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Crítica | Um Dia Antes de Todos os Outros

Conformismo, confronto e afeto.

por Frederico Franco
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Um Dia Antes de Todos os Outros começa apresentando Sofia e um grupo de adolescentes improvisando rimas em uma comunidade no Rio de Janeiro. Os textos interpretados pelos personagens são de forte cunho político, histórias sobre negritude e críticas sociais frente à realidade marginalizada da cidade. No outro extremo da cidade, vemos Marli, mãe de Sofia, organizando a saída do apartamento no qual trabalhou por vinte anos cuidando de Dona Iara, mãe de um pequeno burguês residente na Itália. A ordem de despejo foi ríspida e imediata: tem de ser feita hoje, agora, o mais rápido possível, já que a compradora do imóvel tem uma visita marcada para o mesmo dia. Não conseguindo lidar com tudo sozinha, Marli pede ajuda à sua filha que, mesmo a contragosto, resolve auxiliar a mãe nessa empreitada. Quando Sofia retorna para o apartamento, inicia-se um confuso conflito de gerações marcado por comportamento político distinto, a autopercepção da protagonista enquanto mulher negra e o posicionamento perante injustiças sociais que afetam a família em geral.

No princípio de Um Dia Antes de Todos os Outros a personagem de Marianna Bittencourt é apresentada de uma maneira complexa para se estabelecer qualquer tipo de identificação empática. Nas primeiras instâncias, Sofia é mostrada como uma espécie de caricatura da nova geração de adolescentes, marcada por uma vida pautada pelo lazer, pouca paciência com as gerações anteriores e engajamento político-social. Cito como caricatura porque, desde o princípio, a atuação de Marianna não é firme o bastante para distanciar sua personagem do caricatural; esse problema, portanto, acaba por enfraquecer suas relações com outros personagens centrais da trama. O que ocorre, infelizmente, é a construção de uma protagonista, além de pouco empática, reduzida ao papel de uma adolescente birrenta. Marli, matriarca, por outro lado, demonstra um domínio completo de seu papel, transitando muito bem entre o carismático e a seriedade material. Durante os primeiros vinte minutos de filme Clarissa Pinheiro carrega nas costas toda a dramaticidade do filme. A câmera a persegue e, ao mesmo tempo, se entrega à protagonista, nunca a deixando fugir do radar do espectador.

O trabalho de Marianna Bittencourt com Sofia não é apenas definido pelas nuances primordiais da personagem. Existe, ao longo do filme, uma certa evolução no trabalho da atriz, justamente quando começam as indagações a respeito da relação de sua mãe com o patrão Bernardo – por mais que não apareça em tela, o burguês é uma presença constante nas conversas e debates entre mãe e filha. É nesse ponto, que a personagem Sofia parece começar a funcionar: questionando os problemas da posição social de sua mãe e de seu patrão. Através de sua potente rima, a jovem tenta colocar para mãe a problemática dinâmica de classes existentes neste trabalho. Fica estabelecido, aqui, um embate entre o conformismo de Marli e o confronto de Sofia. A primeira não vê nada de errado no comportamento de Bernardo, alegando que se trata de um bom homem; a filha vê o oposto, enxergando no patrão um homem que abusa de seus privilégios para controlar sua mãe.

Se a relação de Marli e Sofia começa estranha, distante e, por muitas vezes, fria, isso muda dramaticamente e no que diz respeito à atuação. Quanto mais tempo a atriz Marianna Bittencourt passa com Clarissa Pinheiro, mais seu trabalho enquanto filha cresce. Mesmo em momentos de discórdia ou debate a relação entre ambas parece funcionar de maneira mais orgânica. Evidentemente, o filme de Fernanda Bond e Valentina Homem não explora apenas as divergências entre Sofia e Marli. Quanto mais tempo passa, mais ternura é explorada pelas diretoras. Essa crescente intimidade é o que carrega o filme em direção a um melodrama consistente e, em certo momentos, emocionante. O amor e a afeição ganham cada vez mais espaço, dando ao espectador algo para sorrir diante das dificuldades apresentadas ao longo da obra. É nesse redirecionamento para o melodramático que cresce a atuação de Clarissa Pinheiro, dona por completo de Um Dia Antes de Todos os Outros.

A figura emblemática de Dona Iara é algo a ser pensado. Paralisada, já sem esboçar reações ou sem poder se comunicar, aparenta ser uma espécie de presença ausente dentro do filme. Seu olhar vidrado, sem expressar reação com aquilo que a rodeia para ser uma representação hiperbólica da melancolia do desprendimento da casa e do fato de enfrentar uma nova etapa de sua vida. Iara parece representar tudo aquilo que há de mais melancólico na despedida.

Fernanda Bond e Valentina Homem apostam em um categórico lirismo que serve como conforto para o espectador. Mãe e filha na praia, nadando livremente entre carícias e palavras de carinho. Por mais que deixe de lado um conflito central levantado ao longo do filme, o otimismo da direção parece deixar de lado o incerto, tendo como imagem final o amor e carinho entre Sofia e Marli.

Um Dia Antes de Todos os Outros – Brasil, 2024
Direção: Fernanda Bond, Valentina Homem
Roteiro: Fernanda Bond, Jô Bilac
Elenco: Clarissa Pinheiro, Marianna Bittencourt, Elvira Elena
Duração: 73 min.

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