Considero Brie Larson uma atriz que não tem o espaço e o destaque que talvez merecesse ter. Apesar de papeis de destaque em dramas como O Quarto de Jack, que lhe valeu o Oscar de Melhor Atriz, e em franquias gigantescas como o Universo Cinematográfico Marvel, meu sentimento é de que ela tem seu potencial pouco aproveitado nas mais diferentes produções. Se olharmos com carinho para suas atuações, notaremos que a atriz trabalha de forma contida, sempre evitando extremos, sempre encontrando uma forma de passar suas emoções de maneira econômica, mas eficiente, valendo-se muito mais de sutileza do que de expansividade. A minissérie Uma Questão de Química, baseada no romance homônimo de estreia de Bonnie Garmus, publicado em 2022, é um perfeito veículo para Larson – que é também produtora – mostrar suas características dramáticas e cômicas ao mesmo tempo.
Não que a minissérie em si seja perfeita, longe disso, mas sim que ela oferece uma ótima plataforma para a atriz construir sua personagem, a química Elizabeth Zott, nos anos 60, que transita muito bem entre o drama e a comédia. A tão comentada seriedade da atriz é usada justamente em benefício da protagonista que tem habilidades sociais e empáticas quase nulas, especialmente na primeira metade, mais parecendo um androide do que uma pessoa de verdade, o que a leva a fazer humor no estilo que os americanos chamam de deadpan, ou seja, fazendo da inexpressividade uma qualidade. E não, não é que Larson seja inexpressiva e, portanto, ela só consiga fazer esse tipo de humor. É mais do que isso. Larson torna-se inexpressiva especificamente para fazer esse tipo de humor aqui, tanto que, quando vemos sua personagem, depois de um lapso temporal, já com sua filha Mad (Alice Halsey) crescida, a forma de a atriz fazer comédia vai mudando, refletindo uma intimidade maior de Zott com o mundo ao redor.
Na história, a química Elizabeth, por ser mulher em um mundo dominado por homens, não consegue emprego como tal em um laboratório e precisa contentar-se como uma “técnica”, mesmo sendo muito melhor do que todos ao seu redor. Todos até ela deparar-se com o recluso “químico-estrela” da empresa, Calvin Evans (Lewis Pullman), que tem temperamento muito parecido com o dela, com os dois logo reconhecendo-se um no outro e iniciando um relacionamento profissional e amoroso. Depois de uma reviravolta, porém, Elizabeth vê-se com uma filha e sem emprego, precisando aceitar a oferta do produtor televisivo Walter Pine (Kevin Sussman em uma simpatia de atuação) para capitanear um show ao vivo de culinária em que ela usa seu profundo conhecimento de química para criar receitas deliciosas.
Os roteiros são didáticos ao extremo, com situações quase que cientificamente criadas para encapsular todo o tipo de dificuldade por que as mulheres passavam – e ainda passam, se quisermos realmente ser honestos – para galgar seus espaços em lugares que não sejam aqueles determinados por uma tradição cretina à que muita gente mesmo hoje em dia se agarra. Enquanto eu costumo reclamar dessa característica em obras audiovisuais, a grande verdade é que Uma Questão de Química é uma obra que faz até disso um charme, quase que uma “brincadeira séria” que funciona em seus objetivos de expor e ensinar, com a dupla formada inicialmente por Larson e Pullman estabelecendo uma tão perfeita química (óbvio que eu iria fazer essa brincadeira infame, não é mesmo?) que ela quase nos faz esquecer desse tipo de problema narrativo.
Por outro lado, a minissérie tenta abraçar o mundo e acaba se prejudicando no processo. Entre mudanças de ponto de vista narrativo – há um episódio inteiro narrado por Seis e Meia, o simpático cachorro de Zott – que não têm objetivo maior do que ser um artifício para chamar atenção e linhas narrativas que, como a investigação sobre o passado de Calvin por Mad, dependem de uma sucessão de eventos e coincidências que quebram a verissimilitude da história maior, novamente para aparentemente criar uma impressão desnecessária de frescor a uma minissérie que muito claramente poderia ter sido bem mais econômica e direta, sem precisar entrar em meandros disruptivos como esses.
Mas nada é tão problemático quanto a história paralela da série que lida com a luta de Harriet Sloane (Aja Naomi King), vizinha de Calvin e Elizabeth, contra a passagem de uma rodovia pelo bairro proeminentemente afrodescendente de Sugar Hill, em Los Angeles, algo extraído de fatos históricos. A narrativa em si é muito interessante e poderia facilmente resultar em uma série apartada lidando com os anos em que Sloane faz de tudo para impedir a destruição do lugar onde ela e sua família vivem, com King também muito bem no papel, mas o problema é que não existe convergência narrativa para além do que pode ser chamado de “sistema de apoio” entre as duas mulheres. A história central sobre Zott não interfere efetivamente na de Sloane e vice-versa, com ambas acabando também de maneira apartada e, no caso da de Sloane, de forma apressada.
É perfeitamente visível que a produção queria também fazer comentários sociais sobre a população negra americana em momento próximo ao nascimento do Movimento por Direitos Civis ao lado da narrativa sobre o lugar pré-determinado da mulher na sociedade, até porque o texto desse lado da minissérie é tão didático quanto o do outro, mas os roteiros são incapazes de unir esses elementos dentro de uma história coesa única que não pareçam efetivamente duas linhas narrativas paralelas que só se conectam quando as personagens atravessam a rua. São duas séries em desarmonia que, apesar de lidar com assuntos relevantes, acabam detraindo uma da outra, quase como se estivessem em competição por atenção.
Uma Questão de Química é, mesmo assim, uma simpatia irresistível com lembretes valiosos para os espectadores. Brie Larson encontra seu tom com facilidade e faz sua personagem evoluir organicamente ao longo dos episódios, seja sozinha, ou fazendo pares com Pullman, Halsey, King ou Sussman. Infelizmente, a produção falha em sua tentativa de trabalhar duas histórias paralelas e ao inserir alguns outros desvios narrativos que ou se perdem no meio do caminho ou acabam sendo resolvidos na base da conveniência de roteiro. Mas, as lições sociais – e até as de química! – são passadas eficientemente e valem o show.
Uma Questão de Química (Lessons in Chemistry – EUA, de 13 de outubro a 22 de novembro de 2023)
Desenvolvimento: Lee Eisenberg (baseado em romance de Bonnie Garmus)
Direção: Sarah Adina Smith, Bert & Bertie (Amber Templemore-Finlayson, Katie Ellwood), Millicent Shelton, Tara Miele
Roteiro: Lee Eisenberg, Elissa Karasik, Emily Fox, Bonnie Garmus
Elenco: Brie Larson, Lewis Pullman, Aja Naomi King, Stephanie Koenig, Patrick Walker, Derek Cecil, Thomas Mann, Andy Daly, Alice Halsey, Amentii Sledge, Yasir Hashim Lafond, Joshua Hoover, Kevin Sussman, Marc Evan Jackson, Paul James, Adam Bartley, Tate Ellington, B. J. Novak, Beau Bridges, Jake Short, Rainn Wilson, Ashley Monique Clark, Rosemarie DeWitt
Duração: xxxx min. (oito capítulos)