- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios.
Cidades pequenas, você sabe. Tão difíceis de… escapar.
– Doutor Stan Nielsen
Como vimos ao final do segundo episódio de WandaVision (batizado posteriormente de Don’t Touch That Dial), Wanda, tendo se deparado com a presença disruptiva de um sinistro apicultor saindo do bueiro na adorável cidadezinha de Seahaven…, digo Westview, resolveu – ou resolveram para ela – desfazer o acontecido, colorir o ambiente e, de quebra, engravidar. Afinal, porque não? Now in Color, portanto, bebendo desavergonhadamente da clássica série The Brady Bunch (conhecida aqui como A Família Sol-Lá-Si-Dó), continua essa linha narrativa fazendo com que o feliz casal lide com uma gravidez completa em menos de 24 horas em um ambiente 100% setentista.
Para os impacientes que reclamaram que “nada aconteceu” nos dois episódios anteriores, pronto, aí está o nascimento dos gêmeos de Wanda e Visão, algo que repete o conceito dos quadrinhos e aproxima a ousada série do Marvel Studios dos grandes acontecimentos que giram em torno da Feiticeira Escarlate. Não entrarei em detalhes sobre o que pode ou não acontecer, bastando dizer, porém, que, apesar de a execução ser muito particular para a série, a ideia geral vem brilhantemente acompanhando a saga da personagem, o que é uma verdadeira surpresa (e eu continuo dizendo: quem nunca leu nada, continue assim que a jornada provavelmente será melhor ainda).
Mas a gravidez a toque de caixa de Wanda é, para mim, o detalhe. O que realmente fascina mais uma vez é como o design de produção e o roteiro conseguem capturar à perfeição todo o “motivo televisivo” da época retratada, com figurinos, maquiagem, cabelo, cenários e diálogos que conseguem realmente nos transportar para os anos 70. Até mesmo a iluminação estourada, as cores espalhafatosas e o cenário de fundo nas tomadas de exterior, além das props claramente artificias no jardim carregam esse ar fake que as sitcoms da época repetiam como padrão. Da mesma forma, o humor completamente bobão e exageradamente inocente dos anos 50 e 60 abre espaço para algo um pouco – reitero o “um pouco” – mais sofisticado e bem levemente risqué que faz a transição de “eras”, por assim dizer, em preparação aos mais esculachados anos 80, além da trilha sonora customizada para cada novo episódio.
Elizabeth Olsen e Paul Bettany estão novamente muito à vontade como um charmoso casal disfuncional tendo que lidar com uma realidade em constante mutação (viram o que fiz aqui?) em uma narrativa consideravelmente mais conspiratória, notadamente com o cochicho de Agnes e Herb sobre Geraldine que nos dá as primeiras pistas da existência de interesses opostos mesmo entre aqueles que cercam Wanda e Visão. Além disso, não só vemos o que parecem ser manifestações desgovernadas do poder de Wanda quando ela sente dor, como ela (ou alguém) intensifica as alterações de realidade sempre que alguém ameaça o status quo com perguntas, como é o caso do Visão, ou com menções a Ultron, como no caso de Geraldine, o que, aliás, a leva a ser ejetada do que parece ser uma redoma de realidade virtual, sendo imediatamente cercada por agentes armados ao som de Daydream Believer, do The Monkees, uma escolha temática e temporalmente perfeita.
Mesmo que o episódio tenha sido inegavelmente movimentado com a gravidez, os eventos macro, aqueles que acontecem com outra razão de aspecto como essa sequência final com Geraldine, ganham mínimos incrementos, mantendo a série misteriosa e intrigante. No entanto, essa queima lenta sobre o que afinal está acontecendo não me parece algo que possa se sustentar até o final sem trazer fadiga ao modelo escolhido. Calma. Não se enganem. Eu veria fácil uma série inteira de Wanda e Visão vivendo em sitcoms antigas, mas muito claramente esse não é o objetivo da produção e ela precisará, creio, abrir espaço para que a barreira entre utopia e realidade comece a ruir de verdade. Considerando que estamos falando de apenas nove episódios no que até agora tem sido vendido como uma minissérie que se encaixará em filmes futuros, é de se presumir que haverá uma inversão da distribuição de tempo entre sitcom e realidade na medida em que avançamos, o que, pela estrutura clássica de filmes, pode começar a acontecer de verdade já no próximo episódio, que marca o começo do segundo terço da história.
Com o “nascimento” de Billy e Tommy, mais conhecidos nos quadrinhos como os futuros Wiccano e Célere, WandaVision continua firme e forte como o exemplar mais estranho do Universo Cinematográfico Marvel. Tomara que Jac Schaeffer e a produtora tenham a coragem de seguir adiante nesse caminho menos viajado, entregando uma obra que vai até o fim com sua proposta, sem concessões e sem amenizações.
WandaVision – 1X03: Now in Color (EUA, 22 de janeiro de 2021)
Criação: Jac Schaeffer
Direção: Matt Shakman
Roteiro: Megan McDonnell
Elenco: Elizabeth Olsen, Paul Bettany, Teyonah Parris, Kathryn Hahn, David Payton, Randy Oglesby
Duração: 33 min.