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Crítica | “Versions of Me” – Anitta

As várias versões que Anitta pode ser para a gringa.

por Iann Jeliel
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Versions of Me

All these versions of me

Locked you out the bedroom, I told you “Never come back.

“Anitta é mais do que uma artista, é uma empreendedora”, como diria meu colega de crítica Handerson Ornelas. A compositora surgiu com todos os elementos para ser uma cantora criada pela indústria, visto que sua origem como dançarina de funk não exatamente acompanhava no pacote um talento exemplar, vocalmente falando. Contudo, Larissa (seu verdadeiro nome) tem uma visão mercadológica inteligentíssima que, no cenário nacional, fez com que a indústria se movimentasse por ela e não o contrário, ou seja, ela nunca precisou entregar-se às tendências do momento, com seu estilo ligado a um planejamento logístico de divulgação de canções passando a ditar um modelo que outras artistas (mulheres, em especial) buscando popularidade notaram e usaram como referência.

Com méritos nesse quesito, em pouco menos de uma década suas eficientes estratégias de venda de imagem fizeram-na chegar em um patamar de sucesso internacional, ao ponto de seu quinto álbum de estúdio, Versions of Me, apostar em um disco praticamente inteiro cantado em língua estrangeira visando apelo ao palco gringo, lugar que Anitta sempre demonstrou querer estar musicalmente falando. Em seu primeiro álbum, que carrega seu nome artístico, sua música já trazia um aspecto “internacionalizado” que ela mesma dizer ter tido Mariah Carey como principal inspiração. Sem ter a melisma da voz de sua inspiração, Anitta focava numa construção musical primordialmente corpórea, em que as construções dos versos pareciam ser já pensadas para o karaokê, numa voz semelhante a Kelly Key, menos aguda, mas num timbre sensualmente ingênuo, visando exatamente o estímulo à dança. E, do mesmo jeito que a Kelly Key emulava Britney Spears à época, a artista buscava estabelecer essa imagem de “princesa pop” americana no território nacional.

Não que Anitta seja um grande álbum, mas, pelo menos, ele e Ritmo Perfeito seguiam minimamente esta unicidade sonora. Por mais que falte a eles brasilidade no teor representativo feminino que carregam, além do intuito final de ambos ter sido consolidar o maior número de hits possíveis, escutando os discos em sequência não se tinha uma sensação de compilado, tanto que são obras que dificilmente alguém não familiarizado consegue escutar por inteiro, já que parecem variações de uma mesma melodia. Essa sensação de compilado, no entanto, é passada pelos dois subsequentes e, principalmente, neste agora. Reflexos da mudança de paradigma na carreira da cantora aplicada a partir de Bang, quando começou a focar exclusivamente no lançamento de singles, principalmente aqueles em parceria com outros pop stars. Esse processo, que foi aproximando seu nome dos holofotes mundiais, aos poucos também foi responsável por distanciar a pouca identidade e essência brasileira que tinha.

Ao alcançar o cenário desejado com Versions of Me, Anitta deixa de ditar as regras na indústria e se entrega aos elementos genéricos que fazem sucesso no exterior, atirando para todos os lados num suposto discurso de versatilidade pelo idioma trilíngue, mas que, na verdade, busca desesperadamente a aprovação do cenário internacional, seja norte-americano, seja latino-americano, seja… brasileiro? Em vez de aproveitar a ampla vitrine gringa para de algum modo consolidar seu estilo, investigando-o como indica a capa conceitual e o próprio título do álbum, a artista tenta vender diferentes versões do que ela pode tentar ser para conseguir ser essa pop star mundial. O resultado passa a impressão de não só ser um compilado, mas um compilado de Anitta cantando outras(os) artistas, gringos. Quando praticamente todas as 15 canções contam com participações especiais de estrangeiros, ela reforça ainda mais essa ideia de que o álbum nem parece ser dela (de uma brasileira), muito menos ser sobre ela.

Aposta-se primeiro nos códigos do Reggaeton porto-riquenho que já vinham mostrando resultados numéricos expressivos em singles de discos passados, com a sequência Envolver, Gata, Gimme Your Number e Maria Elegante costuradas por uma I’d Rather Have Sex, que, embora adentre no pop eletrônico da sequência seguinte (de Love You a Turn it Up), conversa liricamente com a proposta teoricamente sensual desse conjunto. Contudo, adicionado às canções Ur Baby e Me Gusta ao bolo, elas não passam qualquer autenticidade em erotismo. O problema não é o falar sobre sexo explicitamente, afinal, a vulgaridade característica de Anitta realmente não se dispõe a entrar em sutilezas e não vejo problema nenhum nesse sensacionalismo e apelo sexual do cenário pop. O que falta é charme e personalidade nas batidas, que seguem diretrizes extremamente reconhecíveis e industrializadas, como é o caso.

O mesmo pode ser dito para a parte voltada para o pop, ainda que essa seja mais carismática por algumas canções grudentas como Love You e Boys Don’t Cry. Contudo, até elas seguem estrofes tão diretas e esquemáticas que parecem já serem construídas para o recorte de vídeos no Tik-Tok. Ao menos Boys Don’t Cry lembra um pouco dos primórdios da cantora e possui batidas pop-rock que remetem à melhor fase de Miley Cyrus e/ou Katy Perry. Falando em remeter às origens, Faking Love é a única desse compilado do pop americanizado que domina o restante do álbum que traz batidas do funk carioca acopladas aos sintetizadores eletrônicos. Uma mistura que dentro da ironia da letra e deboche do timbre (nesse caso) acertadamente modificado digitalmente da cantora, traz o hit mais harmônico do disco.

Além dela, temos outra mistura interessante em Girl From Rio, pegando samplers rítmicos da Bossa Nova (Garota de Ipanema) numa construção ritmada em rap com refrão cadenciado caindo nesse prisma do pop-rock-eletrônico. Se a letra não tivesse tantos elementos que reforçam o turismo sexual de um estereótipo errôneo da maneira como o exterior enxerga as mulheres brasileiras – “Tanned lines, big curves… And the energy glows…. You’ll be falling in love”, podia ser outra canção sonoramente digna de elogios. Por fim, temos Que Rabão como esse funk carioca mais puro e a única música cantada em português (não totalmente) dentro do álbum como uma resposta da artista às acusações de ter se distanciado de sua origem periférica, mas que por estar isolada só reforça o quanto esse distanciamento foi proposital e realmente fazia sentido mercadologicamente para a sua imagem naquele período.

Esse distanciamento, porém, não parece ser mais o ideal nesse contexto de Versions of Me e a mera existência de Que Rabão demonstra que, em algum nível, Anitta sabe disso. Infelizmente, o sonho pelo sucesso lá fora parece falar mais alto e a administração de imagem voltada para o agrado exterior não só a afasta de uma representatividade nacional, como evidencia sua falta de essência. Qual é a verdadeira versão de Anitta? Diria que nunca vimos realmente, só lampejos do que ela poderia ser, como agora, lampejos do que ela poderá ser a depender do que as tendências de marketing apontarem. Por isso, lamento que Anitta seja nosso símbolo (popularmente falando) na música. Não pelo que ela representa, mas pelos caminhos perigosos do que ela busca representar.

Aumenta!: Boys Don’t Cry
Diminui!:
Me Gusta
Minha Canção Favorita do álbum!: Faking Love

Versions of Me
Artista: Anitta
País: Estados Unidos, Brasil
Lançamento: 12 de abril de 2022
Gravadora: Warner Records
Estilo: Pop, Pop-Rock, Reggaeton, Rap, Funk Carioca, Eletrônico

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