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Crítica | Um Natal Muito, Muito Louco

por Leonardo Campos
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A comédia dramática Um Natal Muito, Muito Louco é um caso sério no bojo dos filmes contemporâneos que insistem em nos cristalizar em artimanhas sociais ultrapassadas. Nada contra o mergulho na memória, mas isso se torna negativo quando “valores” invertidos, tais como o machismo e o tradicionalismo tóxico permeiam uma história que é aparentemente inofensiva. Dirigida por Joe Roth, tendo como direcionamento, o roteiro construído por Chris Columbus, dramaturgo e realizador que adora temas natalinos, também responsável por assinar a produção, o filme é a exposição de todos os clichês possíveis no bojo das ficções natalinas.

Além de ser uma narrativa exageradamente conversadora para uma produção lançada em 2004, período demarcado por muitos avanços nas configurações de família, bem como na dimensão social do papel da mulher. Um Natal Muito, Muito Louco é uma produção que quase não se sustenta enquanto entretenimento, afinal, os seus 98 minutos são de muitas cenas arrastadas e com humor forçado, sem conseguir alcançar a graça devida quando demonstra interesse em nos fazer rir. Até mesmo a sua trilha interessante, com os temas natalinos embalados pelo estilo garage rock, não consegue emplacar ritmo para os problemas enraizados em sua história.

A trama descortina a história de Luther (Tim Allen), patriarca da família Krank, um homem que paga caro ao cancelar os festejos natalinos para embarcar numa viagem com a sua esposa, Nora (Jamie Lee Curtis), uma mulher histérica, sem projetos de vida além de servir ao marido e ao casamento, responsável por muitas cenas burlescas que não conseguem se salvar nem mesmo diante do carisma e talento da atriz que a interpreta. Parecida com uma dessas mulheres do período clássico hollywoodiano, e até mesmo, com as esposas dominadas pelo tradicionalismo na era do romance romântico, Nora é irritantemente plana, construída para ser a cônjuge chata que implica com tudo, inclusive com a proposta do marido em mudar o esquema de final de ano.

A proposta se estabelece depois que Blair (Julie Gonzalo), a filha do casal, decide passar o natal no Peru, ao lado do namorado que está prestes a se tornar noivo, Enrique DeCardenal (René Lovan). O que os pais não esperavam era a surpresa pregada pela filha, ao avisar bem em cima da hora que não iria mais para a América do Sul, mas que está de volta para casa, tendo em vista passar o período natalino. O esquema de Luther Krank desce ralo abaixo, pois havia comprado um cruzeiro com a esposa e agora precisará cancelar a viagem para arrumar a festa de natal às pressas, tendo em vista não desapontar a filha e a sua esposa, uma mulher que se nega a decepcionar os padrões de família e que constantemente aponta a proposta de mudança de paradigma como algo excêntrico por parte do marido. Assim, a viagem é cancelada, transferida posteriormente para outro casal que a usará melhor, talvez.

Diante dos conflitos, a produção se perde com o excesso de subtramas, principalmente pela exposição rodeada de piadas bobas e sem impacto. É o tipo de humor pastelão, coisa que Chris Columbus adora fazer em suas narrativas repletas de gente se esborrachando em quedas grandiosas, dentre outras trapalhadas. É a busca pelo riso fácil, pela piada morna, situada no bojo de uma narrativa gélida e sem vigor. Os conflitos são todos resolvidos, mas antes disso, os Kranks precisam comer o pão que o diabo amassou diante da não aceitação, metáfora para a falta de respeito em relação ao “outro” e seus processos culturais.  Renegados pela vizinhança, o casal consegue ganhar credibilidade e aceitação quando decidem manter os festejos natalinos e fazer jus aos elementos que regem a tradição.

Em seu processo narrativo, Um Natal Muito, Muito Louco, conta com a direção de fotografia de Don Burges, responsável por nos inserir no esquema visual erguido pelo design de produção de Garret Stever, eficiente, mas básico, bem dentro das demandas óbvias de um filme natalino cheio de pisca-pisca e neve. Burges, em sua fotografia, consegue dar conta dos maneirismos propostos pelo roteiro de Columbus, em especial, nas cenas com as trapalhadas, quedas e outros exageros, traços captados de maneira bastante adequada em sua movimentação de câmera, também “correta” na contemplação dos cenários de Karen O’Hara, adornados pela direção de arte natalina de Christopher Burian-Mohr. A condução musical de John Debney também “dá conta do recado”.

Ademais, visualmente funcional, a trama peca mesmo por seu texto, material muito raso em sua mensagem sobre amor e fraternidade, mas que na verdade deveria assumir os seus interesses comerciais e consumistas, afinal, a trama deixa isso bem delineado, isto é, o período natalino como a celebração do consumo e da ostentação para manter as devidas aparências dentro de uma sociedade que parece um jogo de espelhos, com as pessoas sempre a comparar a sua trajetória com base no sucesso ou fracasso do outro. Filme da era Bush, Um Natal Muito, Muito Louco, traz até mesmo o conservadorismo dos mais jovens, pois por qual motivo a filha do casal se zangaria por uma mudança na vida dos pais? Ela não escolheu a sua mudança? Com necessidades dramáticas estéreis, o filme se revela fraco tanto em seu argumento quanto na condução dos diálogos do roteiro.

Um Natal Muito, Muito Louco (Christmas With The Kranks/Estados Unidos, 2004)
Direção: Joe Roth
Roteiro: Chris Columbus
Elenco: Billy Asher, Cheech Marin, Dan Aykroyd, Jamie Lee Curtis, Jordan Alec, Julia Roth, Julie Gonzalo, Raymond Braun, Tim Allen
Duração:  100 min

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