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Crítica | Um Tira da Pesada II

Nem ação, nem humor.

por Ritter Fan
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Um Tira da Pesada, de 1984, tornou-se uma das mais icônicas comédias dos anos 80 e Eddie Murphy, egresso de seus inesquecíveis papeis em 48 Horas e em Trocando as Bolas nos dois anos anteriores, sedimentou sua carreira como o adorável espertalhão que fala e pensa rápido com seu policial Axel Foley em três grandes acertos seguidos se convenientemente esquecermos de A Melhor Defesa é o Ataque, do mesmo ano, até porque é injusto chamar esse filme de um filme de Murphy. Como todo filme de sucesso em Hollywood – e Um Tira da Pesada foi um gigantesco sucesso, arrecadando 235 milhões de dólares na bilheteria, com um orçamento de apenas 13 milhões – uma continuação era inevitável e, três anos depois, ela veio, novamente fazendo com que o detetive malandro de Detroit voasse para Beverly Hills para resolver um novo caso que, desta vez, começa na Costa Oeste dos EUA.

Apesar de relativamente pouco tempo separar os dois filmes, os preparativos para ele foram frenéticos e repletos de mudanças de rumo, com a versão original da história se passando na Europa, algo que foi descartado tanto em razão do inchaço do orçamento quanto da pouca vontade de Murphy – então no auge de sua carreira e podendo basicamente fazer ou deixar de fazer o que bem entendesse, especialmente porque O Rapto do Menino Dourado, de 1986, foi outro sucesso financeiro, ainda que mais modesto – em filmar fora dos EUA – e com um destaque maior para Ronny Cox e seu Capitão Andrew Bogomil, que, porém, teve que ter sua participação abreviada em razão do envolvimento do ator com o espetacular RoboCop – O Policial do Futuro, em que ele viveu o grande vilão corporativo. Com isso, entre idas e vindas, entre entradas e saídas de roteiristas, entre interferências de Murphy dando seus pitacos e uma Paramount doida para lançar o filme, o resultado foi um roteiro morníssimo que preza mais a ação do que a comédia, o que esvazia grande parte do que fez o longa original ter a qualidade que teve.

Esse caminho na direção de um filme de ação (temos até que lembrar que o primeiro, em uma de suas versões, era um filme puramente de ação, com Sylvester Stallone no protagonismo) talvez tenha sido resultado da tentativa do roteiro de encontrar um meio termo entre o papel de Murphy e a entrada de Tony Scott na direção, depois de seu enorme sucesso com Top Gun: Ases Indomáveis e o desinteresse de Martin Brest, que comandou o longa original. Tenho para mim, porém, que o equilíbrio entra a pegada de ação de Scott e a comédia de Murphy nunca foi encontrado e os dois me pareceram um tanto quanto presos em seus quadrantes, por assim dizer, não deixando o filme ser nem uma coisa, nem outra, ou seja, sem que Scott tivesse espaço para fazer o que sabia fazer muito bem e sem que Murphy conseguisse ser mais do que exatamente a mesma coisa novamente, só que em uma ambientação em que Axel Foley não era mais uma novidade.

A desculpa da vez para Axel Foley atravessar os EUA para se meter em investigação de outra jurisdição é o atentado ao seu agora muito amigo Bogomil em meio a uma onda de crimes batizada de Crimes do Alfabeto em razão de cartas com mensagens codificadas que são deixadas em envelopes com as letras do alfabeto. Com Bogomil fora de combate em razão da impossibilidade de Cox de efetivamente participar no filme, tudo o que resta é a reconexão de Foley com o detetive Billy Rosewood (Judge Reinhold) que, agora, se acha Rambo ou Cobra em uma óbvia cutucada em Stallone por seu envolvimento lá atrás na produção original, e o sargento John Taggart (John Ashton), que passa por uma separação. Mas, claro, toda a situação do “estranho em terra estranha” do primeiro filme inexiste aqui, ainda que o roteiro tenha tentado, sem muito sucesso, investir na presença de um chefe de polícia mais linha dura que atrapalha, mas não tanto, a vida de Foley.

Se pelo menos o lado vilanesco fosse interessante, haveria algum tipo de compensação. Mas nem mesmo a vistosa presença de Brigitte Nielsen e as escalações dos ótimos atores Jürgen Prochnow e Dean Stockwell ajudam em alguma coisa, pois seus personagens não passam de recortes em cartolina completamente sem graça e, no caso do alemão Prochnow, criminosamente subaproveitado. Não estou dizendo que o roteiro do primeiro filme tenha sido o suprassumo narrativo, mas, na continuação, sem o estranhamento que a presença de Foley causa em Beverly Hills, era essencial que algo diferente fosse feito e não uma tentativa de repetir a fórmula. Claro que sou o primeiro a reconhecer que Murphy leva o filme nas costas com sua jovialidade, fala rápida, malemolência e a criação de “novos” papeis a cada situação diferente que seu Axel Foley tem que lidar, mas, como disse acima, o ator parece preso em um loop dramático, sem conseguir escapar de fazer a mesma coisa sempre.

De maneira semelhante, a assinatura característica de Scott em lidar exemplarmente com o frenesi de sequências de ação parece murchar completamente, resultando em algo tão burocrático quanto a direção de Brest. Pior ainda, o diretor se perde com uma montagem muito ruim que quebra a imersão nas poucas perseguições que acompanhamos e picota tudo em uma pouco satisfatória coleção de esquetes que não sabem muito bem o que querem ser quando vistas dentro do todo. E não adianta largar uma betoneira na mão de um manobrista vivido por Chris Rock em seu primeiro papel creditado (e segundo no geral) ou de contar com tomadas na Mansão Playboy, com direito à participação especial de ninguém menos do que Hugh Hefner, pois é pouco demais para compensar os problemas evidentes do longa que só inexistem na trilha sonora e nas canções utilizadas, uma delas – Shakedown – tendo até concorrido ao Oscar.

Um Tira da Pesada II é, portanto, mais um dos milhares exemplos de continuações que Hollywood simplesmente não sabe fazer, preferindo apostar na mesmice mais espalhafatosa do que tentar algo minimamente diferente. Foi outro gigantesco sucesso de bilheteria de Eddie Murphy, mas, naquela altura do campeonato, no auge da carreira do ator, vamos combinar que, se ele estrelasse uma produção de Ed Wood, ela seria um estrondo da mesma maneira. E é justamente por isso que Hollywood continua empregando a mesma técnica até os dias de hoje em suas intermináveis continuações, reboots, remakes e coisas do gênero.

Um Tira da Pesada II (Beverly Hills Cop II – EUA, 1987)
Direção: Tony Scott
Roteiro: Larry Ferguson, Warren Skaaren (baseado em história de Eddie Murphy e Robert D. Wachs e personagens criados por Danilo Bach e Daniel Petrie Jr.)
Elenco: Eddie Murphy, Judge Reinhold, Jürgen Prochnow, Ronny Cox, John Ashton, Brigitte Nielsen, Allen Garfield, Dean Stockwell, Gil Hill, Gilbert Gottfried, Paul Reiser, Brian O’Connor, Paul Guilfoyle, Robert Ridgely, Alice Adair, Glenn Withrow, Tom Bower, Hugh Hefner, Frank Pesce, Chris Rock, Valerie Wildman, Robert Pastorelli, Tommy ‘Tiny” Lister, John Hostetter, Todd Susman
Duração: 103 min.

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