SPOILERS!
Baseados no roteiro de Michael Crichton para o filme Westworld – Onde Ninguém Tem Alma (1973), Jonathan Nolan e Lisa Joy Nolan trouxeram para a HBO uma ideia de série que novamente explora o pathos humano em relação aos robôs, não só em sua criação, mas no estabelecimento de leis de comportamento para eles ou em hipóteses comportamentais para nós, sempre que os vemos (eu abordo rapidamente esse conceito do vale da estranheza no 5º parágrafo deste texto). Assim como na premissa do roteiro original, Westworld – A Série se passa em um parque de “vivência real” à moda do Velho Oeste. Um lugar feito para gente com bastante dinheiro aventurar-se, fazer apostas, beber, transar e eventualmente matar alguns bandidos. Ou inocentes. Os balizadores sociais do “mundo real” são abolidos aqui.
Para quem assistiu ao filme, a ideia central do show e suas semelhanças são percebidas já nos primeiros minutos deste The Original, na mesma medida em que surge o temor de um rápido esgotamento da proposta, salvo o fato de os showrunners terem cartas muito inovadoras na manga. Amparado por bases literárias do porte de Frankenstein, A Invenção de Morel e Eu, Robô, o roteiro de Jonathan e Lisa Nolan atualizam os dilemas originais, melhoram o leque tecnológico disponível para os humanos e não perdem tempo com sátiras ou críticas fáceis a toque de caixa. O tom do episódio é sombrio e, sob esta visão, nos apresenta o básico da série e de seus personagens principais, deixando no ar a possível (grife isso!) fronteira final, que seria a revolução dos robôs contra os humanos.
Por se tratar de um western revisionista misturado com ficção científica, o espectador experimenta o melhor dos dois gêneros e vê que os escritores utilizaram os tortuosos caminhos corporativos para acender a suspeita de que há “algo podre no reino de Westworld“; além disso, ficam óbvios os espelhos históricos deste parque de realidade virtual para metaforizar a sociedade em muitos de seus extremos emocionais/comportamentais. Nesse exercício, a fotografia de Paul Cameron é a mais atmosférica possível, ou seja, não chega a ser naturalista, mas também não expõe os cenários a grandes contrastes, sets monocromáticos ou algum preciosismo de iluminação e planificação. Esse cuidado de expor na imagem o fluxo do ambiente (acompanhando o roteiro, não criando além dele) é importante para contextualizar a história nos diversos setores. Como a direção de Jonathan Nolan possui um parâmetro cinematográfico, a ligação com a fotografia acaba fazendo de cada espaço um ponto único de emoções que crescem, chegando ao ponto de vermos Dolores, a mais antiga das anfitriãs do parque, matar uma mosca em seu pescoço. Notem que aí é levantada uma expectativa que vence a médio prazo e que a série será obrigada a cumprir.
Com pouco mais de uma hora de duração, o episódio nos dá a impressão de que se beneficiaria com um pouco mais de tempo. Ou isso, ou os editores Marc Jozefowicz e Stephen Semel precisariam ser mais rápidos na repetição do roteiro de Dolores (pelas sequências e sutilezas inéditas de cada despertar, Evan Rachel Wood acaba tendo a participação mais difícil do episódio); retirar pelo menos uma das cenas dos recém-chegados, que não faz diferença nenhuma no enredo e, juntamente com o roteiro, trabalhar melhor a presença de Teddy (James Marsden), cuja importância parece demasiada para um McGuffin inicial e uma isca dramática para algumas falas de Dolores, que poderiam vir tranquilamente de outra forma.
De todo o elenco, porém, o mais deslocado é Ed Harris, o “Man in Black”. E não, isso não tem nada a ver com o ator, que está excelente no papel, assumindo um canalha de primeira categoria que consegue crescer da primeira à última cena. Falo da forma como o roteiro escolheu apresentá-lo, mudando (ou sugerindo) sutilmente a nossa forma de julgá-lo. A coisa funciona na primeira cena em que ele aparece, mas à medida em que ganha força, sua presença no jogo vira parte de um plano já há muito iniciado, cuja motivação escapa ao espectador (nesse contexto, estaria ele atrás do chefão vivido pelo ótimo — mas não explorado como deveria — Anthony Hopkins?). E vejam que o roteiro faz apresentações bem mais interessantes em um tom correto, como a do bandido Hector Escaton (Rodrigo Santoro), com direito a um prelúdio bem lento e harmônico, sugerindo a trilha de Morricone na Trilogia dos Dólares, seguido de um bárbaro arranjo para a canção Paint it Black, dos Stones. Ou o pessoal que administra o parque, especialmente Lowe (Jeffrey Wright), Theresa Cullen (Sidse Babett Knudsen) e Lee Sizemore (Simon Quarterman), o roteirista dos robôs que tem uma entrada hilária, cheia de palavrões e insatisfação com o programador.
Westworld é uma série que tem tudo para dar certo. O investimento em sua produção é visível pela qualidade do design e da direção de arte, com destaque máximo para a central de operações do parque — a preparação dos robôs, as próteses, a “impressão 3D” do modelo humano e sua “costura” pelas máquinas… um visual realmente arrebatador, percebido desde a abertura, que é igualmente notável –, local em que também temos os melhores momentos da direção de Nolan e uma das melhores entregas dramatúrgicas do episódio, a do ator Louis Herthum, pai de Dolores, em um diálogo marcante com Hopkins.
Normalmente, episódios piloto deixam buracos que vão ser preenchidos depois, o que faz com que aceitemos boa parte deles. Aqui em The Original, apesar da inegável qualidade técnica, temos falhas que não precisavam existir; novamente, na construção e exposição de Teddy, do Man in Black e da montagem. Isso, porém, não diminui a vontade de continuar assistindo. Esperemos ansiosamente pelo próximo upgrade. O tempo da rebelião se aproxima.
Westworld 1X01: The Original (Estados Unidos, 2 de Outubro de 2016)
Criadores: Jonathan Nolan, Lisa Joy Nolan
Direção: Jonathan Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan, Lisa Joy Nolan (baseado em conceito original de Michael Crichton)
Elenco: Anthony Hopkins, Ed Harris, Evan Rachel Wood, James Marsden, Thandie Newton, Jeffrey Wright, Tessa Thompson, Jimmi Simpson, Luke Hemsworth, Rodrigo Santoro, Shannon Woodward, Ingrid Bolsø Berdal, Ben Barnes, Simon Quarterman, Angela Sarafyan
Duração: 69 min.