- Há SPOILERS do episódio e da série. Leia, aqui, as críticas dos outros episódios.
Se você, caro leitor, é alguém que em algum momento da infância ou adolescência resolveu escrever algum tipo de ficção científica ou fantasia, é quase certeza que tenha optado pelo conhecidíssimo, fácil e manjado recurso do loop como único elemento de resolução para uma narrativa desnecessariamente complexa, concebida de forma confusa e que fecha as portas para o seu próprio escape. Coisas como “era tudo um sonho!” ou “isso tudo foi uma fantasia criada na mente de fulano de tal” são finalizações tão entranhadas no gênero e presentes em uma quantidade tão imensa de narrativas, que não é raro que escritores bem jovens tenham usado o mesmo recurso em suas histórias, e falo por experiência própria.
Não é de hoje que eu manifesto o meu mais absoluto desprezo por roteiros que se fiam das centenas de interpretações e teorias possíveis do grande público como recurso narrativo válido, algo que Westworld nunca utilizou da maneira como fez nesta 4ª Temporada, um ano que começou “ok“, teve um desenvolvimento beirando a categoria de “obra-prima” e terminou da pior maneira que um grande drama poderia terminar, inventando uma “saída-fácil-que-não-é-uma-saída” (nesse caso, um loop, ao retornar para mais um jogo no parque de Westworld, reconstruído por Dolores com algumas mudanças) e com todos os caminhos narrativos abertos para que o público preencha com suas teorias, hipóteses, achismos, caça aos easter-eggs (já tem até tese de doutorado falando da mosca no primeiro e no último episódio) ou interpretações.
A série nunca foi exatamente clara em seus desenvolvimentos, é verdade. A frase “eu adorei o que vi, mas não entendi nada” virou uma piadinha recorrente entre nós que adoramos o show, mas todos sabíamos que, por mais questionamentos que tivéssemos em relação ao FUTURO da linha do tempo do programa, o arco da temporada, ou seja, as ações acontecidas no presente ano do show, seriam resolvidas em seu propósito principal. E assim foi com as temporadas mais redondinhas da série focadas em enigmas (1ª e 2ª). No caso da 3ª Temporada isso não aconteceu, porque o enredo ali não considerava, como base, o labirinto de ideias, foi uma temporada muito simples de acompanhar e entender. Neste 4º ano, muitas narrativas possíveis se apresentaram, as mais absurdas teorias se levantaram e o que todos nós experimentamos até o episódio Fidelity foi uma exploração das pistas, uma expansão dessa fase do “grande jogo” e dos personagens nesse novo estágio.
Em Metanoia, a coisa começou a degringolar, apesar de narrativamente se manter na linha da “boa história”. Mas a pergunta que passou a gritar ali, berrou do início ao fim aqui em Que Será, Será: “qual é o propósito“? A mola dramática para este ano foi a escalação de um “complexo divino”, num mundo onde uma anfitriã conseguia não apenas colocar outros anfitriões em posição de controle, como também manipular os seres humanos. As dúvidas se esta realidade é a “verdadeira“, ou seja, a “nossa realidade“, até funcionaram como um charme para a temporada, mas jamais deveriam chegar ao final na esteira das hipóteses ou serem jogadas para a interpretação do público. Porque sendo bem direto: que prova nós temos de que esta realidade não é um jogo dentro do jogo? E o ruim é que, olhando para a recriação do Westworld 2.0 (?), passamos a questionar também se toda a série não foi o resultado progressivo de um dos loops narrativos criados por Dolores. Um questionamento que, dependendo de como fosse arquitetado, até poderia ser legal no último episódio do programa, mas entra como um matador de ânimos, porque mesmo que não tire nada do brilhantismo das etapas anteriores, torna o jogo em si fatalmente batido.
O maior problema em Que Será, Será nem é o roteiro confuso, as chateantes reticências em praticamente todos os núcleos de personagens e a dificuldade de mostrar foco e propósito de maneira clara. O maior problema é fazer com que a organização de toda a temporada seja jogada no ramo da interpretação. É aquela velha história de criar algo hiper-complexo e deixar para o freguês decidir como termina. Pior ainda: sem ao menos entregar possibilidades claras para essas escolhas. E fica aqui o meu desafio: procure qualquer análise sobre a construção do enredo deste ano do show, quanto ao seu sentido/propósito/foco, e tentar encontrar algo que não tenha as palavras “teoria“, “possibilidade“, “acho que“, “na minha interpretação“, “sugestão” ou ainda, a frase mágica “juntando esse easter-egg obscuro no canto esquerdo da tela, no minuto 56 do primeiro episódio, você tem 0,0000000087% de pista que confirma que tudo isso aqui é uma simulação“. Uma decepção e tanto. Não é um capítulo horrendo porque o elenco e os outros setores técnicos seguem no topo da linha. Mas do que adianta uma belíssima casca, se em seu interior existe um oceano de indecisões, repetições e clichês narrativos mal organizados? Ou você cria um enredo de temporada capaz de ser encerrado de maneira clara, deixando as esperadas perguntas apenas em relação ao FUTURO, ou você cancela o show; mas não faz o espectador perder tempo e ficar brincando de escrever o roteiro pra você.
Westworld – 4X08: Que Será, Será (EUA, 14 de agosto de 2022)
Direção: Richard J. Lewis
Roteiro: Alison Schapker, Jonathan Nolan
Elenco: Evan Rachel Wood, Jeffrey Wright, Tessa Thompson, Aaron Paul, James Marsden, Luke Hemsworth, Angela Sarafyan, Ed Harris, Ariana DeBose, Aurora Perrineau, Jonathan Tucker, Steven Ogg, Morningstar Angeline, Michael Malarkey, Aaron Stanford, Brandon Sklenar, Jhemma Ziegler, David Atkinson, Sean Freeland, Marti Matulis, Mark Steger, Joseph Wilson, Bryan Friday, Shota Kakibata
Duração: 59 min.