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Crítica | Um Olhar a Cada Dia

por Leonardo Campos
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De todas as traduções do poema homérico para o cinema, relatadas nesta sequência de filmes, Um Olha a Cada Dia é a mais complexa. Isso não impede que a produção seja entretenimento, ao contrário, é a apresentação do que chamamos de “poesia do cinema”, com imagens repletas de elementos subjetivos e camadas generosas de reflexão, densas como as turvas águas atravessadas por Odisseu em seu retorno para Ítaca.

No filme, um exilado retorna para a Grécia em busca dos primeiros rolos de filme realizados naquela região. O material em questão é a base do cinema nacional, numa espécie de busca por suas origens. O roteiro assinado pelo cineasta Angelopoulos, em parceria com Petros Markaris, Tonino Guerra e Giorgio Silvagni, já acerta na escolha do perfil do protagonista. Sem nome na narrativa, ele é um “ninguém”, tal como Odisseu assumiu ser na tentativa de sobrevivência ao sair da ilha dos Ciclopes, um dos mais movimentos acontecimentos do poema Odisseia.

Porta voz da memória coletiva, tal como Etienne de Germinal, o andarilho de Um Olhar a Cada Dia retrata a sua individualidade, mas em conexão com o coletivismo, numa postura política de reivindicação da própria história. Desiludido com a humanidade, o personagem caminha por cenários que nos remetem aos conflitos na Bósnia em 1990, num percurso enquadrado e montado através de travellings e zoons que lembram uma experiência de teatro, haja vista a mobilidade do personagem a cada quadro.

Ao abordar questões como a intolerância étnica e os problemas o ufanismo nacionalista, a trajetória de Theo Angelopoulos oferta ao espectador o paradoxal projeto de um homem que busca se encontrar, isto é, manter-se em paz consigo mesmo, no bojo de um cenário marcado pela guerra. Entre os destaques comparativos, Um Olhar a Cada Dia reinventa a cena da ilha dos Ciclopes (quando o personagem atravessa uma estátua relativamente valiosa em um barco) e as mulheres de Odisseu estão todas embaralhadas na personagem de Maia Morgenstern, uma espécie de pastiche de Calipso, Circe, Atena, Penélope, etc.

Com ritmo lento para os espectadores acostumados com a dieta cinematográfica hollywoodiana, Um Olhar a Cada Dia é a sétima arte em estado contemplativo. Sem pressa para abordar as suas reflexões, o cineasta Theo Angelopoulos mergulha profundamente em seus espaços cênicos. Os travellings são extensos, o plano-sequência ganha uma roupagem similar, numa trama que tem em sua ficha técnica diversas nacionalidades: produzido entre Alemanha, Itália, Grécia, França, Inglaterra, Bósnia, Iugoslávia, Romênia e Albânia, o filme passeia por amplos espaços tal como o herói que serve de ponto de partida para o roteiro.

Ao passo que os seus 176 minutos avançam, a música de Eleni Karaindrou conduz o espectador em meios às imagens desoladoras de pessoas cicatrizadas pelas celeumas dos conflitos bélicos que atravessam a humanidade desde sempre.  O homem sem nome, o “ninguém” protagonista segue seu rumo e é constantemente aproximado de muitas mulheres, mas para ele nada importa, nem mesmo há uma Penélope, pois o combustível que move as suas vontades enquanto ser humano está na analogia entre os filmes perdidos e a necessidade de encontra-los. Para ele, é como encontrar o caminho de casa.

Um Olhar a Cada Dia — (Regard D’Ulysse) França, 1995.
Direção: Theodoros Angelopoulos
Roteiro: Theodoros Angelopoulos, Tonino Guerra, Petros Markaris, Giorgio Silvagni, baseados no poema Odisseia, de Homero
Elenco: Erland Josephson, Harvey Keitel, Maia Morgenstern, Giorgos Mihalakopoulos, Costas Santas, Dora Volanaki, Mania Papadimitriou, Wojciech Pszoniak, Thanasis Vengos
Duração: 178 min.

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