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Crítica | Vampiro Americano – Vol.1

por Daniel Tristao
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O ano era 2010 e a onda vampiresca estava em alta no cinema e na literatura. Não, não era por causa de uma possível continuação do clássico de Coppola, nem por um novo romance de Anne Rice e muito menos pela da descoberta de um conto perdido de Bram Stoker. Era porque a saga Crepúsculo fazia muito sucesso entre os jovens, com vampiros de aparência frágil e que brilhavam no sol. No entanto, nesta mesma época, a Vertigo publicava nos EUA a edição inaugural de Vampiro Americano. É uma obra que surgiu no momento em que a mitologia do vampiro precisava de um fôlego, de algo que revigorasse aquele icônico personagem, ainda que os quadrinhos fossem (assim como hoje) uma mídia de alcance mais restrito se comparada à literatura ou ao cinema.

Criado e roteirizado por Scott Snyder, coescrito por Stephen King (!!) e desenhado pelo brasileiro Rafael Albuquerque, VA conta a história de uma nova raça de vampiros que surge nos EUA, no final do século XIX, a partir do momento em que o notório criminoso Skinner Sweet é mordido por um típico vampiro de linhagem europeia. Skinner torna-se então o primeiro Vampiro Americano: mais forte, rápido e resistente do que seus “primos” europeus. E principalmente, não tem as mesmas fraquezas que eles. Na verdade, o sol revigora suas energias, ao passo que a ausência de luz solar (incluindo a lua) o enfraquece, e seu reflexo no espelho aparece de forma distorcida.

A premissa por si só já é muito boa e criativa, o que de fato faz despertar a curiosidade dos fãs de histórias de vampiros (mesmo daqueles que não são leitores de quadrinhos). Além disso, é ótima também a ideia de acompanhar o surgimento dos Estados Unidos moderno através da ótica de um novo ser, com capacidades e habilidades únicas, desde os anos logo após o fim da Guerra de Secessão, passando pela expansão das fronteiras americanas, pelo surgimento de Hollywood e outros importantes eventos posteriores.

Percebendo as diversas possibilidades de vincular este universo fantástico aos grandes acontecimentos do século XX, logo me vem à mente DC: A Nova Fronteira, de Darwyn Cooke. No entanto, o que Cooke fez em sua obra de 2004 (aliando os dramas pessoais dos heróis aos sentimentos e valores de uma nação em transformação, usando momentos históricos como catalisadores) é bem diferente do que vemos em VA, ao menos nas cinco primeiras edições. Snyder e King fazem em seu texto algumas referências ao cinema da época ou ao preconceito contra os mexicanos, por exemplo, mas de forma superficial, sem nenhum aprofundamento ou desenvolvimento de tais temas. O objetivo aqui é mais simples e direto: contar uma história de vampiro com bastante sangue, ação e violência, além de alguns traços de terror e dramas pessoais. E isso a dupla consegue.

Snyder opta por localizar sua história nas paragens ensolaradas da Califórnia, a partir do ano de 1880 e adentrando as primeiras décadas do século XX, quando Hollywood começava a nascer. Uma época na qual os poderosos do cinema estadunidense montavam uma indústria glamourizada, elitizada e entremeada por preconceitos (que inclusive, no mundo real, perduram até hoje). A elite dos vampiros europeus controla um grande estúdio cinematográfico que promove festas recorrentes (dentre outros negócios que envolvem muito dinheiro, como a construção de linhas de trem) com o objetivo de atrair vítimas para saciar sua interminável sede de sangue. Para King, os vampiros não deveriam ser “detetives pálidos que tomam Bloody Mary e só trabalham à noite; cavalheiros sulistas infelizes no amor; menininhas anoréxicas; menininhos lindinhos de olhos lacrimosos”, e sim homicidas impiedosos, assassinos e caçadores. É daí que vem o fôlego que eu citei lá no começo; acredito que, de certa forma, na visão dos autores, algumas obras ficcionais seriam bem diferentes nesse universo criado por Snyder.

Combinando com este perfil agressivo e ameaçador, a arte de Rafael Albuquerque evoca algumas referências clássicas no visual dos vampiros da nova espécie. A bocarra que remete às criaturas de A Hora do Espanto e as garras que lembram as do Conde Orlock, de Nosferatu, emprestam a Pearl e Skinner o aspecto de predadores sanguinários quando transformados em sua forma vampiresca.

A narrativa é dividida em dois momentos: um no passado, a partir de 1880, retratando a história de como Skinner se tornou um vampiro; e outro no presente, a partir de 1925, sobre como Pearl Jones se tornou o segundo espécime do vampiro americano. Desta forma, os dois protagonistas são apresentados e é possível perceber que o grande vilão da trama não é Skinner (como o leitor é induzido a crer, tendo em vista sua personalidade criminosa e o foco em seu personagem no começo da trama). Na verdade, Skinner ainda é um vilão em essência, mas com uma aparente tendência à redenção se levarmos em conta suas intenções em relação a Pearl, que são parcialmente reveladas. Os dois protagonistas são bastante contrastantes entre si, o que gera uma dinâmica estimulante de se acompanhar, embora as trajetórias de ambos sejam desenvolvidas de forma paralela, com apenas alguns momentos em comum. Enquanto ele é desonesto, homicida e cruel, Pearl é virtuosa, forte e justa, só quer seguir com sua vida de maneira honesta; mas Pearl não leva nenhum desaforo para casa, e isso a faz ficar, digamos, violenta às vezes.

O grande problema deste volume é o personagem Will Bunting. Will atua como narrador em primeira pessoa, porém, sua presença no decorrer da história não se justifica em momento algum. Will não possui nenhuma relação relevante com os protagonistas; era só um passageiro comum no trem que foi atacado pelo bando de Skinner, acontecimento que precedeu a transformação vampírica do criminoso. A partir daí o roteiro insiste em colocar uma irritante fala na boca do personagem, sempre que surge a necessidade dele estar presente nos momentos chave: “Posso ir junto?”. Isso ocorre várias vezes neste primeiro volume e, assim, Will segue os oficiais que tentam capturar Skinner, acumulando todo o conhecimento necessário para ser transmitido ao leitor, mas sem desenvolver nenhum tipo de vínculo verdadeiro com outros personagens. Desta forma, talvez fosse mais produtivo utilizar um narrador onisciente, pois não haveria a necessidade de amarrá-lo à trama.

O peso de um nome como o de Stephen King certamente confere credibilidade adicional a VA. Sua colaboração nestas cinco edições iniciais, abraçando o conceito e o universo criados por Snyder, não apresenta a mesma excelência de seus melhores livros (o que não é ruim, apenas natural), mas atende bem à proposta da obra e serve como um grande chamariz para o lançamento da revista, no já longínquo ano de 2010. Fora isso, VA acerta mais do que erra e Snyder consegue estabelecer um universo cativante através da história de origem de uma nova espécie de vampiro para um novo século.

American Vampire 1 – 5 (EUA, 2010)
No Brasil: Vampiro Americano 1 (2012)
Roteiro: Scott Snyder e Stephen King
Desenhos: Rafael Albuquerque
Editora no Brasil: Panini Comics
200 páginas

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