O razoavelmente desconhecido Velozes e Furiosos de 1954 é um longa consideravelmente importante por duas razões extrafilme e uma intrafilme. A primeira razão extrafilme é que ele foi a segunda produção de ninguém menos do que Roger Corman, que criou o argumento roteirizado por Jerome Odlum e Jean Howell, e seu sucesso foi o que efetivamente tornou possível que a carreira do chamado Rei do Cult deslanchasse. A segunda razão extrafilme é que seu título original – The Fast and the Furious – foi efetivamente licenciado para a franquia homônima que começou em 2001 diante da dificuldade da produção em achar um título apropriado. Não foi um negócio milionário para Corman, que basicamente recebeu como pagamento o direito a usar diversos clipes de variados filmes da Universal Pictures, mas ele explica o porquê de cada um dos filmes posteriores ter títulos diferentes (no original, claro), sem usar apenas um número após o título, o caminho mais óbvio: o cineasta reservou para si o direito de fazer continuações de seu filme usando o título original mais um número. Interessante, não?
A razão intrafilme é, na verdade, um chiste meu, pois, em determinada altura do longa, o criminoso foragido Frank Webster (John Ireland, que também co-dirigiu o filme) conta uma piada para a bela piloto do corridas Connie Adair (Dorothy Malone) que ele sequestrara de forma a mostrar como ele é durão: uma vez, quando jovem, ele foi picado por uma cobra e, então, a cobra morreu. Certamente todo mundo já ouviu variações dela conectadas especialmente com o lendário Chuck Norris, mas é neste filme de 1954 que eu creio que ela foi contada no audiovisual pela primeira vez.
Mas, falando especificamente do filme, apesar de eu não achar que ele foi base para a franquia Velozes e Furiosos para além do título, é inegável que as duas obras guardam muitas semelhanças. Temos um criminoso que não é exatamente um criminoso (o mencionado Webster) que, sob disfarce, participa de uma corrida de rua com carros tunados como parte de seu plano para fugir para o México, com direito a um obrigatório romance com Adair em uma espécie de Síndrome de Estocolmo quase 20 anos antes de a expressão existir, claro. Adair é levada por Webster depois que os dois se esbarram em um restaurante de beira de estrada e ele descobre, em razão de um caminhoneiro abelhudo, que a jovem é piloto e dirige um belíssimo Jaguar branco, modelo XK120, que Corman conseguiu depois de convencer o distribuidor local de emprestar o automóvel para a produção.
O que segue, daí, é um longa de “fuga da polícia” que os diretores Edward Sampson e Ireland comandam com muita eficiência, quase que tendo apenas um carro e dois atores para focar e, mesmo assim, encontrando ótimas circunstâncias para manter a narrativa sempre viva e interessante, ainda que inevitavelmente repleta de clichês, o maior deles sendo justamente a relação amorosa que começa a existir entre Webster e Adair. O que definitivamente não é clichê é a forma como o roteiro lida com a co-protagonista feminina, pois ela não é nem de longe a “dama em perigo” que precisa ser salva pelo sujeito durão e bonitão ao lado dela. Ao contrário, a personagem não só tem o mesmo destaque que sua contrapartida masculina, como ela é uma personagem completa, uma efetiva piloto de carros modificados e não só uma piloto qualquer, mas uma das melhores, ainda que ela – infelizmente, mas com muita verossimilhança para a época, temos que admitir – seja banida da corrida juntamente com as demais mulheres, pois o comitê regulador, presumivelmente formado apenas por homens, decidiu, na véspera, que o circuito era perigoso demais para exemplares do sexo feminino.
Com uma fotografia preto e branco diurna em locação que faz o melhor uso possível do branco do Jaguar dirigido por Webster, o longa – que é quase um média metragem de tão curto – entrega uma aventura policialesca decididamente de baixo orçamento (o filme custou 50 mil dólares, que foi o dinheiro que Corman conseguiu com sua primeira produção, Monster from the Ocean Floor, do mesmo ano), mas também decididamente de qualidade, que faz parecer que cada dólar gasto foi muito bem gasto. Em outras palavras, o “primeiro” Velozes e Furiosos é um Corman puro e certamente mais genuíno em sua pegada do que quase a integralidade da franquia que, quase 50 anos depois, batizaria.
Velozes e Furiosos (The Fast and the Furious – EUA, 1954)
Direção: Edward Sampson, John Ireland
Roteiro: Jerome Odlum, Jean Howell (baseado em história de Roger Corman)
Elenco: John Ireland, Dorothy Malone, Bruce Carlisle, Iris Adrian, Marshall Bradford, Snub Pollard
Duração: 73 min.