vez ao lado de Ross Stewart na cadeira diretorial. Uma animação hipnotizante e apaixonante que merece ser vista e revista, além de ter cada frame enquadrado como um obra de arte por seu próprio mérito. Não tenho dúvida de que estamos diante de um novo clássico da animação ocidental.

Wolfwalkers (Idem – Irlanda/Luxemburgo/França/EUA/Reino Unido, 11 de dezembro de 2020)
Direção: Tomm Moore, Ross Stewart
Roteiro: Will Collins, com consultoria de Jericca Cleland (baseado em história de Tomm Moore e Ross Stewart)
Elenco: Honor Kneafsey, Eva Whittaker, Sean Bean, Simon McBurney, Maria Doyle Kennedy, Tommy Tiernan, Jon Kenny, John Morton, Paul Young, Nora Twomey, Oliver McGrath, Niamh Moyles
Duração: 103 min.

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