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Crítica | Upload – 2ª Temporada

Focando mais nos personagens e menos na história - uma temporada de transição

por Davi Lima
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A primeira temporada de Upload tinha uma classificação etária maior, tinha mais piadas contextuais com dinâmicas tecnológicas futuristas e mais tempo para dramatizar sua história, criar conflitos mais intensos a partir de um preparo mais lento. Essa segunda temporada segue a toada do criador Greg Daniels de se propor a mudanças, criar espécies de resets que naturalmente as séries precisam fazer entre suas temporadas. Daniels não é muito bom em disfarçar essas mudanças de panorama, e parece não se importar muito com isso, como uma necessidade de constante regulagem com o público a partir de novos contextos de produção. Em Space Force, série da Netflix, a mudança foi considerável entre duas temporadas, e no caso de Upload, série da Amazon Prime Video, a regulação no número de episódios e na abordagem etária, o reset é mais atenuado. Entretanto, se com Upload havia um charme de uma comédia absurda mediante o futurismo, agora a série assume um pragmatismo ambíguo ao focar mais nos personagens e menos na trama.

A preocupação da série é tão focada nos personagens que seu final parece mais um gancho de episódio, soando anticlimático quando se imagina um final de temporada. Não que isso seja diferente do que a primeira havia mostrado, no entanto, o primeiro ano precedia um bom desenvolvimento de impacto e transformações que o espectador poderia experimentar melhor. Nathan (Robbie Amell) tinha um percurso mental na série que envolvia sua memória e os mistérios acerca de sua morte, sendo sua decisão de sair de Lakeview redentora para seus atos. A reviravolta envolvendo Ingrid (Allegra Edwards) é um humor que a série, aos trancos e barrancos, entregou com momentos marcantes. Nessa segunda temporada, o protagonista vira um Robin Hood sem consequências, e o próprio ator Robbie Amell, que surpreendeu no começo, entra num piloto automático que é seu costume de ator mediano para fraco. Inusitadamente, enfraquece-se a narrativa de mistério e transformação do personagem exatamente por Upload focar muito no personagem e em seus parceiros.

Assim como Greg Daniels considerou a métrica da fórmula episódica para o segundo ano de Space Force para diminuir o escopo da série, em Upload acontece o mesmo, mas sem justificativa aparente. O orçamento não diminuiu, não houveram reações mistas, mas ainda assim o criador implementou uma produção que tenta misturar mais arduamente um progresso sequencial com uma abordagem procedural, “o caso da semana em Lakeview”, ou “o caso da semana das Anjos com os Clientes da Horizon”. Isso talvez seja pouco perceptível, mas ao mesmo tempo em que a temporada tem uma produção menor, de 7 episódios, o tamanho deles cresce em minutos, com roteiros desequilibrados. Isso acontece quando busca-se compensações ou testes em uma temporada que precisava de progresso dramático e mais escopo, mediante a profundidade de alguns temas trazidos no lançamento.

O começo da temporada até promete um cisco disso. A  direção de Dee Rees, no primeiro episódio, dá um cuidado maior ao drama e apresenta o paralelismo entre Nathan e Nora (Andy Allo) com a  defraudação de um dos dois em relação ao romance. Eles são reintroduzidos na série com falta de conexão, depois se conectarem tanto. Porém, os episódios seguintes são dirigidos pelo antigo parceiro de Daniels em The Office: Jeffrey Blitz. Ele era famoso na série do escritório por dirigir capítulos  episódicos e impactantes dentro de uma temporada com o chefe Michael Scott (Steve Carell). No contexto de Upload, sua direção causa rapidez e conforto para se assistir à  série numa constante. Se isso parece bom, imagine uma trama que não muda de nível, onde  apenas os personagens parecem se movimentar em teletransportes de dramas.

Infelizmente, Upload se perde no que nós, espectadores, tanto valorizamos, que são os personagens. Difícil não reconhecer que Nora e Nathan são bem preparados para um reencontro, que Luke (Kevin Bigley) e Aleesha (Zainab Johnson) têm mais camadas dramáticas próprias sem depender de um humor contextual e que Ingrid cresce como personagem ao ponto de ela ser essencial para se entender o estilo de Greg Daniels para suas séries. Todavia, enquanto os roteiristas detalham os personagens e o número menor de diretores para essa temporada se preocupam em tornar os dramas mais diretos, a dimensão da série parece uma superfície de tela digital: frágil. A preocupação com a desigualdade social, a discussão ideológica de religião e política, a segurança digital, as emoções da IA e a ludibriação empresarial de ascensão no emprego como “bônus sem ônus” existem. Os tais ludistas (referência ao movimento operário Ludismo na Revolução Industrial, no qual os trabalhadores quebram máquinas como protesto) são melhor apresentados, o suspense envolta do assassinato de Nathan se imbui de carga política, mas nada disso de fato aumenta o escopo da série.

Há novas abordagens temáticas e conversas sociais objetivas, novos percursos, mas sempre em meio a elipses e quebras de ritmo entre episódios e dentro dos episódios. O episódio 6, em que Aleesha e Nora levam Luke e Nathan para Nova Iorque, há uma boa tentativa de aproximar o tema dos pobres e a luta de classes para algo mais palpável. Porém, ao mesmo tempo em que esse episódio mostra o Queens e algo mais urbano, depois de mostrar o lado florestal onde vivem os ludistas, o suspense que se tenta criar é como um cachorro correndo e latindo atrás de um carro. Até mesmo a história do Detetive Sato fica jogada para depois, assim como esses temas mais realistas que mais preenchem a temporada e conectam os personagens do que são desenvolvidos como mensagens.

Greg Daniels é conhecido por trazer mensagens otimistas e críticas em simultaneidade em suas séries. Michael Schur talvez seja a evolução dele quando se pensa em Parks and Recreation, quando na sétima temporada trouxe à tona as problemáticas digitais de um futuro próximo, algo semelhante a Upload. O trabalho com falas de efeito, com dramas menos realistas e mais clichês não são problemas para esses showrunners, porque eles sempre utilizam esse estilo de otimismo como confronto. Upload em seu primeiro ano ainda mantinha isso, mas nesse segundo ano até isso ficou em segundo plano.

Realmente os personagens criam brincadeiras para uma maratona de 7 episódios. Eles são a constante em uma temporada regular. Junto com a direção dos episódios, que expõem a fragilidade dos roteiros e seguram a atenção neles, os personagens são o que vale a pena. Torcer por Nathan e Nora, entender que Luke tem uma loucura racional e Aleesha tem desejos e anseios legítimos de alguém que precisa de dinheiro e quer ser mais respeitada. E o mais impressionante é Ingrid, a personagem-símbolo do que é a mensagem de Greg Daniels. Uma mulher rica, desesperada para comprar tudo que não consegue fazer ou ter, mas sua necessidade de amar e ser amada em parte é tão absurda que vai se tornando um drama valoroso de um ser humano que precisa de ajuda e apoio. Não é porque ela é burguesa que não pode ser levada em conta, ser levada a sério, mesmo com seus privilégios. Do mesmo jeito que Nathan não é mais o personagem idealista vestido com roupa de academia. Agora ele veste roupas mais escuras, mais seguro de si, ainda que cometa gafes pouco julgadas na série…

Assim, Upload volta em baixa, se comparada com a primeira temporada, mas ainda se segura pela criatividade de Greg Daniels de reformular e propor novas ideias que ainda são leves e divertidas de assistir. Para quem se assustou com as mudanças de Space Force não levará o mesmo susto com Upload, apesar de sentir um menor peso em toda a sua trama. Porque ao mesmo tempo que há uma criatividade em como podemos enxergar os personagens, a história parece incompleta e muito mais interessada em nos chamar para fazer o download da terceira temporada. Não deixa de ser decepcionante, ainda que tenha uma linha dramática intrigante que nos chama a esperar um terceiro ano da série.

Upload – 2ª Temporada (EUA, 11 de março de 2022)
Criação: Greg Daniels
Direção: Dee Rees, Jeffrey Blitz, Athina Rachel Tsangari
Roteiro: Izzy Kadish, Lauren Houseman, Maxwell Theodore Vivian, Anna-Maria Ssemuyaba, Megan Neuringer, Yael Green, Owen Daniels
Elenco: Robbie Amell, Andy Allo, Allegra Edwards, Zainab Johnson, Kevin Bigley, Chris Williams, Owen Daniels, Andrea Rosen, Josh Banday, Christine Ko, Jessica Tuck, William B. Davis, Chloe Coleman, Rhys Slack, Matt Ward, Hiro Kanagawa, Paulo Costanzo, Mackenzie Cardwell, Peter Bryant, Jessica Hayles, Vic Michaelis, Yvetta Fisher, Barclay Hope
Duração: 229 min. (7 episódios)

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