Sergei Eisenstein é um dos nomes incontestáveis quando falamos de “artesãos pioneiros do cinema”, e um dos filmes que ele fez em parceria com Grigori Aleksandrov, Velho e Novo (A Linha Geral), é uma das obras onde podemos constatar muita coisa daquilo que o diretor sabia fazer com excelência. O longa toca no tema da coletivização das terras na União Soviética, mostra a miséria do campesinato, critica firmemente a burocracia das repartições públicas e faz uma representação bastante irônica de uma procissão ortodoxa, indicando que esse tipo de entrega fanática a líderes com promessas impossíveis de se cumprir (nesse caso, fazer chover) era uma das práticas que os soviéticos deveriam deixar para trás.
A produção de Velho e Novo foi longa e conturbada, começando em setembro de 1926, quando Eisenstein assinou um acordo com a Sovkino (Companhia de Estoque de Fotografia e Cinema Para Toda Rússia) comprometendo-se a escrever um roteiro sobre a reorganização da agricultura nacional. Entre novembro e dezembro de 1926, o diretor filmou as primeiras sequências da obra, mas o projeto foi suspenso porque ele e sua principal equipe embarcaram nas filmagens de Outubro, cuja produção durou de abril a outubro de 1927, e o longa estreou no Teatro Taganka de Moscou, em 7 de novembro daquele mesmo ano. O retorno para A Linha Geral (que nesta fase teve o seu nome mudado para Velho e Novo) aconteceu em meados de 1928, e depois de muitos problemas com a cúpula de vistoria e censura do Partido, estreou oficialmente, em 25 de setembro de 1929.
A obra retrata a vida de um grupo de camponeses vivendo um processo de transição para a prosperidade e melhores condições de vida, após a criação de cooperativas locais (e aqui temos uma de laticínios e outra de criação de gado) e de coletivização das terras, antes separada até mesmo entre irmãos, como vemos na sequência de abertura, com a heroína da obra, Marfa (Marfa Lapkina, uma camponesa na vida real) recebendo uma terra seca e não tendo sequer um cavalo para ajudá-la na aragem do solo. O filme mergulha nas tensões e conflitos sociais desencadeados pelas mudanças sociopolíticas, revelando as contradições e os desafios enfrentados pela população camponesa. O diretor expõe os problemas desse processo, muitas vezes feito sem diálogo amplo, sem um processo de educação das massas ou mesmo de forma forçada. A despeito do resultado positivo e do aumento do número de membros das cooperativas no filme, vemos uma crítica à maneira como algumas reformas foram aplicadas e, principalmente, aos agentes governamentais e os locais públicos para adquirir documentos ou fazer prestação de contas.
Mais uma vez trabalhando com Eisenstein (como fizera em A Greve, Potemkin e Outubro), o fotógrafo Eduard Tisse realiza aqui mais um de seus espetáculos visuais. O uso de contrastes entre homem e máquina, os ângulos mais incômodos possíveis para ressaltar o sofrimento em algumas cenas, os olhares dos camponeses e as marcantes composições da paisagem rural e da dureza da vida dos trabalhadores ganham destaque, dando as mãos para um outro aspecto técnico grandioso do filme, que é a montagem. A rapidez e precisão com que nos mostram os eventos consegue transmitir as fugazes emoções dos personagens, com destaque para as composições dos bois morrendo, no preparo da terra, da mesma forma que os camponeses estavam completamente estafados e quase mortos; ou o momento da procissão em que vemos velas derretendo e ovelhas babando, ao mesmo tempo que os fiéis desmaiavam debaixo do sol escaldante.
Infelizmente os diretores deixaram passar algumas cenas de interação entre personagens que são um tanto difíceis de interpretar, atrapalhando o desempenho das sequências. Nesses casos, o corte é abrupto e o que se sucede não parece obedecer à lógica das expressões faciais da cena anterior (um exemplo disso é logo na chegada do trator, quando um jovem camponês aposta “corrida de colheita” com um veterano e consegue acompanhá-lo). Outras sequências, como as do abate dos porcos, não são necessárias para o desenvolvimento da obra, e seu significado simbólico já estava atribuído, de maneira diluída, em outras cenas. Em contrapartida, momentos como a primeira vez em que a máquina de desnatar é utilizada ou as cenas da chegada da primavera (com a “noiva vaca”, os campos floridos e as mulheres grávidas) mais a cena dos tratores arando a terra, no final, são absolutamente fascinantes – assim como os momentos de apresentação da vida na propriedade, logo no início do filme.
Velho e Novo mostra a chegada da tecnologia para os trabalhadores do campo e as dificuldades que esse processo enfrentou. O burocrata, o camponês rico que tenta boicotar a cooperativa e as contradições do regime, em sua falta de diálogo e seus funcionários lentos e estúpidos, são apontados sem rodeios na fita. Não chega a ser uma obra-prima de Eisenstein, mas é certamente um dos produtos sociais mais intensos e criativos da época, dos quais a URSS estava repleta, ainda naquela primeira década de criações do “realismo soviético”, já em demonstrações de cansaço – não pelos artistas, mas pela paranoia dos agentes estatais encarregados de sua liberação. No fim das contas, se não agradasse Stálin ou alguns de seus representantes diretos, não era digno de ser exibido. Eisenstein sentiria o peso dessa política ainda mais forte em seus filmes seguintes.
Velho e Novo / A Linha Geral (Staroye i novoye / Старое и новое) — URSS, 1929
Direção: Sergei Eisenstein, Grigori Aleksandrov
Roteiro: Sergei Eisenstein, Grigori Aleksandrov
Elenco: Marfa Lapkina, M. Ivanin, Konstantin Vasilyev, Vasili Buzenkov, Nejnikov, Chukamaryev, Ivan Yudin, E. Suhareva, G. Matvei
Duração: 121 min.