Na superfície Um Barco no Jardim debate temas bem envolventes, usando uma narrativa de amadurecimento para trabalhar a complexa relação entre pai e filho. Porém, ao mesmo tempo que tenta debater tantas coisas interessantes, se perde com a quantidade de metáforas e um enredo repetitivo que deixa a trama já lenta em algo mais cansativo de assistir. Há um charme na simplicidade de algumas sequências, principalmente nas mais introspectivas, mesmo que tenha a narração do protagonista constantemente interrompendo esses momentos.
A animação é ambientada na França, década de 1950, em uma pequena vila perto do rio Marne. François é um menino sem muitos amigos, mas bastante criativo, que gosta de desenhar e passear com sua bicicleta. Quando seu pai decide construir um barco no jardim da própria casa, toda a família precisa se adaptar e começar a pensar no futuro, já que o menino está terminando o colégio e sua relação com o pai está frágil após uma descoberta que pode mudar a dinâmica entre eles. Com eventos estranhos e visões que confundem realidade com sonho, François precisa lidar com as mudanças e planejar o futuro.
Como mencionei no primeiro parágrafo, ainda que o filme tenha uma ambientação charmosa por conta da interação das personagens com a natureza e alguns momentos de introspecção que funcionam bem, há um fluxo de ideias que atravessa a história sem peso algum. Algo que seria essencial para a premissa é o fato do protagonista ter uma relação complicada com o pai, que na verdade é seu padrasto. Após visitar o seu pai biológico, François retorna para casa e continua a jornada do barco no jardim como se nada tivesse acontecido, e o longa não retorna para isso em momento algum. O mesmo acontece quando o menino encontra um corpo boiando no rio e o ignora empurrando o defunto com um pedaço de madeira. Esses elementos não precisam ser necessariamente explicados ou debatidos em demasia, mas aqui parecem apenas tentar inserir algum tipo de choque dramático no longa sem que isso pareça afetar o protagonista de qualquer jeito ao longo do filme.
Longe de mim criticar negativamente o departamento de arte de um filme, mas aqui a animação que mescla um desenho 2D com movimentações 3D é algo que me distraiu bastante durante a sessão. A animação tenta emular um estilo de pintura que ajuda bastante na ambientação, porém alguns movimentos e principalmente expressões de personagens são um pouco desconfortáveis de assistir considerando que muito foi deixado na mão do computador para finalizar esses elementos, como quando alguém rabisca algo em um papel e a linha surge antes que a pessoa consiga terminar o desenho, então essa interação entre os elementos humanos e os objetos distraiu mais do que eu esperava, principalmente em um filme onde muitas cenas são exatamente sobre personagens construindo e escrevendo enquanto planejam a construção do barco que dá título ao longa. É uma ideia promissora com uma execução tediosa e repetitiva, mesmo tendo apenas 75 minutos de duração, o que é uma pena porque alguns segmentos funcionam muito bem, mas são poucos.
Um Barco no Jardim (Slocum et moi) – França, 2024
Direção: Jean-François Laguionie
Roteiro: Anik Leray, Jean-François Laguionie
Elenco: Elias Hauter, Grégory Gadebois, Coraly Zahonero, André Marcon, Mathilde Lamusse
Duração: 75 min.