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Crítica | Warrior – 3ª Temporada

O propósito de Ah Sahm.

por Ritter Fan
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  • Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas das demais temporadas.

Jonathan Tropper pode nem sempre acertar em cheio no que se refere a Warrior, mas ninguém pode dizer que ele não tem coragem de tornar seu épico de ficção histórica consistentemente mais complexo e interessante. O tão desejado terceiro ano, que veio pouco mais de dois anos e meio  após o fim da segunda temporada quando da transferência da série do Cinemax – que passou a focar em obras não-roteirizadas, ou seja, mais um canal que investe em reality shows, um dos males da indústria audiovisual moderna – para o HBO Max, prova que o showrunner não está para brincadeiras.

Mesmo com a total eliminação de Céline Buckens e Joanna Vanderham do elenco – respectivamente as irmãs Sophie Mercer e Penny Blake -, que deixa um buraco de continuidade que merecia ser abordado (quem sabe um dia?), é notável como a saga do chinês e lutador marcial Ah Sahm (Andrew Koji), que chega a São Francisco em busca de sua irmã mais velha Mai Ling (Dianne Doan), por sua vez a ambiciosa e impiedosa líder da tong Long Zii, ganha um senso de completitude aqui quando ele finalmente, depois de um longo conflito interno sobre lealdade e propósito, trai a tong Hop Wei e mais notavelmente seu “irmão” pelo nobre e sempre difícil sentimento de amor, seja pela irmã, seja pela tipógrafa Yan Mi (Chelsea Muirhead), com que começa um relacionamento assim que ela passa a trabalhar na falsificação de dinheiro para sua tong.

Sempre foi muito interessante acompanhar a evolução de Ah Sahm (e, muito sinceramente, de todos os demais personagens fixos), mas é a terceira temporada que parece realmente focar nele e em seu processo mental “decisório” que notoriamente trafegava entre as mais diversas dúvidas sobre o que é certo, o que é lealdade e o que é ser um chinês de considerável poder em um ambiente hostil a chineses. Sua conexão com Ah Toy (Olivia Cheng) ilustra muito bem isso, já que ela, nas sombras, fazia justiça com as próprias mãos (e espada) e sempre desafiou Ah Sahm a encontrar quem exatamente ele é, se apenas mais um gângster ou o herói com nunchakus que seu povo confinado à Chinatown acha que ele é. Mas é óbvio que, sem trair o espírito da série, essa não é uma resposta fácil mesmo depois que ele entregas as placas de falsificação de dinheiro para Lee (Tom Weston-Jones), temporariamente um agente do serviço secreto trabalhando ao lado de Edmund Moseley (Nick Cordileone) para libertar Yan Mi da prisão e, sozinho, acaba com os capangas de Jovem Jun e com o próprio Joven Jun e Hong (Chen Tang) para, reunindo todas as suas forças restantes, arrastar-se até o conglomerado da irmã para tentar salvá-la. Quem Ah Sahm agora é ainda é uma incógnita, mas fica evidente que suas prioridades e alianças mudaram radicalmente e ele parece finalmente ter um norte.

Falando em Lee, é igualmente muito interessante como seu vício em láudano e ópio não é magicamente curado nesta temporada, mesmo que o final aponte um futuro “limpo” para ele, de volta ao lado de Big Bill (Kieran Bew) como policial. Tendo largado a polícia para trabalhar em um bar em uma região de afrodescendentes para viver com Abigail, espiritualmente a reencarnação do amor de sua vida (Gaosi Raditholo encarna as duas personagens, vale dizer), ele é arregimentado por Moseley para investigar a questão da falsificação de dinheiro e esse caminho que ele percorre na temporada lhe permite também descobri sobre ele mesmo, seja exatamente o que ele quer ser, seja como ele acaba sendo forçado a, ao lado de Wang Chao (Hoon Lee), que se revela honrado, lidar com seu passado violento na Geórgia.

Big Bill também é um destaque, pois os roteiros da temporada, honrando o falecimento de David Butler, que vivia o chefe de polícia Russell Flanagan, colocaram a busca por um novo chefe como elemento central, primeiro trazendo o coronel Benjamin Atwood (Neels Clasen), um novayorkino extremamente violento, para o cargo e, depois, desenvolvendo essa narrativa até fazer do bom e velho (e também corrupto, mas “do jeito bom”) Bill o novo chefe. Confesso que não gosto muito do personagem unidimensional vivido por Clasen, pois a série sempre foi muito cuidadosa em não usar desses artifícios, mas ele acaba cumprindo bem sua função de criar o conflito necessário tanto para levar Chinatown novamente à ebulição, como para lidar com a frustração de Bill que se decepciona ao ser jogado de lado pelo prefeito interino Walter Franklin Buckley (Langley Kirkwood) e ao ter dificuldade em se reconciliar com sua esposa Lucy (Emily Child).

A unidimensionalidade de personagens é uma praga que afetou também a caracterização do vilanesco “barão das ferrovias” Douglas Strickland (Adam Rayner), introduzido nesta temporada como um inimigo mortal de Nellie Davenport (Miranda Raison), que acaba com o sonho da rica viúva em criar um ambiente seguro para ex-prostitutas chinesas que eram violentamente exploradas. Apesar de eu ter gostado que a presença de Strickland criou um propósito mais interessante para a existência de Nellie para além de ser um interesse romântico de Ah Toy, a malvadeza extrema do novo personagem me incomodou, incluindo a facilidade com que tudo acontecia ao seu redor, sua habilidade com espadas e seu relacionamento com Dylan Leary (Dean Jagger), ainda que, neste último aspecto, tenha sido altamente proveitoso a evolução do gângster irlandês que promete refinar suas estratégias em temporada futura (a luta dele no bar contra os minions de Strickland, com ecos de A Outra História Americana, foi inacreditável!).

Há que se falar, também, da inclusão de Catherine Archer (Dominique Maher) como um inusitado interesse amoroso para Buckley que, porém, revela ter sua própria agenda (ainda misteriosa) em relação ao agora prefeito. Além de uma ótimo atuação por parte de Maher, foi fascinante testemunhar o que poderia classificar de um “retorno à humanidade” por parte de Buckley, com Kirkwood acrescentando mais camadas ao seu já muito interessante personagem. Será muito interessante acompanhar a evolução da história dos dois, com a inevitável e profunda decepção (seguida de vingança, será?) quando Buckley descobrir a traição de Archer.

Por último, a temporada também notabilizou-se por trabalhar Mai Ling e seu relacionamento com o silencioso e mortal Li Yong (Joe Taslim), com direito até à inclusão de Mark Dacascos no elenco como Kong Pak, líder de uma tong absorvida pela Long Zii e amigo de Yong. Mai Ling age como Michael Corleone em O Poderoso Chefão, ou seja, de maneira fria, violenta e secreta para consolidar seu poder e acabar com todas as ameaças, deixando seu agora marido basicamente sem chão e obrigando-o a matar o próprio amigo de longa data. Exatamente como Ah Sahm, Mai Ling mostra de vez todas as suas cartas e, com isso, acaba afastando Yong que, por seu turno, cria sua própria e aparentemente já muito poderosa tong para bater de frente com a esposa que, agora, tem o irmão ao seu lado.

Warrior entregou uma terceira temporada exemplar mesmo com a mudança de “lar”, com Tropper muito claramente com um plano excelente para o futuro da série. Ainda que eu tenha poucas esperanças, agora fica a torcida para que, entre poucos comentários sobre a série em geral e uma greve dupla – roteiristas e atores – que torna muito difícil renovações e tem até revertido renovações, Warrior ganhe uma quarta temporada que pelo menos aponte de maneira definitiva para um final redondo para a série. No entanto, mesmo que isso não venha acontecer, é notável como as três temporadas entregaram um fascinante material a seus espectadores.

Warrior – 3ª Temporada (EUA, de 29 de junho a 17 de agosto de 2023)
Desenvolvimento e showrunner: Jonathan Tropper (baseado em ideias e escritos de Bruce Lee)
Direção: Nima Nourizadeh, Dustin Nguyen, Dinh Thai, Brett Chan, Dennie Gordon, Loni Peristere
Roteiro: Jonathan Tropper, Brad Caleb Kane, Evan Endicott, Josh Stoddard, Francisca X. Hu, Lillian Yu, Glenise Mullins, Hoon Lee, Danielle DiPaolo
Elenco: Andrew Koji, Olivia Cheng, Jason Tobin, Dianne Doan, Kieran Bew, Dean Jagger, Tom Weston-Jones, Hoon Lee, Langley Kirkwood, Perry Yung, Joe Taslim, Dustin Nguyen, Miranda Raison, Chen Tang, Chelsea Muirhead, Mark Dacascos, Adam Rayner, Emily Child, Jenny Umbhau, André Jacobs, Martin Munro, Gaosi Raditholo, Nat Ramabulana, Neels Clasen, Sean-Marco Vorster, Jazzara Jaslyn, Kevin Otto, Gary Young, Angelo Chen, Nick Cordileone, Telly Leung, Colin Moss, Dominique Maher, Sizo Mahlangu, Morné Visser, Matthew Vey, Ross van der Walt, Brett Chan, Jandre Le Roux, Armand Aucamp, Chris Mark, Charlie Bouguenon, Francois Coetzee
Duração: 519 min. (10 episódios)

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