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Crítica | Vivendo no Limite (1999)

por Fernando Campos
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Poucos diretores exploraram tanto a cidade de Nova Iorque quanto Martin Scorsese, tendo inúmeras obras com metrópole americana como plano de fundo, como, por exemplo, New York New York, Taxi Driver, Depois de Horas e A Época da Inocência. Seguindo essa linha, Scorsese repetiu, em Vivendo no Limite, sua parceria com Paul Schrader, roteirista de Taxi Driver, e mais uma vez trouxe a cidade como palco para sua história, dessa vez, sobre um paramédico, vivido por Nicolas Cage.

O longa mostra a rotina de Frank Pierce (Nicolas Cage), um paramédico que vive estressantes plantões noturnos em uma ambulância na Nova Iorque do início dos anos 90. À beira de um colapso nervoso e sem conseguir dormir, ele começa a ter visões com os espíritos dos pacientes que não conseguiu salvar e passaram desta para melhor, resultando em uma busca incessante para eliminar essas imagens de sua mente.

A apresentação do protagonista, sua rotina e a ambientação do universo que o rodeia é muito parecida com a de Taxi Driver, algo que só não pode ser chamado de referência ou inspiração porque o roteirista dos dois filmes é o mesmo, portanto, ele remete diretamente a seu antigo trabalho. Dito isso, acompanhamos Pierce em sua ambulância testemunhando as atrocidades que a vida noturna de Nova Iorque produz, como a escancarada prostituição, tráfico de drogas e violência gratuita. Aliás, logo nos créditos iniciais, quando vemos os olhos do protagonista iluminados pelo vermelho da sirene, temos o indicativo das situações que o paramédico vivencia nas ruas, uma vez que, durante toda a filmografia de Scorsese, essa é a cor utilizada para representar o pecado. Contudo, a intenção de Pierce não é a de reformular o mundo a sua volta, como Travis, em Taxi Driver, pelo contrário, ele busca curar a si mesmo de todas as atrocidades que testemunha diariamente.

Baseado nisso, o primeiro ato estabelece uma premissa interessante, um paramédico que vê os espíritos de seus pacientes, apresentando de forma orgânica os pilares da narrativa: a rotina caótica de Pierce, sua insônia, solidão, visões espirituais e o relacionamento com Mary. Através desse início, várias questões interessantes são levantadas com o decorrer do longa, como a comparação da profissão de paramédico com uma testemunha de mortes ou a excitação que algumas pessoas têm com a violência (representado pelos companheiros de Pierce), instigando o espectador e prendendo a atenção na trama.

No entanto, quando o filme traz as resoluções para o que plantou no primeiro ato, os desfechos não deixam de ser decepcionantes. Enquanto Taxi Driver mergulha na psique do protagonista, deixando as interpretações da história para o público, Vivendo no Limite apresenta respostas que não são a altura das perguntas levantadas, além de eliminar o efeito da dúvida. A cena da morte de Rose, por exemplo, é pouco contundente diante do trauma que o evento causou no protagonista. Além disso, o motivo das aparições espirituais ser ocasionado por uma espécie de culpa que Pierce carrega, com o espírito respondendo “ninguém pediu para você sofrer, isso foi idéia sua”, não deixa de ser simplista diante de toda o mistério estabelecido no início, como na boa cena em que o paramédico consegue ressuscitar um paciente com sua música favorita.

Aliás, falta foco à narrativa diante de todos assuntos abordados, resultando em um amontoado de idéias pouco exploradas. Para piorar, o roteiro de Schrader é levemente incoerente em alguns momentos, repare como Pierce reclama várias vezes que não consegue salvar nenhum paciente e, quando isso acontece, ele não esboça reação alguma, parecendo algo que o personagem nunca se queixou.

Até mesmo a direção de Scorsese varia sem coesão, impondo uma direção cirúrgica na primeira metade, com uma fotografia escura, priorizando tomadas noturnas e utilizando com inteligência o vermelho, para representar o pecado, e o azul, representando a cura; mas optando por um estilo frenético na segunda parte, recorrendo ao time lapse em algumas cenas (técnica que reduz a frequência de cada quadro, dando a impressão de que o tempo corre mais depressa), criando sequências alucinadas que não combinam em nada com o estilo inicial.

Felizmente, no que diz respeito à direção de atores, Scorsese tem mais um bom trabalho aqui. Nicolas Cage está impressionante na pele de Frank Pierce, em uma das melhores interpretações de sua carreira, transmitindo com intensidade a melancolia, insônia e crescente loucura de seu personagem, dosando com eficiência o overacting. Enquanto isso, o elenco de apoio, composto por John Goodman, Ving Rhames, Tom Sizemore, mesmo que não tenha muito material, contracena à altura do desempenho de Cage, com destaque para a sensível atuação de Patricia Arquette.

Apesar dos pontos falhos, há que se dizer que o filme não é ruim. Pelo contrário, o longa prende a atenção desde o início, tem uma premissa interessantíssima e possui um excepcional primeiro ato. No entanto, o problema da película é justamente a falta de coesão da segunda metade com a primeira, sendo um filme que retrata com eficiência a vida noturna de Nova Iorque, mas que não vai além disso; algo decepcionante, uma vez que o resultado é uma obra que encolhe diante de outros trabalhos de Scorsese.

Vivendo no Limite (Bringing Out the Dead) — EUA, 1999
Direção: Martin Scorsese
Roteiro: Paul Schrader
Elenco: Nicolas Cage, Patricia Arquette, John Goodman, Ving Rhames, Tom Sizemore, Marc Anthony, Cliff Curtis, Mary Beth Hurt, Aida Turturro, Phyllis Somerville, Queen Latifah, Martin Scorsese
Duração: 121 min

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