Luca Guadagnino constantemente refere-se a si mesmo como um cineasta de observação, um verdadeiro voyeur. Experimentar coisas através do olhar é uma das ações recorrentes em seus filmes, desde exemplos podres como 100 Escovadas Antes De Dormir (2005) até ótimas produções como Suspíria e Me Chame Pelo Seu Nome. Ver algo é uma das formas de também sentir, e o diretor usa isso para delinear o íntimo de seus personagens, contando também com a relação desse indivíduo com o cenário e com a música. É fácil, portanto, chegar a We Are Who We Are e perceber que se trata de um produto de Guadagnino, que mais uma vez lança o seu olhar para a juventude e para a sua identidade, seus sentimentos e descobertas. Principalmente da sexualidade.
Em Right Here Right Now I temos uma família formada por Sarah (Chloë Sevigny), sua esposa Maggie (Alice Braga) e o filho Fraser (Jack Dylan Grazer), que se muda para uma base miliar americana na Itália. A trama, portanto, é de adaptação para todos. Estar longe de casa e lidar com problemas em um novo território já se mostra uma das intenções do roteiro, e vemos isso ser introduzido tanto nos problemas administrativos da base (o comandante que está saindo atesta estupros, roubos e suicídios recentes), quanto na forma como a (aparentemente confusa?) sexualidade de Fraser e sua quase incapacidade de se relacionar com os outros irão funcionar. Logo de cara, trata-se de uma história de adequação em diferentes níveis, com um olhar mais apurado para o bloco adolescente. E este, talvez, seja o problema.
SPOILERS!
Dylan Grazer saiu de um dos personagens mais adoráveis em Shazam! para viver aqui uma nojeira de ser humano em formação, um adolescente que não tem modos, não tem respeito algum pelo espaço onde está e ainda por cima dá um tapa na cara da mãe! Confesso que desde a abertura do episódio, no aeroporto, eu pensava “meu Deus, se isso fosse com minha mãe essa desgraça tomava um beliscão tão grande que ia dormir por seis dias!” e a coisa em torno dele foi ficando ainda pior. Eu realmente não sei que tipo de justificativa ou encaminhamento o roteiro vai dar para Fraser, mas não importa o que vai acontecer, ele sempre será o adolescente que bateu na mãe. A relação entre os dois é, por sinal, completamente errada, num tipo irritante de co-dependência que torço para que os roteiros dos próximos episódios dissipem ou comecem claramente a trabalhar em cima, porque isso é um verdadeiro porre.
Agora, que Guadagnino faz Fraser experimentar seu espaço com o olhar, ah, isso ele faz. O primeiro ato é basicamente o garoto caminhando pela base, explorando, observando e falando pouco. Todo esse conhecimento visual me pareceu bom, no início, mas enjoativo logo a seguir; o mesmo acontecendo na relação do personagem com a música, que na reta final do capítulo parecia uma obrigação contratual manter o menino ouvindo algo diferente, com os fones de ouvido até na cerimônia de posse da mãe. Tanto a exploração silenciosa quanto a construção da personalidade do protagonista através da música me pareceram forçadas a partir de algum momento, e isso foi pouco a pouco minando o episódio, acrescido das atitudes horrendas dele para com os adultos ao seu redor. Basicamente assisti para passar raiva.
Uma coisa é certa: é maravilhoso ver uma produção cujo roteiro não dá um tratamento infantilizado à juventude, expondo-a com dilemas e emoções que lhes são próprias. Por outro lado, essa dinâmica jamais deveria vir alheia à sua contraparte. Esses adolescentes não são desamparados. Eles possuem família e o mínimo que se esperava de pais militares era uma educação que estabelecesse ao menos bons modos em público, algo que Fraser não tem. Mas não vejo o roteiro muito preocupado em manter contrastes comportamentais aqui. No meu entendimento, a escolha narrativa da série será esta: “todo mundo está errado!“, e as relações devem seguir na estranheza, com adultos agindo de modo tão problemático como os adolescentes (a mãe dando bebida alcoólica para o filho e os soldados balangando para o menino no vestiário são exemplos disso), o que até pode vir a ser o caminho para um épico drama de desconstrução costumes, com nuances éticas e morais muito intensas, mas pelo andar da carruagem aqui… creio que não chegará a tanto.
We Are Who We Are começa com um conjunto de intenções e propostas interessantes, sendo o trato não infantilizado para a adolescência/juventude, o melhor deles. O problema é que esses personagens e seu núcleo familiar (aqui falo especificamente de Fraser, que é o que mais conhecemos, embora tenhamos indícios do núcleo familiar de Caitlin também) não parece ter tido o melhor dos olhares. Por um lado, pode-se argumentar que isso não tem problema nenhum, já que o foco será mesmo o elenco mais jovem. Ocorre que a série não é apenas sobre eles. Os pais e o fato de estarem em uma base militar é parte essencial das problemáticas da série e, nesse caso, deveriam sim ter a sua parcela de bom tratamento através do enredo. Mas é evidentemente muito cedo para bater qualquer martelo. Apesar dos problemas, foi um começo acima da média. Resta saber se o restante do show continuará assim.
We Are Who We Are – 1X01: Right Here Right Now I (Itália, EUA, 2020)
Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: Sean Conway (baseado em uma ideia original de Paolo Giordano)
Elenco: Chloë Sevigny, Jack Dylan Grazer, Alice Braga, Jordan Kristine Seamón, Spence Moore II, Kid Cudi, Faith Alabi, Francesca Scorsese, Benjamin L. Taylor II, Corey Knight, Tom Mercier, Beatrice Barichella, Sebastiano Pigazzi, Vittoria Bottin, Nicole Celpan
Duração: 58 min.