Muito se fala sobre misoginia nos ambientes de trabalho, mas há narrativas que versam também sobre questões ligadas ao processo de disputa entre pessoas que ocupam os mesmos lugares de fala e sobrevivência. Nos espaços corporativos, por exemplo, temos relatos constantes de situações envolvendo o assédio sofrido pelas mulheres, diante de homens tóxicos e com posicionamentos ultrapassados, permitidos apenas quando o mundo ainda não havia despertado para tais questões. Mas, caro leitor, quando o tema é assédio entre pessoas do mesmo segmento, o paradoxo e a instabilidade se instalam com veemência. Dramas, confusões e situações cômicas embalam o desenvolvimento deste clássico moderno dos anos 1980, Uma Secretária de Futuro, dirigido por Mike Nichols, cineasta que tem como base o roteiro de Kevin Wade, uma trama sobre tantos assuntos, mas que tem como palavras-chave essenciais, o conflito entre a ética e a sua ausência nos ambientes corporativos, haja vista a guerra travada entre duas mulheres por dominação e poder.
Ao longo de seus 113 minutos, a comédia dramática nos apresenta a história de Tess McGill (Melaine Griffith), uma jovem que estuda, trabalha e tenta lidar com o namorado machista e grosseiro que a deixa constantemente insegura no terreno pantanoso dos relacionamentos. Ela fica ainda mais deprimida quando percebe que o seu chefe tem como intenção leva-la para cama, o que a faz desistir de crescer dentro daquele espaço que não cabe mais, afinal, sua intenção começa a ser a de não seguir as regras que ela não criou para si. A mudança parece chegar como uma brisa. Ela vai trabalhar para Katherine Parker, interpretada pela habitualmente ótima Sigourney Weaver. A sua nova chefe, não líder, como geralmente nós falamos mais na atualidade, é uma figura de sucesso fascinante, mas muito inescrupulosa. O que inicialmente seria uma relação amistosa de sororidade se torna uma descida aos infernos psíquicos.
Tess descobrirá isso da pior maneira possível, após perceber que a sua função de secretária tem sido não apenas vilipendiada pelos atos da personagem hierarquicamente superior, mas também teve as suas ideias roubadas. Explico: após uma viagem para esquiar, Katherine Parker se machuca gravemente e, diante do acidente, precisará ficar internada por um tempo considerável. Assim, a sua assistente assume as suas funções por um tempo determinado. Tess mantém o padrão de qualidade e dedicação, dando conta, inclusive, de tarefas excepcionais, como ir até o domicílio da chefa para regar as plantas. Ao chegar lá num certo dia, vasculha umas coisas em sua curiosidade e descobre que algumas ideias discutidas durante um momento onde desejava mostrar serviço no trabalho foram roubadas pela poderosa executiva.
Assim, começa a “guerra pelo trono”. A sugestão de Tess envolvendo mídias comunicacionais para um cliente em potencial poderia ser a sua chance para crescer dentro do ambiente corporativo de clima e cultura organizacionais vacilantes. O filme trabalha bem as dinâmicas entre as duas, além de aproveitar as histórias dos coadjuvantes, complementos para os conflitos centrais da narrativa, todos muito bem aproveitados. No meio da batalha profissional, há ainda, o embate em torno de um conflito amoroso, focado em Jack Trainer (Harrison Ford), um homem que se encontrará dividido entre a ira das concorrentes. É, em linhas gerais, uma narrativa bem a cara de sua época, seja nos figurinos assinados por Ann Roth, pelo design de produção que mergulha nos ambientes de trabalho daquela época, espaços repletos de novidades tecnológicas de uma era produtiva para a indústria, numa discussão ainda muito pertinente na atualidade: a falta de zelo com o próximo e a crise de caráter quando o que está em jogo é a manutenção de poder e privilégios nos caminhos sociais que pavimentamos diariamente. Ademais, interessante como Uma Secretária de Futuro debate comportamentos corruptos por meio de ironia e comicidade, sem perder o tom de seriedade de sua linha dramática central.
Um entretenimento de qualidade, com reflexões ainda muito pertinentes.
Uma Secretária de Futuro (Working Girl, EUA, 1988)
Direção: Mike Nichols
Roteiro: Kevin Wade
Elenco: Melaine Griffith, Harrison Ford, Sigourney Weaver, Kevin Spacey, Oliver Platt, Joan Cusack, Nora Dunn, Philip Bosco, Alec Baldwin, Robert Easton
Duração: 113 min.