Um Estranho Vampiro, também conhecido por aqui pela tradução literal do título em inglês, O Beijo do Vampiro foi mal recebido por crítica e público e resultou em um gigantesco fracasso de bilheteria mesmo considerando seu parco orçamento de dois milhões de dólares. Apesar de vir depois que Nicolas Cage mostrou talento em filmes como Peggy Sue, Seu Passado a Espera, Arizona Nunca Mais e Feitiço da Lua (mas bem antes do merecido Oscar por sua performance em Despedida em Las Vegas), o longa deixa muito clara a tendência do ator – mais notável nos dias atuais, sem dúvida – de escolher papeis diferentes em filmes alternativos, nadando na contramão de boa parte dos atores e atrizes que ganham alguma tração em Hollywood.
No longa, Cage tem uma das mais intensas atuações de toda sua carreira, mas que é normalmente encarada de maneira negativa, como se seu histrionismo e seu exagero fossem sinais de um ator ruim perdido em um papel pior ainda. No entanto, tenho para mim que seu trabalho como o desagradável agente literário Peter Loew é exatamente o que o roteiro de Um Estranho Vampiro pedia. Na verdade, minto, pois é mais do que isso. A atuação de Cage pega um roteiro inteligente, mas simplório escrito por Joseph Minion e o absorve completamente, em um raro caso em que a performance do ator principal suplanta e supre as falhas do material que lhe é entregue. Os problemas não desaparecem totalmente, claro, mas é como se Cage, toda vez que está em tela, o que é basicamente o tempo todo, agiganta-se ao refestelar-se com a descida à loucura de seu personagem que, com cada vez mais ênfase, acha que é um vampiro.
Apesar de o filme ser estruturado e categorizado como uma comédia ácida com tons de horror, talvez um “terrir”, o que eu vejo é um drama sério sobre um homem que, aos poucos, vai se despregando da realidade e começa a entrar em sua mente repleta de devaneios vindos de frustrações, de inseguranças e de um estilo de vida que o coloca em posição de usar a hierarquia para fazer pequenas maldades cotidianas, especialmente com sua secretária Alva Restrepo (María Conchita Alonso). Alva não é alvo de “abusos cômicos”, se é que posso chamar abuso de cômico, mas sim de efetiva e inegável violência verbal que chega às vias de fato da violência física com uma aproximação de nada menos do que do estupro, em uma sequência particularmente revoltante em que Loew tenta beber seu sangue. Diria até que é perigoso e muito errado esperar – e, pior, ver – uma comédia ou até mesmo uma sátira aqui. Se rasparmos a camada básica que pode sim ser vista dessa forma, notaremos algo mais no roteiro, uma perversidade, uma quebra de expectativas que tira a obra do banal, ainda que não consiga elevá-la a algo realmente especial por si só, sem considerarmos Cage nessa equação.
Pois, de fato, é Cage quem brilha. Seu exagero extremo, como uma versão urbana em 220 volta de seu papel em Arizona Nunca Mais é um tour de force magnífico. Sim, é exagerado, caricato e até exaustivo de assistir, mas é uma excelente, diferente e, diria, ousada maneira de se trabalhar distúrbios mentais. Pode até parecer politicamente incorreto, já que Loew é um “louco furioso”, mas tenho para mim que a intenção não foi ofender ninguém, mas sim criar algo muito particular que poucos atores conseguiriam nesse nível de entrega justamente porque uma atuação assim é capaz de destruir muitas carreiras e, como bem sabemos, Cage não parece se importar nada com isso.
Um Estranho Vampiro não tem vampiro, pelo menos não fora da mente do protagonista e não sei se estranho é o adjetivo correto. Está mais para assustador, não no sentido de filme de horror, ou, talvez, perturbador, com uma intensidade dramática que não se encontra muito facilmente por aí. É Nicolas Cage sendo Nicolas Cage, sem dúvida, mas, aqui, seu trabalho está em um contexto que pede o que ele faz e ele consegue ser tudo aquilo que o filme verdadeiramente tem de valor. Poucos vampiros são tão bizarros como o que Cage vive aqui.
Um Estranho Vampiro / O Beijo do Vampiro (Vampire’s Kiss – EUA, 1988)
Direção: Robert Bierman
Roteiro: Joseph Minion
Elenco: Nicolas Cage, María Conchita Alonso, Jennifer Beals, Kasi Lemmons, Bob Lujan, Elizabeth Ashley, Jessica Lundy, Marc Coppola
Duração: 103 min.