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Crítica | “Unlimited Love” – Red Hot Chili Peppers

Ingredientes isolados inspirados numa salada nostálgica e morna.

por Iann Jeliel
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A lover will show you how
To break it down

Unlimited Love me traz um estranho sentimento que vem sendo cada vez mais frequente nos recentes álbuns de grandes bandas de um outro tempo que escuto. Como sou um pouco conservador para música e dificilmente escuto o que está disponível no presente, não tenho como afirmar, mas o sentimento é de uma tendência: disfarçar ou propor uma retrospectiva em tom nostálgico do próprio estilo num contexto em que os músicos estão mais libertos das amarras da indústria que o rock não domina mais. Cria-se uma forte difusão aí, em que a sonoridade fica entre o déjà-vu de um passado que nunca mais vai voltar com uma progressão autêntica dessa musicalidade que poderia conquistar o moderno.

É óbvio que há outros fatores externos a se considerar, como a idade avançada da maioria desses remanescentes da velha guarda, que inevitavelmente um dia não conseguiriam mais se comunicar com outras gerações, além do próprio interesse dessas novas gerações em conhecer esse “novo” som que eles poderiam propor, quanto mais o interesse em consumir algo que remete ao antigo. Como a maioria dessas grandes bandas não tem mais o que provar, acabam se voltando para tentar agradar àquele público que conquistaram ao longo dos anos, e, vez ou outra, pontualmente trazendo singles mais originais. Com Red Hot Chili Peppers não seria diferente, ainda mais com esse segundo retorno do guitarrista que fechava o quarteto principal e do produtor responsável por iniciar o auge de RHCP em Blood Sugar Sex Magik, John Frusciante e Rick Rubin, respectivamente, que saíram depois (ou no caso de Rubin, pouco tempo depois) de Stadium Arcadium, o disco que marcou o fim desse auge da banda.

Não que o que vemos em I’m With You e The Getaway seja ruim. Muito pelo contrário, considero-os discos bem subestimados. Evoluções naturais e contemporâneas do que foi estabelecido como o estilo “ideal” da banda na sua obra-prima Californication. Inclusive, muito do sentimento de modernização uniforme está na conta do guitarrista Josh Klinghoffer, que parecia entender bem quais os direcionamentos líricos para fazer o som de RHCP não envelhecer sem tantos apelos eletrônicos. Exatamente esse sentimento passado por Unlimited Love: um som com o mesmo clima californiano de um outro tempo, mas que não se entrega completamente ao passado e nesse sentido, renega o processo de modernização anteriormente implementado.

Parece que as homenagens dos primeiros anos soam tímidas para não se perder o apelo popular estabelecido pela banda, mas também que as músicas remetentes ao período auge não tem a mesma sinergia, principalmente no groove dos refrãos pouco memoráveis. Sejam as mais enérgicas, ou mesmo, as mais calmas, as músicas soam deslocadas de seu tempo, embora isso não seja necessariamente um atestado de má qualidade. Cito como exemplo as canções lançadas como singles para vender o álbum: Black Summer e These Are The Ways. São músicas claramente construídas com esse misto de elementos já apresentados pela banda nas duas frentes, sem um elemento explícito de interligue. Pode-se dizer, em ambos os casos, que o vocal e instrumental não se dialogam ritmicamente, mas, o trabalho deles isoladamente são suficientemente inspirados para finalizar o conjunto de modo bastante agradável de ser ouvido.

Na primeira, o mérito está no vocal pausado tradicional de Anthony Kiedis em sintonia com as proposições pedidas da lírica, sendo o instrumental pouco equilibrado na condução das transições de seu timbre. Na segunda, a cadência de Kiedis parece unidimensional em comparação à sintonia explosiva instrumental da guitarra de Frusciante, baixo de Flea e bateria de Chad, que fornecem um combo espetacular naqueles últimos segundos. Em suma, essas e outras canções de Unlimited Love como Let Em Cry, One Way Traffic, Whatchu Thinkin (boas músicas, mas não passam disso), parecem partir do mérito de momentos ou características perceptivelmente sozinhas. O que indica uma proposição criativa que parece ter pensado justamente em reunir atributos já consolidados mais do que pensar numa ideia original.

Poster Child e The Great Apes, por exemplo, colocam referências culturais dispersas com o fluxo da obra visando ser uma nova Californication. Não obstante, entrevistas com os  músicos revelaram que eles gravaram muito mais material do que foi visto (no caso, ouvido), reforçando o sentimento de compilado. É verdade que a banda nunca teve um comprometimento tão criterioso nesse aspecto estético da sequência de faixas, mas seu caráter casual era marcado e sintonizado com o planejamento de alicerces definidos. A temática central englobando o amor e suas variadas, parece ter sido escolhida em pós-produção por ter várias canções “românticas” (leia-se: relacionadas ao tema “amor”) no bolo da playlistHere Ever After, She’s a Lover, Not The One, Veronica, Tangelo. Particularmente, a única que me agradou realmente nesse prisma foi It’s Only Natural, sendo o que Black Summer não foi em termos de sintonia na mixagem – aqueles pequenos toques no baixo são muito charmosos. Na letra, é um Eduardo e Mônica sem firulas e desiludido. Um conto realista capaz de melancolizar qualquer pessoa  de coração partido.

Falando em destaques positivos, preciso reservar também um espaço para enaltecer Aquatic Mouth Dance. Talvez a única música da banda que genuinamente evoca o funk do passado de maneira atualizada e ainda congruente com os acordes alternativos, ritmados com uma energia de um Can’t Stop ainda mais dançante. O irretocável barítono de Kiedis encontra equilíbrio nas linhas melódicas do saxofone ligados à performance fantástica de Flea que praticamente mimetizam um show de jazz no clímax. De longe, a melhor e mais empolgante faixa entre as 17. Outra canção que chega a ser bem empolgante é The Heavy Wing. Uma das poucas do disco que conseguem elaborar uma crescente em tom na sua construção, inicialmente calma, depois estourando no refrão para enfatizar a guitarra no entorno do scream, elaborando aquela clássica canção de palco vista em um rock mais clássico ou mesmo no metal. Além desses e do jazz, o álbum pincela outros estilos como o Folk-Country na ótima Bastards Of Light e até um clima de Reagge na diferente White Braids & Pillow Chair.

Bandas do nível de casca que tem RHCP inevitavelmente apresentaram grande originalidade pontual, mesmo quando seguem um prisma de conforto na própria discografia . Engraçado é ver como esse prisma saudosista que enxergo como tendência em bandas como esta, ainda nesse contexto, consegue naturalmente ir de encontro às tendências do todo que cada vez mais transforma a música em “cortes”. É sintomático não termos, por isso, refrãos tão grudentos no disco? Ou com o fato da duração total ter mais 70 minutos? Talvez, mas são méritos extracampo. Por mais que seja cruel falar de álbuns tão rapidamente ainda não tão frescos na memória (é preciso sempre dar tempo ao ouvido), defino no imediatismo Unlimited Love como uma salada morna com algumas folhas bem temperadas.

Aumenta!: It’s Only Natural
Diminui!:
The Great Apes
Minha Canção Favorita do álbum!: Aquatic Mouth Dance

Unlimited Love
Artista: Red Hot Chili Peppers
País: Estados Unidos
Lançamento: 1 de abril de 2022
Gravadora: Warnes Bros
Estilo: Rock Alternativo, Funk Rock

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