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Crítica | Vidas Passadas (2023)

As escolhas e o tempo.

por Felipe Oliveira
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A cena de abertura de Past Lives é um tanto tentadora ao chamar atenção para a perspectiva de meros observadores que analisam três pessoas que estão num bar: quem é o parceiro de quem ou quem é o amigo? Nesse ponto, é possível perceber como o trabalho de câmera representa essa perspectiva, também do espectador, que está alheio àquele momento, porém, completamente curioso em dar seu palpite, logo sendo um especulador. Ao retornarmos 24 anos antes, fica fácil imaginar que o filme se trata de uma história romântica sobre o encontro de duas almas sobrevivendo ao tempo para estarem juntas, enquanto que a estreante diretora/roteirista Celine Song usa o forro de um triângulo amoroso – quase que melancólico – para retratar algo muito próximo do espectador, que são os ciclos e fases, caminhos e escolhas que experimentamos nesta vida.

Não que o recorte romântico deva ser negado, mas o uso desse triângulo amoroso com olhar dramático surge como uma representação da personagem de Nora, vivida por Greta Lee. A abordagem de Song talvez remeta a um pouco de Encontros e Desencontros (2003); a Desencanto, de David Lean, ou à ternura de Richard Linklater; porém, a cineasta imprime aqui a sua própria sensibilidade, uma magia cativante que faz de Vidas Passadas um daquelas histórias que ficará com a gente por um tempo. A cena que abre o filme é fundamental para colocar o espectador como um observador, mas que aos poucos vai se tornando íntimo dessa história. E cada detalhe tem uma composição que complementa a narrativa – a exemplo dos takes de Nora e Hae Sung nas escadarias quando crianças, onde cada despedida podia ser sentida.

Para cada linha da narrativa – passado e presente -, Song se dedica a fazer aquele momento ser sentido; a distância, o silencio. Na primeira vez que a narrativa volta aos 12 anos, a escadaria é um importante cenário para observação da amizade sensível entre Nora e Hae Sung, com a fotografia dando ênfase a ideia de caminhos opostos que os personagens seguem toda vez que se despendem. Também, há a paleta de cores que os acompanham, com Nora vestindo tons de vermelho e Hae Sung o azul. Avançando outra fase da linha do tempo, a retomada do contato entre os dois amigos que nutrem um sentimento forte agora ganha outro; e enquanto a paleta de cores de Hae Sung se mantém, para Nora, o uso do preto passa a ser mais frequente.

Se antes a fotografia se apresentava em planos abertos, a troca de mensagens pelo Facebook, e-mails e vídeo chamadas pelo Skype são vistas com planos mais fechados, acompanhando a rotina que vai ganhando um ritmo cada vez mais íntimo e caloroso. E é ótimo como Song consegue nos transportar para aquele espaço, para as perspectivas de telas até surgir uma decisão que interrompe a troca de contato. Quando a narrativa então avança para a linha presente, já temos a noção de que há um triângulo amoroso dramático, com toques existenciais sendo contado. Pode se observar como Song chama atenção para os detalhes da história a todo momento, mas gosto bastante da troca de posições quando Arthur, Nora e Hae Sung caminham pelas ruas de Nova York – ora Arthur indo para o meio, ora indo para ponta – mostrando a dicotomia do triângulo com sutileza.

Voltando para a parte técnica, é interessante como Song utiliza do visual para potencializar o ditado coreano, “in-yun” – que significa providência ou destino – conceito-base para a história do filme. Em um momento particular, a transição faz jus a eficiência do roteiro ao intercalar os personagens nas cenas quando Hae Sung conhece sua namorada e Nora dá o primeiro beijo no futuro marido. Ou quando os amigos se reencontram e um breve flashback remete a paleta de cores que costumavam usar quando crianças. Intimista e contemplativo, ao retomar a cena do bar, o espectador não é mais um especulador e sim um admirador íntimo – gradualmente a fotografia vai se aproximando do diálogo até Nora e Hae Sung tomarem o espaço da tela, pela primeira vez, sendo vistos mais de perto.

Narrando um romance de forma não convencional – tanto que Song usa da autoconsciência no roteiro para se distanciar dos acasos comuns da comédia romântica, principalmente quando forja a expectativa do beijo final – Vidas Passadas esbanja maturidade ao capturar de maneira delicada um retrato sobre relação, conexões e escolhas. A última cena  –  ilustrada no dilema do triângulo amoroso – fecha de forma arrasadora a ideia de caminhos divergentes com que Nora lida, afinal, por trás da escolha entre Arthur (o presente) e Hae Sung (as renúncias), Nora está fazendo uma escolha sobre sua vida e trajetória como uma premiada escritora. 

Vidas Passadas (Past Lives  – EUA, 2023)
Direção: Celine Song
Roteiro: Celine Song
Elenco: Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro, Seung Ah Moon, Seung Yim Mim
Duração: 105 min.

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