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Crítica | Vereda Tropical

"Watermelon sugar high!"

por Fernando JG
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É impossível não ver nesta censurada obra proibida de Joaquim Pedro de Andrade os ecos de Bataille (História do Olho) e de Luís Buñuel quando roda os seus infames Um Cão Andaluz (1929) e A Idade do Ouro (1930). As descobertas freudianas do final do XIX inspiram deliberadamente as artes dos anos seguintes, sobretudo o cinema, que investiga, com atos de ação, as brechas mais recônditas do inconsciente: absurdo, desejo, perversão. Há uma materialização crua do desejo na sua forma mais animalesca e irracional, como se o conceito de pulsão tivesse sido traduzido e descortinado em imagens que experimentam o ser-humano radical. Sim, radical, no sentido primitivo, primevo. 

Comer uma melancia é ato duplamente antropofágico: comer, deglutir e também comprazer-se, deleitar-se. Regozijar. Invadir o espaço do outro e torná-lo seu por fusão. Se alimentar é se satisfazer, não é? Vereda Tropical, inserida tardiamente em Contos Eróticos, responde a nossa pergunta. Sem medo do regime ditatorial em vigência no Brasil, Joaquim Pedro de Andrade adapta o conto de Pedro Maia Soares de maneira liricamente explícita, poética e voraz, explorando possibilidades de fazer cinema sobre a depravação e a luxúria. 

A narrativa centra-se num professor (Cláudio Cavalcanti) obcecado por melancias. Como pesquisador, investiga a perspectiva de uma genitália em cada fruto. Num dia qualquer, chega em casa às pressas com a fruta nas mãos. Corre para banhá-la, secá-la e higienizá-la – sempre numa atitude em devoção. Com muito carinho, inicia uma conversação com o fruto, conversas sujas, enquanto abre uma pequena cavidade no seu objeto. Bom… não precisamos ir longe: ele gosta de tê-la, no quarto, na sala, em pé, no sofá. Sua amiga (Cristina Aché) escuta atenciosamente suas aventuras e, por falta de vergonha, entra também no mundo das descobertas frutossexuais. 

Paranoia sexual num nível perspicaz e sem a vulgaridade da forma. Sem julgamentos. Um mundo em transe. Não um tarado inconsciente de si, mas um daqueles que não tem medo de dizer: “inofensivamente, gosto de melancias”. Uma feira transforma-se em uma opção variadíssima de brinquedos sexuais. Em 20 minutos aproximadamente, o filme persegue um homem na realização plena de sua paranoia. Uma fantasia é um exercício de possibilidades. O filme abandona moralismo gerais e glorifica o despudor, a desvergonha, o desvario, a desrazão. Ou ainda mais simples: um homem que não tem medo do seu infame prazer. O erótico Vereda Tropical é uma pornochanchada no estilo de Joaquim Pedro, que já havia experimentado algo do estilo chanchadesco em Homem do Pau-Brasil, mas aqui ele não preocupa-se em amarras sociais, nem na paródia. Talvez uma paródia dos bons costumes? De todo modo, o filme encerra numa belíssima ode ao dionisíaco em contraposição ao apolíneo (razão, harmonia). Bagunça sexual que inspira à liberdade. Um conto tirado diretamente das camadas mais recalcadas de um inconsciente amarrado por decoros sociais e que, na forma de arte, tem o seu pretexto para agir de maneira desvelada, como num sonho em que não existem barreiras entre o possível e o impossível, entre o moral e o imoral. 

Vereda Tropical (Brasil, 1977)
Direção: Joaquim Pedro de Andrade
Roteiro: Joaquim Pedro de Andrade, Pedro Maia Soares
Elenco: Cláudio Cavalcanti, Cristina Aché, Carlos Galhardo
Duração: 25 min. 

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