Até onde você iria para proteger seus filhos ou qualquer outra pessoa que você ama? Esta é a pergunta principal, levada às maiores e até exageradas consequências, que encontramos em Um Lugar Silencioso, filme dirigido, co-escrito e atuado por John Krasinski (The Office) em seu terceiro trabalho atrás das câmeras (considerando longas-metragens, porque ele também dirigiu três episódios de The Office). Na trama, que se passa em um futuro próximo, três criaturas alienígenas (?) estão na Terra e elas possuem uma particularidade: são atraídas pelo som. Qualquer barulho deve ser evitado, especialmente quando se está distante de lugares com ruídos constantes, como rios e cachoeiras. Com boa parte da população e animais do planeta dizimados, a obra rapidamente expõe o perigo que os humanos restantes correm. Em pouco tempo, o público está imerso em silêncio, temendo que cada barulho tenha sido alto demais para ser ouvido pelas criaturas e se assustando imensamente quando o som é ampliado ao máximo, sempre que necessário.
Inicialmente escrito por Bryan Woods e Scott Beck, a obra recebeu um novo tratamento de Krasinski, que se baseou em obras como Alien, o Oitavo Passageiro (1979), Onde os Fracos Não Tem Vez (2007) e Entre Quatro Paredes (2001) parar destacar o elemento que o atraiu desde o início: a solidão, a ameaça constante e a urgência proteção dos pais aos filhos. Na época da pré-produção, ele e a esposa Emily Blunt tinham acabado de ter mais um bebê, e a paternidade e maternidade rugia forte nos dois, que discutiram muito sobre a obra. Eles devem um ao outro a existência do resultado final, começando da produção: Krasinski só aceitou a direção porque a esposa insistiu e Blunt só considerou atuar no filme a pedido do esposo. Essa relação parental é repetida e maximizada na película, já que os dois fazem um casal que tentam viver e ensinar aos filhos viverem neste mundo onde o silêncio é vida.
Considerando os aspectos mais básicos da linguagem cinematográfica, é possível entender o por que Um Lugar Silencioso é um filme (de terror!) muito diferente. No primeiro ato, conhecemos os personagens, demoramos alguns poucos minutos para entender a real importância do título e compramos a ideia. O monstro não está à vista logo de cara. E como nos bons terrores que abordam ocasiões misteriosas e de implicações improváveis, há apenas o mínimo suficiente sobre o que aconteceu com o mundo. Ao contrário do que possa parecer, essa tomada de decisão é instigante, pois nos deixa esperando por mais detalhes e sempre na expectativa de descobrir coisas novas, algo que de fato acabamos descobrindo. Pouco a pouco, a linguagem de sinais vai se entrelaçando com sussurros e uma trilha sonora pontualíssima. Entendo perfeitamente a preocupação do diretor em adicionar trilha aqui, mas ainda acho que o filme ganharia bem mais se apenas o excelente trabalho de edição e mixagem de som estivessem em cena, marcando os pormenores do silêncio e criando em si mesmo um caminho perfeito para o medo.
Diante dessa escrupulosa engenharia de som, não é surpresa que o roteiro tenha muitas cartas escondidas na manga, algumas delas gerando um elemento constante de angústia no espectador (o maldito prego, por exemplo), mas ele não fica só aí. Krasinski prende o público pela maneira incomum de apresentar os jumps e pela forma como a linha dramática e parental, do roteiro é guiada em sequências onde temos de tudo: encontros, brigas, tragédias, momentos de diversão, um sutil humor, romance e amor. A sobrevivência da família e a forma como cada um vê o mundo coloca na tela pequenos Universos, vistos na interpretação e na forma como usam a linguagem de sinais, começando dos gestos rápidos do pai (Krasinski), indo para os gestos mais longos e amplos da mãe (Blunt) e passando pelo meio termo entre Marcus (Noah Jupe) e Regan (Millicent Simmonds, atriz surda que estreou na safra anterior a este filme, em Sem Fôlego, de Todd Haynes).
SPOILERS!
Depois de um primeiro ato bastante sólido, o segundo ato chega com algumas coisas incômodas, como a cena do “afogamento no milho” (a única coisa que se possa chamar de “ruim” do filme) e a perseguição insistente demais da criatura na casa da família Abbott, agora com um novo membro, que faz barulho por excelência, porque precisa chorar. As cenas continuam tensas, o momento com o monstro no lugar parcialmente inundado é incrível (aliás, a aparência do monstro é incrível), mas esse cerco cobra do filme algo que ele não dá, ou seja, mais detalhes sobre os aliens, o que vira um problema — pequeno, mas não ignorável — para a fluidez do enredo, porque o segundo ato tem o maior número de cenas de medo, os personagens são colocados em situações de grande estresse e então passamos para o amarrar dos nós. As coisas são aceleradas.
A montagem e edição são tão bem feitas que os 90 minutos parecem bem menos do que são, e devemos considerar aí que falamos de uma obra com cada metade dotada de uma atmosfera distinta, ou seja, são emoções e níveis de entrega diferentes em cada parte da obra, tendo um clímax continuado e perfeitamente administrado, começando com o sacrifício de Lee por amor aos filhos e terminando na descoberta de Regan para qual era, de fato, a fraqueza dos monstros. Também essa parte parece rápida demais ou carente de algumas pequenas cenas que ajudassem a contextualizar a descoberta, mas dada a tensão e intenção daquele momento, foi melhor que o texto realmente focasse em se livrar do bicho. Se o contexto não conseguiu ser feito antes, àquela altura, dificilmente conseguiria ser bem encaixado.
Notadamente diferente dos filmes do gênero, bem dirigido, maravilhosamente bem atuado (Emily Blunt cria uma postura de grandes emoções guardadas pela impossibilidade de emitir sons altos que é algo impressionante) e com um final capaz de arrancar aplausos pela disposição da família e superação medonha das adversidades, Um Lugar Silencioso está entre os longas de grande surpresa e que sabe usar os clichês de maneira muito inteligente a seu favor. Uma obra capaz de nos deixar sem palavras, ao mesmo tempo que nos faz querer gritar.
Um Lugar Silencioso (A Quiet Place) — EUA, 2018
Direção: John Krasinski
Roteiro: Bryan Woods, Scott Beck, John Krasinski
Elenco: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds, Noah Jupe, Cade Woodward, Leon Russom, Doris McCarthy
Duração: 90 min.