Vera, vivida por Luciana Grasso, é uma adolescente de 17 anos que, simplesmente porque sim e não exatamente por dinheiro, clandestinamente aluga o menos desejável e, portanto, constantemente vazio apartamento dos vários que sua mãe corretora administra, para que outros jovens possam transar, como um motel. Ela cobra 500 pesos por duas horas, mas, no quitinete com papel de parede descascando e com manchas de vazamento, não há água, luz, gás ou até mesmo cama, ainda que Vera empreste um saco de dormir como o único conforto para os amantes. O real valor de tudo para a jovem parece ser um misto de gosto de independência, de empreendimento e, acima disso tudo, uma sensação de estar ajudando aqueles que não têm aonde fazer o que os jovens mais querem fazer nessa idade.
O roteiro escrito pela dupla Federico Actis e Romina Tamburello, também responsável pela direção do longa, cria uma simpática obra de amadurecimento por meio da exploração e descoberta sexual, primeiro com Vera envergonhadamente escutando os sons dos atos sexuais atrás da porta, no corredor do prédio, e, depois, desabrochando completamente ao alugar o apartamento para um casal de skatistas. Trata-se de uma obra libertadora, que não está nem aí para tabus ou para regras pré-determinadas da sociedade sobre sexo adolescente e que quer mais é normalizar algo que só aqueles que não querem ver realmente não veem. A jovem Grasso, que, impressionantemente, tem 31 anos, é perfeita na mistura de inocência, esperteza envergonhada e desejo curioso, com uma aparência que convence facilmente o espectador da idade que sua personagem tem, o que obviamente torna a película ainda mais “desavergonhada” para os pudicos de plantão.
O lado voyeur – na verdade, tecnicamente, auditeur – do longa, mesmo que breve, joga um pouco com a própria natureza do Cinema, que é voyeurismo puro no que se refere ao espectador, com obras que abordam o assunto como Janela Indiscreta, a mais famosa delas dentro dessa temática, tornando-se metanarrativas que revelam para nós o que nós mesmos estamos fazendo ao assisti-las. Nós experimentamos as vidas de quem está nas telas e, Vera, no filme, parece igualmente viver as vidas, os desejos e os clímaces daqueles que ela ouve no diminuto apartamento que aluga exclusivamente para sexo. Vê-la descobrir isso é gratificante e vê-la, depois, sendo descoberta e descobrindo – nos vários sentidos que isso carrega no filme, pois não é só com ela que isso acontece, os prazeres da atração, do sexo e, também, do que eles podem representar em outras fases da vida resulta em uma jornada audiovisual completa, capaz de quebrar barreiras, facilitar comunicação e, acima de tudo, derrubar muros de hipocrisia.
E tudo que Actis e Tamburello colocam em tela é de bom gosto. Não é sendo explícitos que os diretores-roteiristas tentam contar sua história, mas sim simplesmente dizendo algo como “olha, é normal, faz parte da vida, não precisa ficar com vergonha”, pelo que eles podem se dar ao luxo de trabalhar imagens que carregam beleza e até mesmo um certo humor, como é o caso da sequência que marca a “virada” do longa que não é protagonizada nem por Vera, nem por qualquer um para quem ela aluga o apartamento. Essa cena, aliás, é voyeurismo efetivo puro, mas feito para incomodar quem se coloca nos sapatos de quem observa e para atrair risadas nervosas de quem não conseguir calçá-los, com a direção da dupla realmente transformando a câmera em nosso olhar.
Vera e o Prazer dos Outros é um delicioso coming of age por meio de descoberta do sexo não como algo solene, não como um tabu a ser quebrado, mas sim como um instrumento de socialização, de entrada na vida adulta e, sob certos aspectos, de responsabilidade. Não é um filme que apregoa exageros nessa seara, mas sim, apenas, um olhar mais terno, mais delicado e menos proibitivo, menos severo para o puro prazer carnal.
Vera e o Prazer dos Outros (Vera y el Placer de los Otros – Argentina, 2023)
Direção: Federico Actis, Romina Tamburello
Roteiro: Federico Actis, Romina Tamburello
Elenco: Luciana Grasso, Ofelia Castillo, Inés Estévez, Mariano Raimondi, Carlos Resta, David Zoela, Estefania Nicoló
Duração: 103 min.