Enquanto O Provocador, volume anterior da série Mistérios do 87º Distrito, contou com um cenário de ação imenso, tendo grande motivação das forças policiais e de personagens secundários em torno do “Homem Surdo”, este 13º volume assume um papel mais controlado. Tudo o que acontece de importante neste livro se passa num bairro portorriquenho de Isola, entre a “Lanchonete do Luís “e o “La Gallina”, um bar que também abriga uma casa de prostituição. Nesse ambiente, Ed Mcbain ergue uma história de gangues e gângsters, num território cercado, quase claustrofóbico. A ação de passa em julho, em pleno verão do hemisfério norte, e o autor faz uma descrição perfeita de como o calor torna o tráfego de veículos e pessoas um verdadeiro inferno. Indivíduos nervosos, suando profusamente e incomodados com a alta temperatura estão cercados pela sujeira e violência da cidade, que nem sempre são muito óbvias e podem se esconder nos mais insuspeitos lugares.
Veja-os Morrer não é um livro de procedimento policial, elencando a investigação de um crime e o envolvimento da polícia para encontrar o assassino. A bem da verdade, O Provocador também não foi. O último volume da série a trabalhar isso como linha central foi Dê Uma Mão aos Garotos (#11), o que nos indica que McBain não tinha interesse em manter um mesmo sistema narrativo, mesmo que essa base funcionasse muito bem e fosse elogiada pelos leitores e pela crítica. Aqui, temos um livro de ação policial. Mais precisamente, de um cerco a um bandido (Pepe Miranda), que faz de tudo para não ser pego pela polícia. E nesse processo destacam-se alguns personagens recorrentes da série, como Steve Carella, Frankie Hernandez, Peter Byrnes e Andy Parker, este último, um policial racista, xenófobo e violento, que o leitor quer ver morto a cada página do livro. Aliás, se tem uma coisa que McBain também sabe fazer muito bem, além da contextualização interessante do espaço geográfico de suas tramas, é criar personagens muito marcantes e plenamente distinguíveis… especialmente os vilões (o Homem-Surdo de O Provocador e Virgínia, de Atentado a Carella não me deixam mentir).
Numa ação que vai mais ou menos das 8h às 13h, Veja-os Morrer percorre a vida de diferentes pessoas, vasculhando suas vontades e intenções num dia qualquer de muito calor. E todas as histórias aqui são praticamente perfeitas em sua construção interna. Pode-se apontar falhas de ligação entre os diferentes atos e as cenas que concluem o livro, com Carella vestido de padre e seu contato com Pepe Miranda, mas ainda assim, são todos momentos instigantes e muito bem escritos. Gosto muito, aliás, da maneira distinta como o autor aborda as complexas relações sociais e de classe envolvendo imigrantes latinos nos Estados Unidos (especificamente os portorriquenhos) e o caminho que ele percorre para alcançar esse intento, falando do acesso ao emprego, da dificuldade com a língua inglesa, da delinquência infantojuvenil e da forma injusta e muitas vezes infame com essas pessoas são tratadas na “Terra da Liberdade”.
Essas contradições também são espelhadas no âmbito pessoal e ideológico. Em todos os núcleos narrativos, mesmo os de mais ação, percebemos como a sociedade e as ideias vindas de outras gerações influenciam nas crenças e no comportamento das pessoas, desde os adolescentes valentões e fascinados com a bandidagem até o povo que, de alguma forma, admirava a coragem de Pepe Miranda e seu enfrentamento à polícia. A morte extremamente violenta do bandido, assim como a morte do simpático policial Frankie Hernandez, são dois polos de uma mesma comunidade, representando homens que tomaram caminhos diferentes na vida e tiveram suas existências marcadas por essas escolhas. Uma pena que o assassinado aqui não tenha sido o desprezível Andy Parker, que aparentemente começa uma mudança de comportamento ao final do livro, considerando a conversa que ele tem com Luís, o dono da lanchonete.
Em tempo: foi ótimo o autor não ter dado continuidade no romance entre China e o marinheiro que apareceu na cidade apenas com intenção de transar. A relação entre os dois é muito interessante, chegando a trazer um calor emotivo num cenário de tristeza e mortandade, mas por estar cercada desse ambiente de tragédias, deveria mesmo acompanhar a linha de frustrações e não mergulhar em algo açucarado, talvez trazendo um clichê dispensável para a história. Um equilíbrio bem escolhido pelo autor e que reforça a qualidade do livro, certamente, um dos melhores da série.
Veja-os Morrer (See Them Die) — EUA, 1960
Autor: Ed Mcbain
Edição lida para esta crítica: Thomas & Mercer, 2011
205 páginas (edição digital)