A personagem Viúva Negra da Marvel Comics tem um retrospecto de história repetitivo e padrão para uma personagem de ascendência russa, que é espiã, fora as visões machistas relacionadas a temporalidade da Guerra Fria que tanto evoca as roupas, e até o nome da protagonista que se envolve a um ato sexual mortal. Por outro lado, o trabalho da experiente escritora Marjorie Liu não se trata da desestabilização do que se julga a personagem, e sim como ter liberdade para escrever na Marvel uma história minimamente modificante dentro de um cenário de três editores, a saga da Era Heróica em processo na editora em 2010, fora as conexões românticas da personagem com o Capitão América de Bucky Barnes (o conhecido Soldado Invernal), a tutela histórica de Wolverine e as consequências de sagas recentes envolvendo Norman Osborn. É nesse contexto de delicadeza para desenvolver algo criativo, bem diferente da sua minissérie NYX, mas um pouco semelhante a linha Dark Wolverine, que Viúva Negra: O Nome da Rosa soa como um trabalho de prospecção perseverante para se alcançar qualidade.
Inicialmente a HQ parece querer explorar o ambiente que a Viúva Negra vive, não necessariamente sobre ela. A busca por surpreender o leitor com quebras de expectativas sucessivas quanto ao estereótipo das histórias de espionagem, quando os informantes são descritos como imprevisíveis, assim como os inimigos insolúveis na trama, mesmo quando não aparecem. Além disso, o aspecto dramático da escrita de Marjorie não aparece de primeira, em que o reforço da ilustração de Daniel Acuña consegue implementar uma constância de movimento em meio ao roteiro com excessos de recordatórios e balões longos de Marjorie Liu, que carregam momentos de explicação deslocados, sem impacto em primeira instância, como a explicação do porque num flashback a aparição de uma rosa é forte para Natasha, mas fica mais enfático o tempo que ela demora dando uma surra num homem abusador e infiel da esposa no banheiro masculino. Acaba que todo o contexto inicial só causa impacto dependente de uma Viúva purgada, estraçalhada no hospital numa diagramação bem feita com o trabalho completo de colorização e ilustração do já citado Acuña.
Nas duas primeiras edições foca-se no mistério do macguffin, uma rosa que inicia toda a trama, sem que ela seja de fato importante além de um símbolo narrativo do que sobre a Viúva, posta nos pensamentos singelos dos recordatórios das páginas. Além disso, a presença dos Vingadores como Tony Stark, Logan e Bucky vão reforçando o caráter machista envolto da Viúva Negra, em que até um personagem associado a Norman Osborn tenta colocá-la como vilã por sensualizar para cima dos três vingadores em algum momento da equipe. Junto disso, a trama que se investe em aparência é o mesmo clichê que delimita a protagonista, sempre fugindo do Estado, envolvida em mentiras e acusada por homens por seu passado não confiável de espiã. Assim, o texto de Marjorie não aparece, assim como a ênfase das escolhas dos ângulos desenhados por Acuña soam aleatórios pela incapacidade da narrativa ser sobre a Viúva Negra, quando tantos recordatórios aparecem dos pensamentos dela.
Por isso o começo consideravelmente doloroso de ler junto com a dor física, que se estabelece tanto no presente de Natasha, quando ela é violada na sua barriga com uma cirurgia na rua feita por um vilão desconhecido, como por um passado na floresta gelada de seu passado que também sofre de dor no abdómen, em que Acuña consegue tornar a emoção da dor concreta nas páginas. Sem dúvida um fator determinante para se entender sobre Viúva Negra, ao menos algo que Marjorie implementa em sua história com força, é como a personagem é sofrida, abusada e extremamente resiliente para dar a volta por cima. A noção de Natasha ser perseguida com toda essa trama do chip roubado de seu corpo, que mesmo Logan brinca com isso e Natasha diz como é previsível, implicitamente se relaciona com essa intensidade da dor que a HQ consegue transmitir.
A rosa vai se tornando mais do que apenas um mistério inócuo para a história andar. Com um trabalho aprimorado de elipses, fora a construção lendária de como Viúva consegue vencer alguns policiais após estar machucada, mesmo tudo parecendo um chamariz clichê de ação e espionagem, em que toda ação é explicativa no diálogo de Logan com Bucky em paralelo ao ato de fuga de Natasha do hospital, além de parecer extremamente burocrático; a história vai se focando um pouco mais em Viúva Negra, dando uma grande fragilidade física, ao mesmo tempo força narrativa para partir para uma missão sozinha. Com a aparição de Elektra entre a segunda e terceira parte do arco O Nome da Rosa, o ilustrador Acuña começa a se unir com Liu para aproveitar os recordatórios que a escritora parece abusar. Com paralelismo desenhado entre as duas personagens femininas, em que elas aparecem diametralmente em uma vinheta, acaba sendo um bom momento do arco, mas nada de valioso em imediato na leitura do que só uma referência ao Universo Marvel para chamar público na capa.
Elektra se coloca diametralmente a Natasha por ambas serem mulheres que podem se tornar vilãs facilmente, como a Elektra diz em seu recordatório. Isso só acrescenta a instabilidade feminina como cerne das personagens, não força de personalidade, como se imagina. Liu parece seguir o que a Marvel acredita para as personagens, em que seu texto parece realmente estar nos recordatórios, mesmo que pareçam às vezes deslocados. Enquanto isso, Acuña parece se divertir em expor silhuetas femininas sexualizadas, enquanto Liu parece sofrer de uma falta de criatividade, aparecendo um grupo da KGB lutando no fogo para finalizar a terceira parte do arco, assim como Natasha ilustrada por Alcuña como uma Hamlet aparentemente sem nenhum contexto indica mostrar como esse arco O Nome da Rosa empobrece Viúva Negra mais que dá história para ela.
Mas Marjorie Liu subverte uma leitura aparentemente clichê, em que o cliffhanger para o terceiro ato do arco no final da terceira parte mostra como o passado de Natasha pode voltar à tona de maneiras bastante criativas, e por isso as referências e o drama angular de Acuña começam a perde a aleatoriedade numa reflexão da leitura. Liu vai provando isso no aparente excesso de recordatórios, quando ela na verdade já estava contando o passado sem flashback. Ao final do arco é possível compreender a unidade dramática de Marjorie, em que o murro no estômago é como ela utiliza as referências mais básicas de histórias de espionagem numa objetividade das partes anteriores para fomentar uma reviravolta histórica na personagem. O concreto se torna metafórico, mesmo sem perder a forma. A ideia das informações postas na barriga de Natasha, em que ela conhece tudo sobre todos os Vingadores, entre outros segredos, se torna um assunto materno e feminino, afinal. Marjorie propõe as metáforas nos recordatórios como intenções que criassem um universo mental para ser revelado em contraposição ao visual feito por Acuña. A descoberta sobre um bebê, um ser nascido dentro da Viúva Negra, a figura conhecida por sensualizar homens e matar homens, evoca outra personagem, aquela que é amiga de parteiras. Quebra-se a limitação de criatividade, e só volta-se a limitação para expor o que os vilões tentam evocar essa sua figura de espionagem para Viúva.
Talvez se o arco O Nome da Rosa fosse um one shot, ou uma série limitada estendida das duas últimas partes do arco poderia haver uma unidade sem dependência de personagens como Vingadores, ou questões secundárias na história da Viúva que a escritora Marjorie consegue remediar. O título do arco, no fim, não é uma referência elaborada ao livro de Umberto Eco, mas tem pelo menos o sentimento do frei Franciscano Guilherme de Baskerville de isolamento associado a Natasha, que é uma solitude personalizada. A referência a Tolstoi e a relação do amor com a vivência não dita finaliza romanticamente a dura e sangrenta história de Natasha, que ironicamente sempre esteve lá nos recordatórios, nas histórias dos lobos russos e na caracterização do machista vilão Imos. O antigo se alia ao moderno para continuar dominando uma mulher em sua cama, ou em um frigorífico com carne de porco. Mas Natasha vai perceber o que viveu, não o que dizem sobre ela, ou como Logan olha-a pelada, e muito menos quando Bucky diz entendê-la. A escritora Marjorie Liu preserva o cenário Marvel nesses estereótipos de espionagem, o que soa bastante contraditório, mas textualmente, junto com Acuña em sua mão detalhista com cores esmaecidas, que dão profundidade sem um traço preto evidente, e sem medo de soar aleatório os contextos realistas, vai crescendo o texto da escritora mesmo com uma base limitante já estabelecida da personagem.
Viúva Negra: O Nome da Rosa (Black Widow: The Name of Rose | EUA, 2011)
Contendo: Viúva Negra Vol. 4 #1-5
Roteiro: Marjorie Liu
Arte: Daniel Acuña
Cores: Daniel Acuña
Letras: Nate Piekos
Páginas: 144