Não é um exagero afirmar que Wicked é uma grata surpresa. Não a melhor ou maior do ano, mas algo que vai além das expectativas do que poderia surgir do mesmo estúdio por trás de Mamma Mia! mas também do desastroso Cats. Soma-se a isso ao fato da Universal passar mais de 10 anos desenvolvendo o filme antes de mudar de diretor, decisão que agora encontra luz na criativa imaginação de Jon M. Chu ao levar para as telas a história da Bruxa Má do Oeste e a Bruxa Boa do Sul – baseada no livro de Gregory Maguire e no prestigiado musical da Broadway. É interessante observar que mesmo sendo pensado para o mercado ao dividir a adaptação em duas partes, há muito do que faz Wicked ser mágico, uma versão cinematográfica que faz jus à célebre atração que encantou os palcos. E o longa é bem fiel a peça – os diálogos, música – e tem essa primeira parte focada no ato inicial da peça. Mas felizmente, M. Chu não está só preocupado em honrar esse imaginário com a obra de 2003 e sim transportar o público ao fantástico mundo de Oz, o que torna a então adaptação, o derivado da criação de L. Frank Baum a conquistar o público depois de 20 anos.
Nisso, mesmo para quem não conhece todas as variações do livro de Baum, Wicked se torna uma porta de entrada para apresentar essa fantasia referencial a um novo público, e fica difícil não se conectar – quase que de imediato – ao que o longa oferece. Essa sacada de transportar a audiência para o mundo de Oz de forma que pareça realista, se traduz no visual de cores lavadas e aspecto unidimensional que o cineasta de ascendência chinesa imprime. Embora tenha investido na construção de um trem de 16 toneladas, uma cabeça gigante de um mago e plantado 16 tulipas para imaginar a fabulosa Munchkinland, todos esses elementos ainda parecem artificiais, o que claramente aponta mais um resistência do estúdio ao espalhar paisagens com um visual polido e digital do que uma ausência de criatividade da direção de arte, contudo, é de reconhecer que a energia com que Wicked se desenrola como um musical com toques melodramáticos e românticos é o que precisava para disfarçar os pontos fracos de “transportar” os cenários de um teatro para as telonas.
Ao contrário da recepção que Idina Menzel e Kristin Chenoweth receberam ao estrelarem a peça, a escolha de ter Cynthia Erivo e Ariana Grande se mostra assertiva para encabeçar essa história do “bem e do mal”. De tudo o que poderia se esperar da adaptação, talvez, a química irresistível e genuína entre Erivo e Grande não foi cogitada. Há uma facilidade na maneira que elas interagem que rapidamente ganha espaço, seja no sorriso discreto que Erivo empresta a sua Elphaba ou no jeito espalhafatoso com que Grande realiza o sonho de interpretar Galinda. É ótimo como timing cômico de trabalhos anteriores de Grande funcionam aqui; como na linguagem corporal com as incansáveis jogadas de cabelo, na futilidade e também como ela aproveita as letras das músicas para criar momentos de humor – a exemplo da interpretação de Popular Song, trecho em que o filme mais consegue se beneficiar do uso de cores e luzes do cenário de maneira menos artificial. Já Erivo, da sutileza do sorriso de canto, fica responsável pelo leitura dramática de sua personagem, e podemos acompanhar essa evolução que sai do lugar de contenção e raiva na mudança de roupa, óculos, penteado.
Graças a maneira apaixonada com que Grande e Erivo interpretam seus papéis, até os momentos menos inspirados do longa são elevados, principalmente quando as músicas foram cantadas em tempo real dispensando o uso do som diegético. E o que poderia causar estranhamento ganha mais emoção, a exemplo de faixas como The Wizard and I, e o ápice com Defying Gravity – que se não fosse pela entrega de Erivo e seu vocal, a cena seria comprometida pela composição de plano aberto escorado em imagens digitais e cores lavadas. E é ótimo como a direção de M. Chu serve a dinâmica dessas duas personagens, e são nesses momentos que é possível perceber como o cineasta não aceita fazer menos do que um musical épico. Mesmo com a limitação visual quando se trata de cenas que necessitam de mais iluminação, a câmera está sempre acompanhando a interação dos personagens, o que ganha mais destaque quando M. Chu foca no uso de cenários práticos sendo o ponto alto a biblioteca giratória ao som de Dancing Through Life com as pausas cômicas na interação dos personagens, e principalmente na entrada de Jonathan Bailey.
Mesmo se estendendo a ponto de parecer não saber o momento certo de encerrar essa primeira parte, Wicked não perde de vista a missão de criar uma experiência cinematográfica épica, o que fica notável em como a longa duração não tira o fato do filme ser envolvente. Entre erros e acertos, e o visual lavado contrapondo a ideia de realismo que o diretor busca, o resultado aqui é satisfatório, traduzindo de forma encantadora a teatralidade dos palcos para o cinema, e colocando a música como a engrenagem para alcançar esse voo. É só questão de tempo para saber se o estúdio plantará a semente para trazer uma reimaginação do clássico de 1939 ou trará um aceno para Doroty como cânone.
Wicked (Wicked – EUA, 2024)
Direção: Jon M. Chu
Roteiro: Dana Fox (baseado no livro de Gregory Maguire e livreto de Winnie Holzman)
Duração: Cynthia Erivo, Ariana Grande, Jeff Goldblum, Michelle Yeoh, Jonathan Bailey, Ethan Slater, Marissa Bode, Peter Dinklage, Andy Nyman, Bowen Yang, Bronwyn James, Idina Menzel, Kristin Chenoweth
Duração: 160 min.