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Crítica | Westworld – 1X09: The Well-Tempered Clavier

por Guilherme Coral
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estrelas 5,0

Confira as críticas dos outros episódios da série aqui. Os textos possuem spoilers!

Palmas para Westworld! O ótimo capítulo anterior, Trace Decay fora claramente uma preparação de terreno para o clímax da temporada, criando a expectativa para o acontecimento de grandes eventos, tanto aqui, em The Well-Tempered Clavier, quanto no próximo capítulo, que, ao que tudo indica, não será apenas a calmaria após a tempestade. O episódio desta semana foi a marca definitiva da coesa construção narrativa apresentada na temporada, seus eventos demonstraram como, cada passo dentro de uma subtrama nos trouxe a esse ponto – desde o Homem de Preto arrastando Dolores até o celeiro, até o primeiro diálogo de Maeve com Hector Escalon na série.

Vamos fazer algo diferente aqui: analisar o episódio através de seu título. The Well-Tempered Clavier é uma das composições de J.S. Bach, criada no intuito de ajudar jovens músicos em seus estudos. Clavier, a palavra francesa que se refere a instrumentos de teclas, como o cravo e o piano, naturalmente cria um vínculo imediato com a abertura da série, evidenciando o planejamento dessa temporada. Do que vimos nessa semana inúmeros significados podem ser atribuídos ao nome do capítulo. O primeiro, e mais óbvio, é própria natureza dos anfitriões – como uma peça musical, eles seguem uma partitura harmônica, seus dramas não são frutos do inesperado (ao menos na teoria) e sim de um roteiro pré-definido. Suas vidas trazem a beleza ausente naquela do homem, não são apenas seres que buscam a supremacia, seja em relação a outras raças ou a si mesmos, embora sejam criados à nossa imagem, eles são, de certa forma, o próprio mundo das ideias – imutável, ideal, desprovidos de nossas imperfeições, aos olhos de Ford.

Um segundo significado do título pode se referir ao objetivo de Bach em si: ensinar. Mas quem ensina quem aqui? Seria Maeve, que demonstra o caminho das pedras para Hector, que revela a natureza de Bernard? Ou o próprio Robert que ensina como se jogar o seu jogo? Sob muitos aspectos, este fora um capítulo de aprendizados, com cada personagem passando por uma espécie de epifania. O sentido vai além disso, porém, Lisa Joy e Jonathan Nolan dão uma verdadeira aula de como se construir um belo e complexo quebra-cabeças, com peças sendo posicionadas em locais distantes, que, a cada semana, nos oferecem um olhar mais próximo do quadro a ser formado. Surgem assim as teorias e quando essas acabam se tornando realidade constatamos a coesão apresentada na série, como quando apenas olhamos uma parcela de uma imagem e tentamos adivinhar o seu todo. As revelações do episódio não são, portanto, apenas plot-twists inseridos apenas como aquela típica reviravolta para atrair as massas, ao contrário de mortes inesperadas ou descobrimentos acerca da real natureza de um personagem, que, de fato, em nada influenciam a obra como o todo. Fomos preparados para os pontos de virada e os sinais estiveram presentes desde The Original, o series première.

Mas vamos sair do instrumento em si e vamos para aquele que o toca. O piano, cravo, clavicórdio ou o órgão, quem está por trás da melodia que sai deles? Seria Ford, em seu aparente poder absoluto? O homem que pensara em tudo, inserindo mecanismos de defesa contra todo e qualquer ataque direcionado a ele? Anthony Hopkins, naturalmente toca essa música tão bem quanto o personagem que interpreta. Seu olhar de surpresa quando Clementine aponta a arma para ele é contido, esconde uma segurança – ele próprio já demonstra o que veríamos no desfecho do capítulo, como Nolan e Joy que colocaram a intimidade entre Maeve e Hector lá atrás. Suas falas, fruto da composição de Dan Dietz e Kath Lingenfelter, roteiristas de The Well-Tempered Clavier, brincam com o espectador, nos enganando ao nos fazer acreditar que há um desespero por trás de sua voz calma, ao passo que tenta fazer Bernard desistir de sua busca pela verdade. Mas, como uma sinfonia, com inúmeras camadas sonoras, há mais em jogo aqui: ele tenta se salvar ou salvar seu amigo que reconstruíra? O seu amigo que não conseguira abandonar e fora forçado a criar um ser à sua imagem e semelhança.

Há uma tristeza escondida nas palavras de Ford. Do cravo barroco vamos para o piano romântico – o peso dos anos se faz presentes enquanto os questionamentos acerca da mente humana são levantados: Bernard é mesmo Arnold ou apenas um espelho do mesmo? Afinal, o que é o homem se não suas memórias? Como bem ilustrado no episódio, somos definidos pelas nossas pedras fundamentais, o que nos leva a questionar aquela de todos os outros indivíduos que vemos no seriado. Dolores vem à mente: teria seu programador alterado a principal recordação da anfitriã? Colocado a busca pelo labirinto como sua peça chave? Seu encontro com Arnold revela mais que isso, porém, demonstra a paixão do criador pela sua criação, como o Deus do Novo Testamento em conflito com o do Velho, bem representado por Ford, que não hesita em causar o dilúvio.

Como uma peça musical que inicia com seu refrão e que retorna inúmeras vezes para ele, misturando o presente, o passado e o futuro em uma harmonia narrativa, Dolores mantém sua subtrama seguindo adiante – os acontecimentos do início da temporada dialogam com aqueles aqui presentes e seu encontro final com o Homem de Preto pode dar voz à teoria de que ele é ninguém menos que William. Já descobrimos que o personagem de Ed Harris é parte da empresa dona do parque, ele está no presente, algo deixado evidente pelo seu encontro com aqueles de fora do parque. Quando, no final do episódio, aparece para Dolores, porém, ela está com as mesmas roupas de quando estava com “Billy” e chega a chamar seu nome antes das portas se abrirem – sua surpresa, portanto, pode ser fruto da constatação da realidade, de quem o homem por quem tanto se importa se tornaria no futuro. A porta se abre como se ninguém encostasse nela, como se fosse aberta pela mente de Dolores, com ele, estático, se formando como uma silhueta em preto no centro da imagem em perfeita simetria, solidificando o talento de Michelle MacLaren como diretora, representando mais do que apenas uma quebra de expectativa, mas uma abertura da mente e atrás desse portal: o escuro e o nublado em quadro, colocando-o como uma figura ameaçadora e um obstáculo no seu caminho para o autoconhecimento.

Toda essa composição, no fim, nos remete aquele capítulo inicial, a tudo o que vimos desde então, à notas cuidadosamente tocadas ao longo desses nove episódios, que nos prepararam para esse clímax, uma amálgama de diferentes sons que, todos, tocam a mesma melodia: a música da humanidade, do que nos torna aquele ser que consumiu o neandertal, que se questiona acerca de seu sentido na vida e que sofre quando suas verdades são quebradas, se revelando como meras construções artificiais. Afinal, o que nos diferencia dos anfitriões? Ao meu ver, todos temos nossas pedras fundamentais, todos somos notas musicais de um jeito ou de outro.

Westworld – 1X09: The Well-Tempered Clavier (EUA, 27 de novembro de 2016)
Direção: Michelle MacLaren
Roteiro: Dan Dietz, Kath Lingenfelter
Elenco: Evan Rachel Wood, Thandie Newton, Jeffrey Wright, James Marsden, Ben Barnes, Ingrid Bolsø Berdal, Luke Hemsworth, Tessa Thompson, Sidse Babett Knudsen , Simon Quarterman, Angela Sarafyan, Rodrigo Santoro, Jimmi Simpson, Shannon Woodward, Ed Harris, Anthony Hopkins
Duração: 60 min.

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